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Revisão curricular do Secundário - urgência ou adiamento?

Alguém escreveu que " a escola portuguesa é hoje, mais do que nunca, uma escola frustrada. Porquê? Porque não é um lugar de educação. É apenas um lugar de ensino."

O ensino secundário foi sofrendo progressivamente com as contradições por que passa a sociedade portuguesa nos últimos anos. Estudos vários mostram que a população estudantil deste sector de ensino tem vindo a aumentar de forma acentuada, "feminilizando-se" (isto é, a maioria dos estudantes são raparigas e não rapazes como há uns anos), a taxa de insucesso e de abandono escolar no 10º ano é reveladora do "salto" qualitativo após a escolaridade obrigatória, a excessiva valorização da nota final para acesso ao ensino superior, a insistência na "norma" licealizante que vem decorrendo desde o crescimento da escolaridade no ensino secundário, após 1974, e a que não é alheio o carácter das provas globais e exames, transformando o ensino num pendor demasiado académico e pouco experimental .

De facto, contra aquilo que a opinião pública muitas vezes invoca, este subsistema mudou, mudou muito. E não adianta invocar os tempos passados, tomados como referência ideal de qualidade pois estes já não explicam o sentido da Escola. O perfil do aluno do ensino secundário para que se dirigem muitas as orientações programáticas e as planificações curriculares mudou e... diversificou-se! Ou seja, já não é possível orientarmo-nos por um modelo único, igualitário de formação, convencidos do princípio democrático de promoção social de todos a uma formação de qualidade. Como também não é possível exercer a profissão de professor para um perfil monolítico de aluno. Além disso, a igualdade de acesso já não garante o fim das desigualdades sociais, nem altera a função da escola como reprodutora e conservadora dessas desigualdades sociais, visto que o "ponto de partida" dos alunos não é o mesmo. O esforço em unificar a formação, evitando a separação entre cursos gerais e tecnológicos, reforça o carácter "liceal" (académico e intelectualista) do ensino secundário, contribuindo contraditoriamente para aumentar essas desigualdades, isto é contra um preconceito bem conhecido, cria-se um novo com o mesmo efeito.

Será esta revisão curricular uma reforma subtil? Não tenho dúvidas que o será quanto mais não seja na organização escolar: dos seus tempos, da distribuição de serviço lectivo e não lectivo, da planificação e gestão curricular. A não ser assim, não haverá qualquer sentido para o que se encontra no espírito do documento distribuído sobre a Revisão Curricular no Ensino Secundário, publicado pelo DES, nem no decreto-lei nº7/2000, entretanto publicado.

Vejamos alguns exemplos:

  • a redução da carga horária semanal dos alunos (máximo 30 horas) para que possam desenvolver um trabalho mais autónomo,
  • o propósito de reforçar a identidade do ensino secundário, como ciclo terminal, ao garantir um nível de qualificação profissional de nível 3, independentemente da frequência de cursos tecnológicos ou gerais , ou de outros subsistemas,
  • o reforço de uma cultura avaliativa , igualmente presente nas diversificação das modalidades - diagnóstica, formativa, sumativa, aferida e de projecto,
  • a distinção entre cursos tecnológicos (17) e cursos gerais (7), visando mais a resposta às motivações dos alunos e às necessidades sociais de qualificação para o trabalho,
  • a criação da área de projecto ou de Projecto tecnológico visa alargar a formação para domínios transdisciplinares e de formação pessoal, com um enquadramento legal mais consistente do que a actual área-escola que tem 110 horas anuais para distribuir pelas várias disciplinas, mas cujo envolvimento se perde no voluntarismo de alguns e no esquecimento de muitos,
  • a importância dada ao 10º ano no diagnóstico das situações que poderá permitir dar uma maior "autenticidade" ao processo ensino-aprendizagem e uma maior diversidade avaliativa.
  • redução das provas globais a efectuar, bem como o número de exames de 12º a realizar.
  • a revisão do ensino secundário, em particular, poderá constituir uma "reforma" de atitudes para os profissionais da educação, quer no reforço da participação de outros membros da comunidade educativa, quer na exigência de novas metodologias de trabalho, pessoais ou solidárias.

Perante os desafios que se avolumam, com as indefinições e o mal-estar que grassam no ensino secundário (embora não seja exclusivo deste subsistema), as pressões sociais, a planificação curricular "finalista" (determinada por exames finais), a concorrência desleal do ensino particular, obrigam-nos a rever a estrutura curricular e organizativa do ensino secundário, o mais urgentemente possível, sob pena de adiarmos o inadiável, criando um vazio operante.

A questão é de saber como conquistar os parceiros para a mudança, sem desvirtuar os seus princípios e finalidades e, garantir a concordância de todos os elementos envolvidos. A estratégia política, que começou por auscultar os parceiros educativos desde 1997, não pode esquecer que "só se ensina se houver quem queira aprender". Cabe aos vários decisores (e encontram-se a vários níveis) garantir que o processo seja autêntico e "tenha pernas para andar", caso contrário, perder-se-á numa retórica eloquente, elaborada por especialistas, a quem será fácil acusar de "adolescentes ideológicos" 5.

Fernando Santos
Escola Secundária de Valongo
  1. In "http://www.jn.pt/textos/out4119.asp"
  2. A propósito valerá a pena ler a evolução do conceito de professor monocultural para o professor intermulticultural no livro Cortesão, Luiza (2000) Ser Professor: um ofício em risco de extinção? ,Ed. Afrontamento, Porto, págs. 35-50
  3. Penso que este propósito visa corrigir inércias de modalidades de avaliação dominantes que o diploma, ainda em vigor, não conseguiu garantir.
  4. As regras de funcionamento e os deveres dos estabelecimentos de ensino particular e cooperativo e, as do ensino público são diferentes, mas as certificações são idênticas.
  5. Cf. Maria Filomena Mónica, «Os filhos dos pobres e os filhos dos ricos na escola democrática», Jornal «Público» de 16 de Março de 2001

  
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Edição:

N.º 103
Ano 10, Junho 2001

Autoria:

Fernando Santos
Escola Secundária de Valongo
Fernando Santos
Escola Secundária de Valongo

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