Poucos temas merecem, hoje, tanta atenção da opinião pública
como o da indisciplina e violência na Escola. São disso exemplo
o largo destaque que a imprensa falada e escrita lhe confere, as medidas administrativas
e pedagógicas que são tomadas pelo Ministério da Educação
e pelas escolas, a frequência com que ocorrem os chamados conselhos disciplinares,
a policialização da escola, os protocolos especiais de segurança
celebrados entre os Ministérios da Educação e da Administração
Interna, o reforço das estruturas físicas de protecção
em torno da escola e, noutro plano, a organização de encontros,
seminários, conferencias, acções de formação
e iniciativas congéneres que se vão realizando, um pouco por todo
o lado, tendo o tema como referência.
Esta aguda sensibilidade às questões da violência
e da indisciplina na escola de que dá mostras a opinião pública
e que tende a exprimir-se na hiperbolização da segurança
e na diabolização da tolerância, constitui um fenómeno
social que é, em si mesmo, indissociável da própria emergência
da violência e da indisciplina. De facto, contrariamente ao que se possa
pensar, essa sensibilidade às questões da violência e indisciplina
facilmente passa da condição de efeito reactivo às situações
e casos concretos de indisciplina e violência para passar a fazer parte
do próprio processo gerador e amplificador dessas situações.
É nestes termos que a questão da indisciplina
e da violência na escola não pode ser analisada à luz de
uma leitura que a interprete como a expressão de comportamentos individuais
desviantes ou de desenvolvimento de tendências anti-sociais inscritas
no "material genético" dos indivíduos, como ultimamente
certas correntes têm vindo a insinuar, se não mesmo a afirmar,
mas como um fenómeno social complexo onde os "bons" e os "maus"
fazem intercondicionar os seus comportamentos, não segundo uma relação
de causalidade linear, mas segundo uma causalidade complexa cujo desenvolvimento,
nas suas relações micro-sistémicas, é, frequentemente,
imprevisível. Os "bons" que, por norma, se definem pelo alinhamento
com a opinião pública dominante, ao mesmo tempo que também
a vão definindo e produzindo, não são assim figuras alheias
à produção do próprio fenómeno, como se funcionassem
perante ele segundo o estatuto de testemunhas ou observadores.
Em questões tais como as que estão aqui em análise,
não se é mero observador, seja porque é da natureza dessas
questões instaurar uma relação necessária de conflito
e/ou desafio, seja porque, face a elas, ninguém está de fora duma
certa cultura, duma determinada forma de vida, dum dado estatuto (de pai, de
professor, de autoridade académica ou administrativa). Isso significa
que nas questões da indisciplina e da violência (na escola, como
fora dela) não se está a observar comportamentos como se fossem
factos em si, mas a formular, simultaneamente, juízos de valor de maior
ou menor auto-implicação conforme o grau de exposição
percebida a esses comportamentos, isto é, conforme o grau de risco que
esses comportamentos representam.
É por efeito destes juízos de valor que os próprios
factos ou comportamentos "observados' se convertem em "outros" factos,
eventualmente diferentes, formal e moralmente, dos que foram praticados pelos
seus autores. E são estes "outros factos", diferentes daqueles que
supostamente pensamos referir, quando falamos em indisciplina e violência,
que constituem um verdadeiro problema social pelos reflexos que assumem na nossa
vida quotidiana.
Esta é assim uma questão que vale a pena reflectir.
Por isso, continuaremos.
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