Democracia
Uma democracia não está segura se o povo permitir o crescimento de um poder
privado até ao ponto em que se converta em mais potente que o próprio Estado
democrático. Em essência, isso é o fascismo.
Franklin D. Roosevelt
Um choque de culturas
O dramatismo que ontem (11.09) ofereciam os televisores convertia
as películas norte-americanas de ciência-ficção patrioteira, tipo «O Dia da
Independência» (essa ridícula adaptação de a Guerra dos Mundos, de H.G. Wells),
em patética fantasmagoria de papelão. Pois agora não se trata de nenhuma fantasia
tão pueril como heróica, mas sim de terror puro e duro, só que há escala planetária.
Agora os agressores não são alienígenas desalmados, mas apenas nossos semelhantes,
cidadãos ainda que adversários, que convivem connosco partilhando o mesmo planeta.
E agora não há heróis cinematográficos que nos possam salvar, nem a pompa majestática
da Casa Branca para nos levantar a moral recuperando a dignidade, mas apenas
um caos absurdo, digno da caneta de Shakespeare: um conto mediático narrado
por um idiota, cheio de ruído e de fúria, que carece por completo de significado.
Enrique Gil Calvo
El País, 12.09.01
Três lições para os Estados Unidos
O que há que dizer primeiro sobre os ataques de terça-feira
contra Nova Iorque e Washington é que demonstraram a vulnerabilidade dos Estados
Unidos, como a de qualquer sociedade moderna, face a um ataque decidido e preparado
inteligentemente. (...) A planificação [da defesa] sempre se baseou na suposição
dos planificadores de que o inimigo atacaria de uma forma simétrica às defesas
já implantadas ou que tinham previsto implantar. (...) O debate centrou-se por
completo em ataques de mísseis, de armas nucleares e de agentes químicos e biológicos.
(...) A lição: não são precisos métodos exóticos e alta tecnologia para produzir
resultados devastadores.
Uma segunda lição: as consequências políticas e psicológicas de um acontecimento
desta magnitude não se medem basicamente pela quantidade de vitimas, mas pela
surpresa e o dramatismo do ataque. Enquanto o ataque permaneça anónimo, o medo
e o pânico intensificam-se. [os atacantes] pretendem demonstrar que não existe
nenhuma defesa real contra um ataque anónimo que faça uso do funcionamento normal
de uma sociedade civil. (...)
A lição final e mais profunda destes acontecimentos e que será mais difícil
de aceitar por um governo [americano], e este em particular. A única defesa
verdadeira contra um ataque externo é um esforço sério, continuado e esforçado
por encontrar soluções políticas para os conflitos nacionais e ideológicos que
afectam os Estados Unidos.
William Pfaff
El Pais, 13.09.01
Armagedón
(...) «O Estado de bem estar» não é um erro que deve ser apagado
para agilizar a especulação bolsista e a maximização do lucro, mas sim um projecto
que deveria aspirar à sua vocação planetária para salvar o melhor de uma civilização
humanista. E fazê-lo, precisamente, não em nome da retórica Utopia, mas de um
verdadeiro realismo político. Porque não é realista supor que nada poderá viver
realmente seguro num mundo em que a codicia não tem fronteiras mas a justiça
encontra-as a cada passo. (...) as ONGs estão na moda e por isso devemos resignarmos
a que junto às humanitárias floresçam outras inumanas: o terrorismo patrocinado
por um milionário fanático é também o triunfo sinistro da sacrossanta iniciativa
privada, para a qual já ninguém se atreve a propor a alternativa credível de
algo defendido em comum.
Fernando Savater
El País, 13.09.01
Deus macaco
Pode olhar-se a história na perspectiva do comportamento animal.
(...)
No primeiro momento da hecatombe do Pentágono e das Torres Gémeas de Nova
Iorque o presidente Bush adoptou a atitude do macaco temeroso que ao sentir
um estranho calor debaixo do rabo foge para um canto da jaula e ali move os
olhos de um lado para o outro sem nada entender.(...) Bush estava a falar com
umas crianças quando alguém lhe soprou ao ouvido o terrível acontecimento de
Manhattan e (...) ficou tão nervoso que se estivesse na selva tinha subido ao
último ramo da primeira árvore. Como só era o presidente dos Estados Unidos
o seu instinto levou-o a esconder-se debaixo de uma grossa capa de betão. Recobrado
pouco a pouco do pânico, George Bush começou a ouvir os inumeráveis conselhos,
alguns contraditórios, que os macacos com mais experiência lhe davam alternadamente
pelos dois ouvidos de cada vez que ele voltava a cara daqui para lá e de lá
para cá sem fixar o olhar, mas de repente iniciou-se a sua transformação biológica
na presença de todo o mundo. Primeiro o macaco espavorido transformou-se num
babuíno irrequieto e este pouco depois foi substituindo os guinchos que lhe
saiam da boca pelos socos que o King Kong dava no peito com menos motivos. O
percurso da sua ira tinha seguido toda a escala animal até que o presidente
dos Estados Unidos soltou umas lágrimas e muitos acreditámos ver nele apenas
um homem compungido e um político decidido. Mas rapidamente saltou para lá da
condição de mamífero. Em menos de uma semana aquele macaquinho assustado converteu-se
num deus disposto a lançar sobre todo o planeta a sua justiça infinita, ainda
que completamente às cegas. E para celebrar este milagre vão cair bombas em
meio mundo à mistura com salmos de Jeremias. (...)
Manuel Vicent
El País; 23.09.01
Os outros
De facto, nestes dias de desconcerto e algidez penso muito
num povo que é um modelo de civismo. Refiro-me aos saharauis. São inquestionavelmente
muçulmanos , e além disso tolerantes, humanistas, progressistas. Expulsaram-nos
à bomba da sua terra e sobrevivem como refugiados à decadas em condições penosissimas;
mas, ao contrário do sector radical palestino, não recorreram ao terrorismo.
Ocorre-me que a comunidade internacional está moralmente obrigada a atender
às suas reivindicações; pois se só fazemos caso dos violentos e desdenhamos
as reivindicações civilizadas, onde irá parar a credibilidade do nosso sistema?
Hoje mais que nunca é necessário demonstrar que a via democrática é uma realidade,
não uma panaceia.
Rosa Montero
El País, 25.09.01
Democracia e cruzadas
(...) Nesta guerra (...) as palavras pesam como pedras (...)
Berlusconi falou de uma guerra entre civilizações e religiões. (...) o Ocidente
moderno e civilizado, chamado a conquistar, depois de o ter feito ao mundo comunista,
a outra parte, o islão atrasado e tirânico (...) mais ainda, convida a Europa
a reconstruir-se sobre a sua base cristã. (...) o discurso Berlusconiano assume
um tom fundamenalista e um espirito de cruzada, extremamente perigoso (...)
Paolo Garimberti
La Republica, Roma, 27.09.01
«Justiça infinita» contra a «guerra santa»
(...) o presidente George Bush quer ser o xerife justiceiro com um sonho maior
que todos os anteriores chamado «justiça infinita». Trata-se da globalização
da guerra e da vingança. À frente: em primeiro plano, o Sr. Osama Bin Laden,
considerado como encarnação do demónio junto com o povo palestino, os árabes
e islâmicos com toda a sua diversidade e, ao fundo, os negros e latinos, os
que temos a cor tolerável, se nos portarmos bem. Com a «justiça infinita» dos
fundamentalistas de direita norte-americana e do mundo e a «guerra santa» dos
islâmicos ortodoxos, estamos de regresso ao século XII (...) à época em que
em nome dos Deuses se degolava os que tinham crenças religiosas diferentes.
(...) Bush e os grandes meios de comunicação preparam-nos para uma guerra prolongada
contra todos os «males do mundo». Um ensaio já conhecido foi a guerra contra
o Irak iniciada em 1991. (...) Não é imaginável que os governos norte-americanos
entendam a vida sem inimigos de turno. Primeiro foram os índios ("El chérif
y los gringos buenos contra los índios malos"), depois os negros, latinos, japoneses,
coreanos, russos, chineses, guatemaltecos, cubanos, dominicanos, panamenhos,
granadinos, libios, sudaneses, pelestinos, iraquianos, libaneses, sérvios, afgãos
(...) Hoje, os «demónios» têm turbante (...) o senhor Bin Laden é um produto
da CIA (...) será capaz o sr. Bush de reconhecer o papel dos norte-americanos
no fomento do terrorismo mundial? (...)
Rodrigo Montoya
Perú, La República, 29.09.01
Palavras
Os EUA têm a arte de nos complicar a vida utilizando nomes
gandiloquentes - e um pouco ridículos - às operações conduzidas sob a sua égide.
Eis então Liberdade Duradoura, depois de Tempestade no Deserto e Missão Essencial.
Porque não O Império Contra-ataca? (...)
Le Monde
27.09.01
A triste ONU
"A ONU, cobre-se de glória como pode. Fica melhor quando está
calada. Mas mesmo assim mostra sempre a sua parcialidade e cobardia. Na guerra
do Iraque, ao lado do Kuwait; na guerra da palestina, ao lado de Israel; nas
adversidades «sahauris», ao lado de Marrocos. Sempre ao lado de quem tem dinheiro
e força. Até dos EUA que não pagam. Como querem que acreditem nela os mais desfavorecidos?
Como estranhar que provoque reacções incontroladas? O que interessa mais Ben
Laden ou o seu dinheiro? E onde estará senão na Suíça? A ONU cala-se: não é
de todos, só de alguns. Os bancos Suíços têm mais poder do que a África inteira.
Por exemplo."
António Gala
El Mundo, 29.09.01
A Globalização total
"(...) A acção internacional que discretamente está a ter lugar
teve já algumas importantes consequências que permitem registar que o mundo
possa voltar a caminhar para o verdadeiro multilateralismo, há tantas décadas
comprometido - quase logo após a criação da ONU, pela coexistência bipolar das
duas superpotências, e, nos anos e meses mais recentes, pelo unilateralismo
da única superpotência.(...)"
Maria de Lurdes Pintasilgo
Público, 01.10.01
Recolha, selecção e tradução: jps
Pedido dos textos completos para pagina@mail.telepac.pt
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