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"Insucesso Escolar - como salvar os nossos filhos?"

(Título decapa da "Nouvel Observateur")


Paris, catorze de Fevereiro. Mais uma manhã igual às outras, cinzenta e fria, e a habitual paragem no quiosque da esquina para comprar o "Le Monde". Ao lado, outros jornais e revistas dão as últimas do mundo. De repente, o meu olhar de professora é irresistivelmente atraído por uma capa: um título apelativo e o desenho de uma dezena de crianças sentadas em fila, em carteiras escolares tradicionais, com os braços cruzados e um ar desiludido, frustrado, desgostoso...zangado. Zangados com a escola, mensagem evidente.

Dentro, o tratamento do tema de capa e os depoimentos de pais, professores, psicólogos, sociólogos. "O que há por detrás das más notas?". É a questão que se coloca a todas as famílias confrontadas com o problema. E "que fazer?".

Quando a professora pergunta a um aluno de 6 anos, que frequenta uma "boa" escola primária de uma zona "boa" de Paris, porque é que quer aprender a ler, ele responde "para ter uma boa nota". No final do 1º trimestre, não consegue ainda decifraras sílabas. "Receio que ele não consiga, nunca, vir a ler bem. A sua única motivação é dar prazer aos pais. A mãe inquieta-se com os resultados do filho, mas nunca lhe leu uma história. Em casa, também nunca viu ninguém abrir um livro. Aprender a ler? É coisa que não lhe parece muito útil".

A socióloga Marie Dulu-Bellat vai mais longe e põe o dedo em algumas feridas: as famílias não falam com as crianças, que passam a maior parte do tempo frente à televisão; em casa, a linguagem é reduzida a um mínimo utilitário; as crianças não encontram em casa eco do que vivem na escola; os pais não seguem afectivamente a escolaridade dos filhos, não se informam sobre o que fazem na escola, não lhes dão atenção, não escutam e, sobretudo, não dialogam. E conta que, quando confrontada com os maus resultados do filho, a mãe do aluno que frequenta uma "boa" escola, numa zona "boa" de Paris, respondeu: "Eu não sabia que era preciso falar com ele".

A situação assume proporções tais que o Ministério da Educação francês decidiu difundir, entre os pais, um folheto com alguns alertas: - o êxito escolar do aluno começa em casa; - é no ambiente familiar que têm as raízes as motivações escolares do aluno, é lá que se constrói o seu desejo de ler, de escrever, de contar, de falar, - a rejeição da escola na adolescência, tem muitas vezes as suas raízes na primeira infância e em insucessos escolares precoces ("maternelle" e escola primária).

Não referiram, uma e outro, a relação que nos parece evidente de tudo isto com a agressividade e a violência vividas actualmente nas escolas francesas. Fenómeno preocupante, tem vindo a atingir proporções gravíssimas. Para além das agressões constantes (físicas e não só) a colegas, professores, responsáveis... que já levaram à morte, em alguns casos, é o clima de terror psicológico que se instalou. São os mais pequenos a ter medo de as frequentar, é a polícia a entrar nas escolas e a efectuar prisões, são brigadas populares que se organizam, são gangs que normalmente levam a melhor.

A França está na dianteira em praticamente todos os índices. À custa de quê? De uma sociedade cada vez mais desenraizada, mais violenta, mais brutal? De uma Escola cada vez mais atemorizada, hierarquizada num "ranking" de escolas boas, menos boas e não boas, incapaz de lhe fazer face?

Em Portugal podemos estar na cauda da Europa em tudo, até no índice de medição(?) das competências escolares dos alunos. Na Pedagogia não estamos, com toda a certeza.
De Paris, um abraço amigo

  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 110
Ano 11, Março 2002

Autoria:

Isabel Brites
Professor de Educação Especial, Lisboa
Isabel Brites
Professor de Educação Especial, Lisboa

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