Em reunião de 28 de Maio, o Conselho de Ministros atribuiu a categoria de monumento nacional ao conjunto de sítios arqueológicos do Vale do Côa, onde as expectativas se centram agora na consagração como "Património da Humanidade". A decisão governamental representa o culminar de um processo que, em Novembro de 1994, motivou uma acesa discussão sobre cultura (preservação de arte rupestre) e desenvolvimento (construção de barragem). A dúvida sobre a decisão permaneceu em aberto até ao final de 1995, quando o recém-empossado governo de António Guterres anunciou a intenção de suspender o empreendimento hidroeléctrico. Dúvidas surgiram, também, quanto à datação das gravuras. Os arqueólogos portugueses asseguravam tratar-se de manifestações do Paleolítico Superior (20 a 25 mil anos atrás) e afirmavam estar-se perante um dos mais fabulosos achados arqueológicos do mundo. A discussão científica instalou-se e a Foz Côa foram chamados vários peritos internacionais. A comunicação social acompanhou o processo de perto e o assunto adquiriu destaque além-fronteiras, nomeadamente num encontro internacional de arqueologia, em Itália. A suspensão da barragem foi decretada oficialmente a 17 de Janeiro de 1996, acompanhada pelo pedido de elaboração de um relatório sobre o valor patrimonial e arqueológico da região, que permitisse ao Governo uma decisão definitiva e fundamentada sobre o projecto hidroeléctrico. O relatório foi entregue ao ministro da Cultura a 2 de Janeiro, tendo chegado ao primeiro-ministro cinco dias depois. Com cerca de 400 páginas, inclui pareceres de arqueólogos, geólogos e geofísicos das universidades do Minho, Aveiro, Lisboa e Bordéus, numa equipa coordenada por João Zilhão. Os pareceres de dois peritos em datação directa contratados pela EDP, em 1995, surgem em anexo e confirmam a tese geral do relatório - as gravuras datam, "na sua grande maioria", do Paleolítico Superior e o Vale do Côa é apresentado como "um dos maiores museus de história natural ao ar livre de todo o mundo", com gravuras de qualidade estética única. Museu e túnel. Poucos dias depois da decisão do Conselho de Ministros, Manuel Maria Carrilho anunciou que o Executivo vai investir três milhões de contos na primeira fase da construção de um centro museológico em Foz Côa, no âmbito do chamado Plano Estratégico de Desenvolvimento do Parque para o século XXI. A sua instalação será feita na Canada do Inferno, onde se encontra o maior conjunto de figuras rupestres até agora descoberto em todo o vale. A primeira fase do projecto, com início previsto para 1998, envolve um investimento de três milhões de contos, maioritariamente financiados pelos fundos do Programa ProCôa (2,7 milhões de contos), sendo a restante quantia assegurada pelo Ministério da Cultura. O plano contempla a criação de diversas infraestruturas - algumas das quais já concluídas, nomeadamente os centros de recepção de Muxagata e Castelo Melhor -, avultando o aproveitamento da estrutura de betão construída para a barragem, onde será instalado um museu. De acordo com o novo presidente do Instituto Português de Arqueologia, João Zilhão, o museu cobrirá a "ferida de cimento no sítio onde ia ser construída a barragem", passando a servir de sede ao Parque Arqueológico e ao Centro Nacional de Arte Rupestre. Paralelamente, organizar-se-á em três pólos: um espaço destinado à evocação da fauna e flora do vale; um bloco para os serviços administrativos e auditório; finalmente, um módulo que incluirá um museu de arte moderna e uma oficina de gravura. Por outro lado, está projectado um túnel que fará emergir gravuras submersas após a construção da barragem do Pocinho, no rio Douro. Este túnel, cuja construção não está ainda definida no tempo, vai desviar as águas do Côa, permitindo o ressurgimento de cerca de 90 por cento das gravuras, nomeadamente na Canada do Inferno. Património da Humanidade. Entretanto, o conjunto das gravuras deverá ser, em breve, classificado como Património da Humanidade. O anúncio foi feito pelo director-geral da UNESCO.html">UNESCO.html">UNESCO.html">UNESCO, que se deslocou a Muxagata na companhia do rei de Espanha e do Presidente da República. Federico Mayor não precisou a data, mas admite-se que a candidatura - que João Zilhão entregou, no passado dia 26 de Junho, em Paris - seja apreciada, e aceite, no próximo ano, podendo aquele estatuto ser atribuído em Dezembro de 1998. Na oportunidade, Mayor defendeu a necessidade de proteger aquele património e enalteceu a atitude "notável" do Governo pela decisão, "tão rigorosa como difícil", que levou à suspensão da construção de uma barragem para preservar as gravuras. Por seu turno, Juan Carlos disse encontrar-se em visita ao parque para testemunhar "a importância e a riqueza arqueológica das gravuras paleolíticas guardadas neste magnífico Vale do Côa" - "perante a contemplação destas gravuras, que se destacam pela sua beleza e singularidade", disse o rei espanhol, "não poderia deixar de felicitar o povo português por ter feito realidade um grande museu da pré-História". Finalmente, Jorge Sampaio defendeu a relação das gravuras com o desenvolvimento da região e sustentou a necessidade de, com base no património fozcoense, se promover um trabalho conjunto entre portugueses e espanhóis, em termos culturais, de paz e desenvolvimento. O Parque Arqueológico do Vale do Côa foi inaugurado a 10 de Agosto de 1996. Ali trabalham, actualmente, cerca de 40 pessoas, entre arqueólogos, guias, guardas e administrativos. Uma frota de oito jipes transporta os visitantes dos centros de recepção em funcionamento - Castelo Melhor, Foz Côa e Muxagata - aos núcleos de gravuras da Penascosa e da Ribeira de Piscos. Até Janeiro o parque tinha sido visitado por cerca de oito mil pessoas e os serviços de reserva estão constantemente a registar novos pedidos, prevendo-se dificuldades nas marcações com o aproximar da Expo-98.
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