Quanto à Câmara já tinha decidido como votar. Sobre a junta
de freguesia é que estava às escuras. Na pré-campanha os da Câmara já tinham
dito tudo, isto é, nada. Os da junta nem fazia ideia de quem eram menos ainda
o que propunham. O caso está agora resolvido. Espero tranquilamente o dia do
voto.
Eu voto sempre. Não falhei nenhuma eleição desde que conquistámos a democracia.
A conquista do direito de voto custou tanto e a tantos que a ideia de não votar
me parece um insulto a muitos dos vivos e a alguns mortos, uma obscenidade.
Com a liberdade que a democracia permite revelo que o mais normal é votar em
branco. No "momento cívico", calmamente, dobro o voto bem dobradinho e sem cruzinha,
risco ou mancha, deposito o voto imaculado na ranhura. Voto em branco.
No caso presente o voto para a Câmara está claro, melhor, branco. Os candidatos
distribuíram as suas fotografias pela cidade. Caras feias. Se fosse eu tinha
vergonha de expor a minha assim, em ponto grande e em tudo quanto é espaço público.
Havendo tanta cara bonita nas cidades não se percebe porque nos obrigam a estas.
Palavras. Podiam pelo menos dizer alguma coisa com as palavras, mas não. Construir
a cidade. Amar a cidade. Eu faço. Eu fico. Eu rio. Eu choro. Eu canto. Eu sim,
ele não. Eu tropeço. Uma cidade com qualidade. Construir o futuro (...). Chama-se
a isto vazio de comunicação. Por isso, voto em branco. Sem esquecer que por
detrás deste vazio das palavras e dos gestos da campanha possa existir alguma
coisa que interesse aos cidadãos e se assim for pode ser que um dia haja motivo
para não votar em branco.
Sobre a junta o caso também já está praticamente resolvido. Pelo correio recebi
vários papeis de candidatos que não diziam nada. Mas hoje foi um fim de tarde
diferente. Recebi um papel com o slogan "Não deixe no chão o que é do seu cão".
O Sr. Faustino, o candidato, chama a atenção para a necessidade de haver mais
contentores na freguesia de modo a resolver algumas urgências de fim de semana.
Mas o que mais me encantou é que ele diga algumas verdades à vizinhança. Diz
que se queremos a freguesia limpa temos todos de colaborar. Recomenda-nos que
não coloquemos o lixo na rua antes das 19 horas. Refere-se, com toda a razão,
à necessidade de haver mais cuidado com a limpeza dos passeios. Indigna-se pelo
facto de só termos ainda eco pontos em metade da freguesia. Explica cuidadosamente
como devemos fazer a separação dos lixos. Defende a necessidade de recolha de
lixo num dos dias do fim de semana. Mas lembra que enquanto tal não acontecer
devemos saber guardar o lixo até depois das 19 horas de segunda-feira. O meu
vizinho, Sr. Faustino, tem o meu voto. Só me falta ver qual o seu partido para
eu saber onde por a cruzinha.
Como no papel o meu vizinho indica o endereço de correio electrónico, vou mandar-lhe
ainda hoje um email. Vou pedir-lhe que, caso seja eleito, trabalhe e exija que
se cumpra o que propõe no seu panfleto. Que os contentores do papelão sejam
esvaziados com mais frequência. Estão quase sempre cheios. Que nos eco pontos
já existentes e nos que vierem a existir exija a colocação de um pilhómetro.
Não dá jeito andar pela cidade, com as pilhas velhas no bolso à procura de um
pilhómetro. Dir-lhe-ei também que me disponibilizo a ajudar a manter a freguesia
em estado de nos dar gosto à vida e de não nos envergonhar perante os inúmeros
visitantes que por cá passam todos os dias. Finalmente peço ao Sr. Faustino
que, caso seja eleito, se bata para que nos eco pontos, ao lado dos contentores
do papelão, ou do vidrão, se coloque um de boca larga com a designação de politicão.
Podemos então reciclar alguns que andam por aí a poluir o ambiente. Uma reciclagem
pode ajudar nas próximas eleições a não votar em branco.
José Paulo Serralheiro
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