Em plena campanha eleitoral, o braço direito do primeiro-ministro inglês
deu um murro num manifestante e envolveu-se numa luta com ele. O murro, dizem
os especialistas em boxe, foi tecnicamente bem aplicado. O que se seguiu, visto
pela televisão, também foi de evidente eficácia. Na origem
de tudo isto está um simples ovo. Um manifestante, que protestava por
causa das posições que o Governo tem assumido contra a prática
da caça, atirou um ovo ao político. Coisas semelhantes já
aconteceram noutras situações e noutros países. Mas ninguém
esperava que um respeitado político inglês visse aqui uma excelente
oportunidade para mostrar os seus dotes de "boxeur".
John Prescott, o "boxeur" do Governo inglês, não é
exactamente um político de menor importância. Ocupa o cargo de
"deputy prime minister" e está sempre na frente do combate
político. Talvez por isso esteja habituado a ir à luta. Naquele
dia, trocaram-lhe as voltas. A sua presença no Norte do País de
Gales não seguiu exactamente o que estava previsto no protocolo. Prescott
acabou por passar por um caminho pouco protegido pelas forças policiais.
E ele, que até gosta do contacto com o público, nem se preocupou
muito. Lá foi, com uma assistente à frente e outra atrás.
Craig Evans, o homem da caça, agricultor de profissão e suposto
especialista em atirar ovos, tornou-se notícia. Atirou um ovo à
pessoa errada e passou horas em interrogatório numa esquadra da polícia,
enquanto o seu agressor continuou na sua campanha, como se nada tivesse acontecido.
Limitou-se a dar umas explicações sem muito sentido. Apesar de
todas as críticas aos órgãos de comunicação
social, foi através deles que Prescott fez a sua defesa. Quanto à
polícia, não consta que o tenha interrogado.
Se calhar, Evans atirou o ovo à pessoa certa. Primeiro, porque a campanha
eleitoral teve neste episódio um momento único para gerar discussões
no âmbito do humor e da sátira política. O que se disse
a propósito do murro certamente descomprimiu as aborrecidíssimas
discussões sobre o Euro. Os cartoons que se seguiram na imprensa eram
hilariantes. Segundo, porque fez com que os políticos fossem desmascarados
mais um pequeno bocadinho. Passo a explicar. Todos os partidos políticos
ingleses, com maior ou menor insistência, têm vindo a criticar a
violência, sobretudo entre os jovens. Nada melhor, então, do que
mostrar um prestigiado senhor político ao murro a um manifestante...
Está certo que atirar ovos não é coisa bonita. Mas um
político não pode reagir ao murro. Nem sequer se vier argumentar
que não fez mais do que defender-se. Defender-se de um ovo que já
estava esborrachado no chão? Sim, porque Prescott não estava ao
alcance do manifestante, portanto o político não corria riscos
de integridade física. Mas ele achou que sim. E achou que as suas duas
assistentes também corriam perigo e, como macho que é, toca de
mostrar que é valente. As imagens da televisão não mostram
assistentes em risco nem em pânico. Uma assusta-se com a confusão,
mas nada mais. Mesmo assim, Prescott não se ficou pelo murro com que
reagiu impulsivamente ao ovo. Continuou o combate. Certamente porque gosta do
contacto com o povo.
E o que disse o povo de tudo isto? Em cada 100 eleitores, 60 estava a favor
de Prescott. Sim, porque um homem tem que defender-se. Nem que seja de um ovo...
E o que disse o primeiro-ministro, Tony Blair? Num tom divertido, limitou-se
a dizer que "o John é o John". Que é como quem diz:
ele é assim, gosta de boxe, dá uns murros, mas é um excelente
membro do Governo. Portanto, nada de grave.
Uns dias depois da cena do murro, "o John" veio a público
dizer que suspeita que os media estiveram por trás daquilo tudo. Insinua
até que a Sky News, o canal de televisão que tinha as imagens,
terá estimulado os manifestantes ao confronto com a comitiva. Já
só faltava esta. Afinal, a culpa é dos jornalistas! E pronto,
aconteceu aquilo que não devia. Os media passaram a ser notícia.
Os políticos e os jornalistas roubaram tempo de antena previsto para
o Euro e passaram a discutir estas coisas. Nos intervalos lá se ia discutindo
os aumentos dos impostos e pouco mais. Saúde e educação
ficaram para uma próxima oportunidade.
PS ? No momento em que escrevo ainda não se chegou ao dia do voto. Mas
não será difícil de prever que o partido do "boxeur"
tenha voltado a ganhar, até porque a oposição não
tem combatentes à altura...
Hália Costa Santos
Universidade de Leicester /UK
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