Página  >  Edições  >  N.º 108  >  Crise Mundial

Crise Mundial

O chador

"[Há um certo equivoco] a propósito do "chador" que usam as mulheres dos talibãn e outros povos e gente do mundo árabe. O chador é a túnica total, um vestido da cabeça aos pés, fechado, um saco dentro do qual elas se metem, porque assim o quer Maomé ou algum maometano. Dentro desse saquito elas caminham com passo curto e gracioso, passo de ave, que o homem pode captar e desfrutar tal como nós ocidentais captamos e desfrutamos a musculatura nua de Norma Duval.
Quer dizer que a graça feminina e o poder de insinuação não se tapa com sacos, [ainda menos] quando ela tem vinte anos. Os vinte anos ultrapassam todos os rigores católicos, cristãos, maometanos, aladinos e japoneses. Os meus queridos talibãn perdem um pouco o tempo empacotando as suas mulheres porque a graça da rapariga não é só uma forma mas também um perfume ou uns olhos cúmplices que olham por cima do véu.
Por outro lado, há que dizer que se o talibãn perde a cabeça com o invólucro das suas mulheres nós perdemo-la pelo extremo oposto. A última moda ocidental consiste num minúsculo fio de ouro, um seio fora, uma tanga Armani e umas pernas nuas até aos pés (...) Este esquemático e sumptuoso modelo custa uns larguíssimos milhares de euros. Quer dizer que pagamos caro para que os outros vejam as nossas mulheres nuas. (...) Uma mulher com um modelo caríssimo que só a despe é o escaparate das riquezas e abundância do marido ou do amante."

Francisco Umbral
El Mundo, 06.11.01


"Diário 16", o triste fim de um grande jornal independente

"Diário 16 dirige-se hoje pela última vez ao encontro dos leitores. O seu encerramento põe ponto final à grande crise de um projecto que nasceu faz agora precisamente 25 anos (...) Todos quantos trabalharam no Diário 16 podem sentir-se orgulhosos de um jornal que prestou grandes serviços à democracia, principalmente com as suas corajosas denúncias do golpismo [pós-franquista]."

El Mundo, 07.11.01


B. Laden

"A origem mais pré-histórica da ideia religiosa nasceu do medo irracional face ao firmamento inexplicável e aos seus meteoros. Depois humanizou-se com esse igualitário processo bioquímico chamado amor fraterno. Mas este maníaco religioso continua ancorado no seu muito pessoal Pleistoceno: em substituição dos Budas milenários quer erguer uma catedral. Porquê? Aterroriza-o ter a mulher como semelhante."

Erasmo
El Mundo, 11.11.01


Kioto sobrevive

"O protocolo de Kioto para lutar contra o aquecimento do nosso planeta sobreviveu após a reunião de Marraquexe, o que não é pouco tratando-se de um dos acordos internacionais mais controversos e discutidos, e após o fracasso, faz agora um ano, da cimeira de Haia e o posterior abandono por parte dos Estados Unidos. A União Europeia conseguiu no último momento na cidade marroquina um pacto com os países em vias de desenvolvimento, com o Japão, Austrália, Rússia e Canadá, depois de limar em intermináveis negociações os pontos de maior conflito."

El País, 12.11.01


O fim do neoliberalismo

"(...) A irrupção do terror global, com efeito, equivale a um Chernobyl da economia mundial: tal como ali se enterraram os benefícios da energia nuclear, aqui enterram-se as promessas de salvação do neoliberalismo. Os autores dos mortais atentados suicidas não só demonstraram claramente a vulnerabilidade da civilização ocidental, como anteciparam o tipo de conflitos a que nos pode levar a mundialização económica. Num mundo de riscos globais, a consigna do neoliberalismo, que reclama a substituição da política e do Estado pela economia, mostra-se cada vez menos convincente.
(...) Os Estados Unidos privatizaram a segurança aérea, entregando-a ao "milagre do emprego que constitui os trabalhadores a tempo parcial altamente flexível, cujo salário, inferior inclusivamente ao dos empregados dos restaurantes de comida rápida, anda à volta dos seis dólares por hora. Quer dizer, estas funções de vigilância (...) estavam a ser a ser desempenhadas por pessoas "formadas" em poucas horas e que em média não conservavam o emprego por mais de seis meses neste trabalho de segurança "fast food".
A concepção neoliberal que os EUA têm de si mesmos (por um lado, a pequenez do Estado; por outro, a trindade desregulação-liberalização-privatização) explica em parte a sua vulnerabilidade frente ao terrorismo. (...) As imagens de horror de Nova Iorque são portadoras de uma mensagem que ainda não foi assimilada: um Estado, um país, pode neoliberalizar até a morte. (...)"

Ulrich Beck
Le Monde / El Pais, 15.11.01


Subjacente

"Parece que, para além da inflação aparente ainda que real, há outra que deveria preocuparnos muito mais porque também é real embora subjacente, ou seja, está por baixo e, por tanto, é, além de real, ameaçadora. Digo-lhes que há imenso tempo que esta prenda se sente ameaçada pelo subjacente, e não só no capitulo da economia.
(...) Por exemplo, quando leio que Colin Powell prepara um novo plano de paz para o Médio Oriente penso até que enfim; mas o subjacente lembra-me que, segundo a Amnistia Internacional, nas últimas semanas (desde que Bush disse que os palestinianos mereciam um Estado próprio) duplicou o número de palestinianos mortos pelos israelitas, enquanto que a cifra das baixas israelitas desceu consideravelmente. Subjacente é também, sem dúvida, o facto exemplar de que o exército de Israel se tenha negado a julgar os soldados que, em Julho passado, mataram a tiro um miúdo palestino de 11 anos quando jogava futebol em Rafah, ao sul de Gaza. (...)"

Maruja Torres
El Pais, 15.11.01


O poder ditatorial de Bush

"Mal aconselhado por um fiscal general frustrado e paralisado pelo pânico, um presidente dos Estados Unidos acaba de assumir algo que equivale ao poder ditatorial de encarcerar ou executar estrangeiros. Intimidados pelos terroristas e inflamados por uma paixão pela justiça pura e dura, estamos a permitir a George W. Bush substituir o sistema de direito dos Estados Unidos por improvisados tribunais militares (...)."

William Safire
El Pais, 16.11.01


A felicidade feminina

"A felicidade é uma categoria feminina. A felicidade, a vida feliz, o lugar feliz, os instantes felizes, a felicidade tem interessado mais às mulheres do que aos homens. Os homens, convém dizê-lo, apreciam a felicidade mas não a colocam como um objectivo fundamental das suas vidas. Para a sua exposição, já lá vão uns anos, na Casa da América em Madrid, a pintora Katie van Scherpeng escolheu para título uma frase que lhe repetiam com frequência na infância. Dizia a sua mãe: "Promete-me que serás feliz". Borges pelo seu lado declarava no final dos seus dias: "Cometi o erro de não ser feliz". Ser feliz é um estado deliquescente, demasiado afeminado, demasiado glorioso para ser de verdade coisa de homens. (...)
Porque será que as mulheres têm menos pudor em manifestar estes estados de alma fundamentais? Porque o centro da sua felicidade radica, ao contrário dos homens, na experiência de um empreendimento tão primordial como é a maternidade. Sendo mães sentem o efeito radical de ser felizes. Mas um homem? As suas missões ditas fundamentais relacionam-se com o mundo do trabalho, o dever de ganhar (...) Para os homens de hoje não existe uma felicidade tão verdadeira, original e legitima como a felicidade de uma mulher. Há tipos emancipados da sua masculinidade que não sofrem de modo tão severo estas carências (...) mas o normal é que a intensa felicidade se infiltre fugazmente ou com dificuldade no coração de um homem."

Vicente Verdú
El Pais, 16.11.01


Flexibilidade

"A flexibilidade é uma bela palavra. Mas vejam o que é que a flexibilidade pode envolver: ausência de protecção [dos trabalhadores] face aos despedimentos. Vocês pedem flexibilidade numa altura em que as grandes empresas registam prejuízos de grande magnitude, vocês querem transformar os trabalhadores em dependentes."

Gerhard Schroeder, Chanceler da Alemanha
Público, 29.11.01


Pão com manteiga

"Diz-se que em Portugal há sempre um obstáculo a separar o povo do pão com manteiga. Umas vezes diz-se que o pão ainda não cresceu. Noutras é a manteiga que está por fermentar. Outras vezes descobrem que melhores salários provocam a inflação. Num momento enaltecem o nosso desenvolvimento acelerado e a colagem ao pelotão da frente, logo a seguir pedem-nos uma prece pelo aumento da produtividade. Pela manhã são precisas novas leis, de tarde já é preciso reformá-las. Há sempre um bom motivo para ficarmos parados ou a deambular de um lado para o outro como fazem os carneiros no rebanho. Há sempre um motivo para ficarmos a pão seco. Sempre a promessa do futuro. Pão quente só no dia seguinte."

José Paulo Serralheiro
a Página on line, 04.12.01

  
Ficha do Artigo
Imprimir Abrir como PDF

Edição:

N.º 108
Ano 10, Dezembro 2001

Autoria:

Redacção

Redacção

Partilhar nas redes sociais:

|


Publicidade


Voltar ao Topo