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I Colóquio Mundial sobre Violência na Escola -

O primeiro-ministro francês, Lionel Jospin - que já ocupou a pasta da educação no governo de Mitterrand - afirmou que a violência na escola não deve ser entendida como uma "fatalidade", e sim como um "problema político" que deve ser "resolvido em equipa". A declaração foi efectuada na sessão de encerramento do I colóquio internacional sobre Violência na Escola e Políticas Públicas, realizado em Paris no passado mês de Março, sob a égide da Unesco, e demonstra bem como só o empenhamento dos governantes pode pôr fim a um problema que atinge, em maior ou menor grau, todos os países do mundo.

Os investigadores presentes no encontro, aliás, recusaram-se a fazer um "top ten" internacional da insegurança na escola e reconhecem que esta é uma questão que "não é exclusiva de ricos ou de pobres" e que "diz respeito a todos", como referiu o sociólogo brasileiro Luís Gonçalves, professor da Universidade de Belo Horizonte. Por seu lado, o ministro francês da Educação Nacional, Jack Lang, salientou a necessidade de a escola prevenir "desde muito cedo" fenómenos de violência e garantir a "heterogeneidade social" para lutar contra o que designou por "apartheid social".

Contrariando em certo medida o discurso do professor brasileiro, e longe do discurso sobre a igualdade republicana da escola em matéria de educação, Eric Debarbieux, sociólogo francês, investigador desta temática e um dos organizadores do encontro, sublinhou ser "evidente a existência de uma sociologia da violência claramente relacionada com o fenómeno da exclusão", reforçando a ideia comum de que os estabelecimentos de ensino situados em meios desfavorecidos "são mais violentos do que aqueles que se encontram em bairros ricos".

Ainda assim, salvaguardou, há exemplos que demonstram como este paradigma pode ser contrariado, podendo mesmo encontrar-se iniciativas locais "bastante interessantes". É o caso dos problemáticos bairros do Bronx e do Harlem, em Nova Iorque, onde muitas escolas trabalham directamente com os encarregados de educação, que ali são, na sua esmagadora maioria, mães afro-americanas, solteiras e economicamente desfavorecidas. Um contexto social que, apesar de reunir todos os factores sociológicos e psicológicos para o insucesso escolar, não impede que os alunos possam aprender num meio harmonioso e progredir nas aprendizagens, graças ao facto de os pais - ou as mães, neste caso - trabalharem lado a lado com os professores. "Os grandes planos nacionais contra a violência não servem para nada se não forem acompanhados de iniciativas locais", concluiu Debarbieux.

Outro dos exemplos de iniciativas locais que têm contribuido para o desanuviamento do clima de violência escolar é protagonizado pelo Brasil, onde este fenómeno está muitas vezes ligado ao crime organizado. Nas grandes cidades deste país trabalha-se directamente com as crianças em risco, proporcionando-lhes actividades artísticas através das quais se procura devolver-lhes o sentimento de auto-estima e mostrar-lhes que "há algo mais do que a violência no quotidiano", como explicou Luís Goncalves.

Uma "sociedade desumanizada"

No país anfitrião do colóquio, a França, os incidentes violentos nas escolas são cada vez mais frequentes e existe uma "corrida" aos equipamentos de segurança: cadeados, fechaduras reforçadas, câmaras de video ou cartões de controlo são apenas alguns dos exemplos que têm aberto a porta às empresas que comercializam estes apetrechos. Nas salas onde é guardado o material multimedia - mais frequente depois da introdução da internet nas escolas - as portas são por vezes blindadas, apesar de poderem mais de cem contos.

"A intrusão tornou-se um verdadeiro problema nas escolas", admite Jean-Louis Auduc, director-adjunto do Instituto Universitário de Formação de Professores de Créteil. No sudoeste de França, refere, certas escolas estão mesmo a experimentar um cartão magnético que, além de identificar o aluno, controla automaticamente as suas autorizações de entrada e de saída.

No Conselho Regional da Ile-de-France - região correspondente, grosso modo, à área metropolitana de Paris - que congrega 470 escolas, foi aberta, em 1998, uma linha de crédito no valor de 1,5 milhões de contos para a aquisição de equipamentos de segurança. "As escolas pedem-me de tudo: vidros à prova de bala, detectores de presença, seguranças nos parques de estacionamento, portas automáticas, câmaras de vigilância, etc...", refere Pierre Maurel, director de assuntos escolares daquela região.

A tele-vigilância e a vigilância-video são negócios que vão de vento em popa. No colégio Joliot-Curie de Bagneux, em Hauts-de Seine, onde os professores estiveram dez dias em greve porque estavam "fartos de fazer de polícias", os pais não viram com maus olhos a instalação de uma câmara de vigilância "pelo seu efeito dissuasor", refere Roger Delouhang, membro da associação de pais e encarregados de educação.

Neste domínio, a arquitectura dos espaços pode ter uma influência importante no comportamento dos alunos, como explica o arquitecto parisiense Pierre Lombard, que já planeou mais de trinta escolas e colégios. "A entrada de luz no edifício, por exemplo, que deve acompanhar, logo pela manhã, a entrada dos alunos, pode ser um factor de diminuição da angústia".

Ainda assim, a França está longe da situação vivida nos países anglo-saxónicos, nomeadamente dos Estados Unidos, onde entre 2 a 3 por cento dos estabelecimentos de ensino estão equipados com pórticos detectores de metais.

A multiplicação de incidentes violentos registados nas escolas dos Estados Unidos nos últimos tempos preocupa cada vez mais os americanos. Durante o ano lectivo de 1999-2000, nove jovens perderam a vida em tiroteios ocorridos no interior de estabelecimentos de ensino. No ano anterior - célebre pelo drama de Littleton, onde doze alunos e um professor perderam a vida, 23 alunos morreram nas mesmas circunstâncias e 35 durante o ano de 1997-1998. O "record" pertence ao ano de 1992-1993 com 43 mortes.

O último tiroteio ocorrido em Santee, na Califórnia, que deixou dois mortos e 13 feridos num liceu, causou mais uma onda de choque. O aparecimento nas telas de televisão de todo o país do autor deste tiroteio, um adolescente de 15 anos de rosto angelical, reforçou a sensação de perplexidade da população sobre as motivações de um estudante-assassino. "Não há realmente uma resposta", comentou o promotor de justiça Paul Pfingst, pouco depois da detenção do adolescente.

A vontade de mudar um clima propício à violência é de tal ordem que proporciona medidas extremas. Um jovem aluno, por exemplo, foi recentemente expulso durante vários dias da escola, em New Jersey, por ter ameaçado um colega simulando uma pistola com a mão.

Porém, esta política de "tolerância zero" aplicada na maioria das escolas americanas não é unânime. A Associação Americana de Advogados, que agrupa cerca de 400 mil associados, apelou, num relatório publicado em Fevereiro deste ano, a que se ponha termo a esta politica, considerada "injusta e desadaptada para muitas crianças"

Para o professor Emilio Vianno, especialista no campo da violência, nomeadamente no meio escolar, os "Estados Unidos procuram sempre como que uma solução milagrosa para resolver este problema". Mas, adianta, "não a encontrará na tecnologia, instalando melhores dispositivos de segurança nas escolas ou aumentando a guarda policial". Na opinião dele, será necessário "lançar um debate profundo sobre a desumanização da sociedade americana, a fim de mudar as mentalidades e o ambiente nos colégios, com frequência gigantescos e impessoais". "Porquê que os jovens se sentem excluídos e se vingam matando: essa é a verdadeira pergunta que deve ser posta", conclui Vianno.

Apostar na formação

Uma das principais conclusões do encontro de Paris quanto aos possíveis meios de prevenção da violência escolar remete, de acordo com os investigadores presentes, para as práticas pedagógicas usadas na formação dos professores. Depois da América do Norte, é a vez de muitos países europeus, entre os quais a Espanha, a Grã-Bretanha e os países escandinavos, insistirem na necessidade de implementar técnicas de prevenção da violência escolar, associando professores, pais e a comunidade, tais como as associações de âmbito local, a polícia e a justiça.

"Os professores e o pessoal auxiliar estão no centro dos conflitos e desempenham um papel essencial neste domínio. Eles próprios são vítimas dessa violência e devem aprender a lidar com ela, ao invés de baixar os braços", refere Linne Massé, professora de psico-educação na Universidade do Quebec, no Canadá. Beneficiando do pragmatismo desenvolvido pelos países anglo-saxónicos, os professores do Quebec recebem desde há dez anos formação na área dos problemas comportamentais na adolescência e na gestão de conflitos na sala de aula.

Regra geral, "o peso da cultura disciplinar na formação de professores é diminuta", lamenta Daniel Favre, professor de ciências da educação na Universidade de Montpellier. Os jovens professores, diz, "podem ter boa formação na área que vão leccionar mas desconhecem a realidade de gestão de uma sala de aula, as relações com os pais, a psicologia de uma criança ou jovem violento, etc... A gestão de conflitos na sala de aula, exemplifica, "é um módulo de formação opcional".

"O que leva mais tempo, e que poderá ser considerada como uma verdadeira revolução, é a necessidade de os professores trabalharem de um modo mais cooperativo, em conjunto com os alunos, e não de uma maneira escolástica, tradicional", sublinha Marie-France Adenier, responsável por uma equipa de prevenção de condutas de risco na cidade de Amiens. Na opinião dela, a formação não é a única área onde se deve incidir. "Não se deve esperar transformações de curto prazo já que se tem de trabalhar vários factores simultaneamente", refere Adenier. "Nomeadamente a sensibilização das próprias crianças face à violência e às suas consequências nefastas".

Um estudo conduzido em Itália, apresentado durante o encontro por Anna Costanza Baldry, da Universidade de Roma, mostra que as acções de sensibilização contra a violência entre jovens conseguiram fazer decrescer o número de crianças que se dizem maltratadas, mas teve poucos efeitos sobre as crianças violentas. Também para as crianças, "a aprendizagem da cooperação, da negociação, da afirmação e da tomada de consciência das suas próprias necessidades é ainda um longo caminho", sublinha Janine Blomart, da Universidade Livre de Bruxelas.

Em Portugal o problema da violência escolar está longe de atingir as proporções vividas noutros países. O país só agora começa a tomar consciência de uma realidade há muito sentida noutras latitudes, mas não parece saber dar uma resposta concreta. Será a instalação de câmaras de vigilância ou o reforço da segurança policial à porta das escolas a resposta mais adequada? Alguns responderão que sim, que quanto mais não seja estas medidas terão um "efeito dissuasor". Mas estará desta forma a tocar-se no cerne da questão e a resolver-se os problemas que estão na sua origem? A resolução dos conflitos no interior da escola não passará por uma nova forma de relacionamento entre os diversos intervenientes da comunidade escolar? A este propósito, valerá a pena transcrever um excerto da obra "A violência nas Escolas", da autoria de Maria Emília Costa e Dulce Vale, que consegue "tocar na ferida" e ser uma excelente introdução para o debate que A Página pretende iniciar com este Em Foco:

"Evidente é a existência de uma insatisfação comum a todas as partes, qual família em que todos procuram o mesmo, perseguem o mesmo objectivo, mas sem se aperceber disso e sem conseguir gerir e respeitar as diferenças individuais de cada um na prossecusão de uma identidade de grupo. Muitas vezes a solução passa por uma maior eficácia de comunicação; será isso? Os professores queixam-se de que os alunos não têm "respeito" ou "maneiras" e são "arrogantes" no diálogo; os alunos queixam-se de que os professores e pessoal auxiliar não os ouvem, não os entendem e não os respeitam. Algo está errado, todos parecem ser igualmente vítimas, mas a solução não poderá ser a de apelidar de violência tudo e todos".

Ricardo Jorge Costa com AFP


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 101
Ano 10, Abril 2001

Autoria:

Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação
AFP
Agence France-Presse
Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação
AFP
Agence France-Presse

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