Letras no jardim
Chega-se lá por entre árvores e o ruído do cascalho sob os
pés. Quase sem se dar por ele, surge aos olhos um edifício enquadrado com a
paisagem natural, revestido por uma paliçada em madeira que preenche a quase
totalidade da fachada, deixando à vista apenas uma nesga de vidro a todo o comprimento.
Não é habitual encontrar uma biblioteca que se esconde por entre plátanos e
pássaros mesmo no meio da cidade. Mas ela existe, nos jardins do Palácio de
Cristal, no Porto, e só está à espera de ser descoberta.
Quando entramos no átrio, somos quase instintivamente conduzidos
para a galeria de exposições que surge inesperadamente à direita. O cartaz chama
a atenção: "Post.Rotterdam, arquitectura e cidade após a tábula rasa", uma mostra
sobre a forma como aquela cidade holandesa evoluiu ao longo dos últimos cinquenta
anos, depois de ter sido praticamente devastada durante a II Guerra Mundial.
Expostas em forma de túnel, umas quantas dezenas de imagens mostram algumas
das regras de utilização do espaço público naquele país. Fica-se a saber, por
exemplo, que existe uma espécie de comissão de ética que avalia cada novo edifício
que é construído ou que depois das 10 da noite nenhum avião pode aterrar nos
aeroportos holandeses para não perturbar o descanso das pessoas. Povo curioso,
o holandês: num espaço de terra equivalente ao alentejo vivem cerca de quinze
milhões de habitantes e apesar disso tudo parece estar em harmonia.
Dois lanços de escada depois e deambula-se já pelos corredores da ampla biblioteca,
onde a luz e a sensação de espaço aberto se juntam para nos convidar à leitura.
Na secção de Leitura Geral e Periódicos, os livros e demais publicações (em
suporte impresso ou multimedia) podem ser pegados, folheados e abandonados -
em sítio próprio, claro - sem se recorrer ao serviço dos funcionários. Um sistema
de livre acesso, organizado por áreas de interesse, às quais se juntam computadores
que permitem uma pesquisa por autor e título do catálogo local avaliado em 46
mil obras.
De uma das estantes retiro um livro sobre o Porto de início e de fim de século,
com fotografias daquelas que comparam o "antes" e o "depois". Penso para mim
próprio que muitas das imagens mais recentes que ali aparecem terão de ser de
novo fotografadas, tal é o grau de mudança que hoje em dia perpassa pela zona
antiga da cidade. Daí a dois minutos um dos lugares junto à janela fica vago.
É um cantinho confortável, com vista para a rua de Entrequintas, que fica nas
traseiras, onde foi recuperada uma belissíma casa antiga. O lugar é magnífico
e apetece lá permanecer pelo resto da tarde.
Nesta mesma área da biblioteca pode também ler-se jornais de diferentes proveniências
e em várias línguas. Por causa dos estrangeiros que a visitam em número crescente,
a direcção da bmag decidiu recentemente aumentar o número de títulos disponíveis.
No mesmo balcão, a abrangência das revistas especializadas surpreende: fotografia,
arquitectura, natureza, sociedade, viagens etc... Por toda a biblioteca a utilização
dos computadores para aceder à internet é gratuita. As únicas condições impostas
aos utilizadores são respeitar o limite de uma hora diária e possuir o cartão
de leitor, que se pode requisitar a custo zero.
Miúdos preferem computadores
Os mais novos têm um espaço só para eles (com sensivelmente
metade da área ocupada pela secção dos "graúdos "), equipado com livros, videos,
computadores e jogos. Mesmo ao lado, existe uma sala mais pequena para actividades
de expressão plástica e para a "hora do conto".
A funcionária técnica de serviço, Raquel Rocha, diz que gosta do trabalho, mas
admite precisar de alguma dose de "paciência" e de "atenção" para poder atender
às inúmeras solicitações e garantir que eles não entram em conflito. Isto, explica,
porque ali os computadores são a principal atracção. "Os miúdos só pegam nos
jogos manuais ou nas canetas e papel enquanto aguardam" por um dos dez terminais
disponíveis. De resto, é vê-los agarrados ao computador: enquanto uma das crianças
joga ao "Hugo" - o popular jogo interactivo da televisão -, outro consulta um
jornal desportivo on-line e outras duas miúdas entretêm-se numa sala de "chat".
Uma das mães, que acompanha o filho mais novo, prefere ler um livro em conjunto
com ele e ensina-o a dar os primeiros passos na leitura. Ana Gonçalves, assim
se chama a senhora, acha o espaço agradável e garante que sempre que tiver oportunidade
repetirá a experiência. "Deviam fazer mais espaços destes para os miúdos...",
diz.
Decido fazer uma pausa e tomar um café. A cafetaria abriu há pouco tempo, já
depois da inauguração da biblioteca. É um espaço agradável, principalmente no
pátio interior, ao ar livre, que à primeira vista faz lembrar uma enorme piscina
vazia tal é a cor do azul que reveste as paredes. Pelo meio das cadeiras e das
mesas passeia-se uma pavoa com o seu passo esbelto e cauteloso, procurando a
saída daquilo que a ela lhe parecerá talvez um labirinto. Deve ali ter "aterrado"
por engano, mas ninguém a perturba nem parece incomodado com o facto. Eu também
não. Com uma garrafa de água na mão, lanço-me novamente à descoberta.
No piso inferior pode escutar-se música e ver-se filmes. É a secção multimedia,
com mais de 400 filmes e 4000 discos ao dispor do visitante. Aliado aos diversos
estilos e linguagens musicais, com particular destaque para a música clássica
e para a chamada "música do mundo", o utilizador tem ainda acesso a documentação
impressa e multimedia sobre música. Os cinéfilos também podem aceder a livros
e revistas da especialidade.
Número crescente de visitantes
O que surpreende na nova Biblioteca Municipal Almeida Garrett
(BMAG) é o ambiente confortável e informal em que nos movemos. Ali praticamente
não há paredes, antes espaços que se dividem subtilmente, e o acesso às publicações
e equipamento é fácil e rápido. Desde que inaugurou, em Abril deste ano, o número
de visitantes tem vindo a crescer e já atinge uma média diária de 700 utentes.
Foi projectada pelo arquitecto José Manuel Soares e integra a Rede nacional
de Bibliotecas Públicas, para o qual recebeu apoio técnico e financeiro do Instituto
Português do Livro e das Bibliotecas e de uma grande empresa cervejeira, que
em contrapartida exigiu que uma das áreas funcionais tivesse o seu nome.
A responsável pela BMAG, Maria João Sampaio, diz que não vê com maus olhos a
participação de mecenas no financiamento de equipamentos culturais, desde que
estes possam funcionar independentemente do patrocínio. "Mas é importante que
haja estes contributos, porque os custos da construção e manutenção deste tipo
de equipamentos são elevados", explica.
Para tudo estar completamente operacional só falta entrar em serviço o empréstimo
domiciliário, que permitirá a cada leitor requisitar até dois livros por um
período de quinze dias e um documento multimedia (cd audio, cd rom ou video)
por três dias, renováveis caso não haja nenhum utilizador em lista de espera.
Isto, explica ainda aquela responsável, porque o programa informático que irá
gerir o sistema só estará disponível em Outubro. Através dele, bastará aos leitores
passarem um cartão magnético que registará as datas de entrada e de saída e
levar o que quiser para casa. Ou para o jardim, que fica ali mesmo ao lado.
Ricardo Jorge Costa
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