No surgimento do mundo moderno, entre os séculos XV
e XVII, as mudanças/revoluções ocorridas nos levam a perceber, quando as estudamos,
que na substituição das totalidades medievais se buscavam novas tonalidades.
O rompimento de limites espaciais e temporais, na busca de novos mundos
e de um novo olhar para o céu, para a natureza e para o homem - causa
e consequência de novas relações materiais entre os homens - leva a uma sensação
de esgotamento, pois "tudo está em pedaços, toda coerência desapareceu / qualquer
simples provisão e qualquer relação" (John DONNE, 1611, in ROSSI, 1989, p.66).
Mas, como resposta, leva também, contraditória e necessariamente, a se construir
o novo, pois se vai adquirindo a certeza de que "existem mais coisas a se encontrar
do que as que foram encontradas" (Daniele BARBARO, 1556, in ROSSI, 1989, p.66).
Em ciências, por exemplo, essa busca se dava em um diálogo rico e extremamente
produtivo entre a teoria e a prática, entre ciências e arte (naquele tempo,
especialmente as mecânicas). A construção do método experimental tem a ver,
fundamentalmente, com esse diálogo. Esse processo, no seu desenvolvimento, se
leva ao aprofundamento e alargamento do campo científico, leva, em contrapartida,
ao estilhaçamento desse campo em um grande número de ciências, que em especial,
no correr do século XIX, chega ao seu auge.
Tal fracionamento será gerado ao mesmo tempo em que a hierarquia dos conhecimentos
- de um lado, os conhecimentos centrais, fundamentais, basais, anteriores e
de outro, os periféricos, superficiais, posteriores - vai, também, se estruturar
em lugares estanques aos quais se vai dando o nome ciências, no plural,
e à sua reprodução na escola, em qualquer dos seus níveis, na sua estruturação
curricular, o nome de disciplinas - que têm, enquanto termo, um expressivo
duplo sentido.
Na oposição teoria-prática, apesar de todas as posições científicas que tentam
vê-las como dialeticamente articuladas, os cientistas, humanamente, têm reforçado
a idéia de que à teoria caberia o papel central na explicação do mundo, frente
à prática. Isto nos é mostrado pela própria maneira como essa relação é enunciada
- teoria/prática e não prática/teoria, quando sabemos que a dialética nos faria
dizer prática/teoria/prática.
A consequência direta de tudo isto, no pensar pedagógico, especialmente no campo
curricular, é que se criou e se passou a desenvolver um modelo e uma realidade
nos quais a "construção" do conhecimento se dá de modo linear e hierarquizado,
com uma antecedência claramente estabelecida de disciplinas teóricas (formadoras
do campo científico específico) sobre as disciplinas práticas, sempre
subordinadas, quer quanto ao lugar posterior ocupado, quer pelo tempo menor
geralmente dedicado ao seu desenvolvimento.
Essa forma de "construir" o conhecimento é a que vai possuir uma grafia em árvore,
que pressupõe um caminho obrigatório, único, linear e hierarquizado. É a partir
desta idéia que se entende que se está melhor, se sabe mais, quando atingindo
o cimo, chegamos às indispensáveis folhas (que nos permitem respirar melhor),
às lindas flores (que nos permitem poetizar a vida) e aos frutos saborosos (que
não nos deixam morrer de fome).
Mas estamos em crise, e nada traduz melhor esta idéia do que uma citação de
Neil Smith feita por Harvey (1989), no livro Condição pós-moderna. Aí
se pode ler: O iluminismo está morto, o marxismo está morto, o movimento
da classe trabalhadora está morto... e o autor também não se sente muito bem
(p.291).
As tensões atuais
Três movimentos, de ordens e potencialidades diferenciadas,
ganham espaço especialmente na segunda metade do século XX, e vêm questionar
medularmente esta forma de construir o conhecimento e a realidade da escola
nela apoiada, em quaisquer de seus níveis.
O primeiro deles é aquele que vem se processando no mundo do trabalho (e nos
lugares novos de trabalho - das indústrias de ponta à terceirização), invertendo,
não em todo o seu espaço, mas naquela parte dominante, porque de maior agilidade
no sentido de maiores e mais concentrados lucros, a direção anteriormente assumida
(a chamada taylorista-fordista-keynnesiana), assumindo relações muito mais fluidas,
horizontais, criativas e colectivas (HARVEY, 1993). (...)
O segundo movimento tem a ver com os processos desenvolvidos pelas e nas novas
ciências de ponta - informática e comunicação, em geral - e pelos novos campos
do conhecimento, não mais disciplinares - como engenharia genética ou os estudos
sobre cidades, por exemplo (...)
O terceiro dos movimentos, tem a ver com o crescente reconhecimento de que as
contribuições que a modernidade trouxe ao mundo não estão somente relacionadas
às criações da racionalidade, em especial da sua máxima expressão - as
ciências. (...)
(in O sentido da escola; Nilda Alves (org.), DP&A editora, Brasil)
É em torno destas e outras questões que o Grupo de pesquisa:
"Redes de Conhecimentos em Educação e Comunicação: questão de cidadania" escreverá,
neste espaço, a partir de Abril.
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