Página  >  Edições  >  N.º 105  >  Uma tarde na Biblioteca Municipal Almeida Garrett (Porto)

Uma tarde na Biblioteca Municipal Almeida Garrett (Porto)

Letras no jardim

Chega-se lá por entre árvores e o ruído do cascalho sob os pés. Quase sem se dar por ele, surge aos olhos um edifício enquadrado com a paisagem natural, revestido por uma paliçada em madeira que preenche a quase totalidade da fachada, deixando à vista apenas uma nesga de vidro a todo o comprimento. Não é habitual encontrar uma biblioteca que se esconde por entre plátanos e pássaros mesmo no meio da cidade. Mas ela existe, nos jardins do Palácio de Cristal, no Porto, e só está à espera de ser descoberta.

Quando entramos no átrio, somos quase instintivamente conduzidos para a galeria de exposições que surge inesperadamente à direita. O cartaz chama a atenção: "Post.Rotterdam, arquitectura e cidade após a tábula rasa", uma mostra sobre a forma como aquela cidade holandesa evoluiu ao longo dos últimos cinquenta anos, depois de ter sido praticamente devastada durante a II Guerra Mundial.
Expostas em forma de túnel, umas quantas dezenas de imagens mostram algumas das regras de utilização do espaço público naquele país. Fica-se a saber, por exemplo, que existe uma espécie de comissão de ética que avalia cada novo edifício que é construído ou que depois das 10 da noite nenhum avião pode aterrar nos aeroportos holandeses para não perturbar o descanso das pessoas. Povo curioso, o holandês: num espaço de terra equivalente ao alentejo vivem cerca de quinze milhões de habitantes e apesar disso tudo parece estar em harmonia.
Dois lanços de escada depois e deambula-se já pelos corredores da ampla biblioteca, onde a luz e a sensação de espaço aberto se juntam para nos convidar à leitura. Na secção de Leitura Geral e Periódicos, os livros e demais publicações (em suporte impresso ou multimedia) podem ser pegados, folheados e abandonados - em sítio próprio, claro - sem se recorrer ao serviço dos funcionários. Um sistema de livre acesso, organizado por áreas de interesse, às quais se juntam computadores que permitem uma pesquisa por autor e título do catálogo local avaliado em 46 mil obras.
De uma das estantes retiro um livro sobre o Porto de início e de fim de século, com fotografias daquelas que comparam o "antes" e o "depois". Penso para mim próprio que muitas das imagens mais recentes que ali aparecem terão de ser de novo fotografadas, tal é o grau de mudança que hoje em dia perpassa pela zona antiga da cidade. Daí a dois minutos um dos lugares junto à janela fica vago. É um cantinho confortável, com vista para a rua de Entrequintas, que fica nas traseiras, onde foi recuperada uma belissíma casa antiga. O lugar é magnífico e apetece lá permanecer pelo resto da tarde.
Nesta mesma área da biblioteca pode também ler-se jornais de diferentes proveniências e em várias línguas. Por causa dos estrangeiros que a visitam em número crescente, a direcção da bmag decidiu recentemente aumentar o número de títulos disponíveis. No mesmo balcão, a abrangência das revistas especializadas surpreende: fotografia, arquitectura, natureza, sociedade, viagens etc... Por toda a biblioteca a utilização dos computadores para aceder à internet é gratuita. As únicas condições impostas aos utilizadores são respeitar o limite de uma hora diária e possuir o cartão de leitor, que se pode requisitar a custo zero.

Miúdos preferem computadores

Os mais novos têm um espaço só para eles (com sensivelmente metade da área ocupada pela secção dos "graúdos "), equipado com livros, videos, computadores e jogos. Mesmo ao lado, existe uma sala mais pequena para actividades de expressão plástica e para a "hora do conto".
A funcionária técnica de serviço, Raquel Rocha, diz que gosta do trabalho, mas admite precisar de alguma dose de "paciência" e de "atenção" para poder atender às inúmeras solicitações e garantir que eles não entram em conflito. Isto, explica, porque ali os computadores são a principal atracção. "Os miúdos só pegam nos jogos manuais ou nas canetas e papel enquanto aguardam" por um dos dez terminais disponíveis. De resto, é vê-los agarrados ao computador: enquanto uma das crianças joga ao "Hugo" - o popular jogo interactivo da televisão -, outro consulta um jornal desportivo on-line e outras duas miúdas entretêm-se numa sala de "chat".
Uma das mães, que acompanha o filho mais novo, prefere ler um livro em conjunto com ele e ensina-o a dar os primeiros passos na leitura. Ana Gonçalves, assim se chama a senhora, acha o espaço agradável e garante que sempre que tiver oportunidade repetirá a experiência. "Deviam fazer mais espaços destes para os miúdos...", diz.
Decido fazer uma pausa e tomar um café. A cafetaria abriu há pouco tempo, já depois da inauguração da biblioteca. É um espaço agradável, principalmente no pátio interior, ao ar livre, que à primeira vista faz lembrar uma enorme piscina vazia tal é a cor do azul que reveste as paredes. Pelo meio das cadeiras e das mesas passeia-se uma pavoa com o seu passo esbelto e cauteloso, procurando a saída daquilo que a ela lhe parecerá talvez um labirinto. Deve ali ter "aterrado" por engano, mas ninguém a perturba nem parece incomodado com o facto. Eu também não. Com uma garrafa de água na mão, lanço-me novamente à descoberta.
No piso inferior pode escutar-se música e ver-se filmes. É a secção multimedia, com mais de 400 filmes e 4000 discos ao dispor do visitante. Aliado aos diversos estilos e linguagens musicais, com particular destaque para a música clássica e para a chamada "música do mundo", o utilizador tem ainda acesso a documentação impressa e multimedia sobre música. Os cinéfilos também podem aceder a livros e revistas da especialidade.

Número crescente de visitantes

O que surpreende na nova Biblioteca Municipal Almeida Garrett (BMAG) é o ambiente confortável e informal em que nos movemos. Ali praticamente não há paredes, antes espaços que se dividem subtilmente, e o acesso às publicações e equipamento é fácil e rápido. Desde que inaugurou, em Abril deste ano, o número de visitantes tem vindo a crescer e já atinge uma média diária de 700 utentes. Foi projectada pelo arquitecto José Manuel Soares e integra a Rede nacional de Bibliotecas Públicas, para o qual recebeu apoio técnico e financeiro do Instituto Português do Livro e das Bibliotecas e de uma grande empresa cervejeira, que em contrapartida exigiu que uma das áreas funcionais tivesse o seu nome.
A responsável pela BMAG, Maria João Sampaio, diz que não vê com maus olhos a participação de mecenas no financiamento de equipamentos culturais, desde que estes possam funcionar independentemente do patrocínio. "Mas é importante que haja estes contributos, porque os custos da construção e manutenção deste tipo de equipamentos são elevados", explica.
Para tudo estar completamente operacional só falta entrar em serviço o empréstimo domiciliário, que permitirá a cada leitor requisitar até dois livros por um período de quinze dias e um documento multimedia (cd audio, cd rom ou video) por três dias, renováveis caso não haja nenhum utilizador em lista de espera. Isto, explica ainda aquela responsável, porque o programa informático que irá gerir o sistema só estará disponível em Outubro. Através dele, bastará aos leitores passarem um cartão magnético que registará as datas de entrada e de saída e levar o que quiser para casa. Ou para o jardim, que fica ali mesmo ao lado.

Ricardo Jorge Costa

  
Ficha do Artigo
Imprimir Abrir como PDF

Edição:

N.º 105
Ano 10, Agosto/Setembro 2001

Autoria:

Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação
Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação

Partilhar nas redes sociais:

|


Publicidade


Voltar ao Topo