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Caça aos dólares

A estratégia é sempre a mesma. "Narcotics? Gun?" Diz que não? Ai é? Ainda por cima sorri. Vamos lá. "Siga-me por favor". Que remédio. Envergam uniforme e não há outra solução senão acompanhá-los até ao pequeno quarto onde se aquartelam durante a maior parte da noite. Mesmo que a camioneta que se aguarda há já algumas horas, esteja quase a chegar e faça frio como tudo. Mas até se compreende. São quase sempre jovens e aborrecem-se terrivelmente no serviço. É por isso que não há estrangeiro que lhes escape. Ainda por cima, os estrangeiros são aves raras por estas paisagens inexploradas da Ásia central.

Todas as salas de espera das estações de camioneta do Cazaquistão, têm dois ou mais destes polícias, passeando ociosamente em busca de vítimas para depenar. Quando não encontram estrangeiros, metem-se com os vagabundos que se protegem do gelo da noite, fazendo dos assentos compridos a cama que nunca tiveram.

Depois do controlo habitual do passaporte (muitas vezes nem sabem reconhecer o visto), segue-se o incómodo de tirar tudo de dentro da mochila para que espiolhem à vontade. "O que é isto", perguntam, maravilhados com algum pedaço de tecnologia desvendado. No caso, uma simples caneta. Decorada com o nome "Mozart", intercalado com pautas sobre um fundo negro. Tinha-me sido oferecida por uma amiga flautista. Há um dia apenas. "E isto?", continuam, apontando para a pequena Olympus auto-focus, mas, no fundo, pretendendo desviar-me a atenção. Bem lhes tinha topado a jogada. Disfarçadamente, o mais jovem, enfiou a dita caneta no bolso. Calei-me. Mas fiquei de olhos bem abertos, não fosse roubarem-me coisas mais importantes. Mas, ao que parece, a caneta chegava-lhes. Satisfeitos com a proeza, mandaram-me meter tudo de novo na mochila. Assim o fiz, certificando-me do conteúdo, para ver se não me faltava mais nada. Depois de ter o saco pronto, disse-lhes: "Podem guardar a caneta. É uma recordação minha". Apanhados de surpresa, fingiram não perceber. "Qual caneta?", perguntou um deles. E, de repente, apontou com o dedo: "está ali". A "Mozart" tinha-se materializado, "molto, molto pianíssimo", encima da secretária.

Depois deste incidente pensei várias vezes nas palavras de Babikir, estudante sudanês que conheci na baixa de Alma Ata. Acabara o curso de arquitectura e, agora, não sabia o que fazer à vida. Voltar ao Sudão estava fora de questão. Um país em guerra não tinha grande coisa para oferecer. Mas... "aqui, num minuto podes perder a vida", dizia ele, quando, à noite, caminhavamos pelas alamedas arborizadas da capital cazaque. Referia-se ao poder crescente dos mafiosos que intimidam e dominam toda a gente pelo terror. "Mas, e a polícia?", perguntava-lhe, pensando nas milícias de cinco ou seis agentes que vira com frequência patrulhar as ruas. Babikir riu-se. "Esses aí são piores do que a mafia. Pergunta aos cazaques". Na verdade, a única vez que os vi actuar foi para mandar dispersar um grupo de idosos que, encima do muro da entrada do metro, vendiam as maçãs e pêras do quintal, amontoadas sobre papel de jornal . Via-se que era gente necessitada. Mas isso não parecia comover os homens de uniforme. Para além do mais, esses aí, os reformados, nem sequer tinham os "bilhetes verdes" para lhes aquecer as algibeiras.

Texto e foto de Joaquim Castro

 


  
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Autoria:

Joaquim Castro
Fotógrafo e Jornalista
Joaquim Castro
Fotógrafo e Jornalista

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