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Diálogos á Queima Roupa

1- Antes de iniciar a primeira entrevista da sua vida, Ana Raquel pergunta se esta será registada através de uma gravador. Desilusão. Quando vê o bloco de apontamentos em papel e a caneta fica surpreendida. Era capaz de jurar que na televisão os jornalistas estão sempre com os microfones apontados às pessoas. Escrever à mão é 'tão aborrecido', diz, que não percebe como é possível alguém dar-se a tal trabalho para entrevistar alguém.

E na escola? 'Na escola tem de ser, porque não temos outra alternativa. Mas gostava de poder escrever em computador e imprimir no final', afirma com grande naturalidade. Em casa, por exemplo, utiliza-o para redigir alguns trabalhos. Mesmo demorando mais algum tempo, pode escolher o tipo de letra, o tamanho e corrigir possíveis erros sem ter de os apagar com borracha.

Com treze anos e opiniões razoavelmente fundamentadas, Ana Raquel afirma que a escola precisava de se modernizar em termos de equipamento e na forma como são transmitidos os conhecimentos. 'Os professores podiam dar mais aulas práticas em vez de falarem quase o tempo todo. Às vezes, principalmente ao fim da tarde, 'é cansativo', afirma.

Já pensou bastante sobre o assunto e decidiu que um dia gostaria de ser professora de ciências ou veterinária. Isto, porque além de gostar de animais, assiste com prazer às aulas de ciências da natureza, onde diz aprender temas interessantes e realizar algumas experiências que, apesar de simples, a fascinam.

Admitindo a influência de alguns programas de televisão na sua escolha, questiona-se do porquê de não existirem estabelecimentos de ensino como nos Estados Unidos, onde os alunos vão de autocarro para a escola e nas escolas se fazem trabalhos de ciências mais engraçados, como a dissecação de ratinhos. 'Era muito mais engraçado'.

Este é o último ano que frequentará a preparatória Irene Lisboa. Uma escola nova, com boas instalações, e da qual gostou bastante. 'Nem tem comparação com a antiga (um edifício antigo adaptado, na rua do Breiner), que era escura e ficava no meio de prédios. As salas aqui são espaçosas e muito melhor apetrechadas'. A única melhoria que plantar mais árvores e ter um bocado de relva para se poder estar sentado.

 

2- Sem querer dar muitas explicações acerca do facto de considerar a escola mais como uma imposição do que como uma vantagem, o Fábio Rúben, de 11 anos, afirma não gostar muito de ir às aulas. Vai, 'porque tem de ser'.

Levanta-se todos os dias cedo, às sete e meia (por vezes sai da cama às oito e tem de correr quase sem tomar o pequeno almoço), e vai a pé para a escola. A proximidade da preparatória Gomes Teixeira e o facto de ter como colegas muitos dos seus vizinhos, ajuda-o a encarar essa obrigação com mais ânimo.

É a primeira vez que anda numa escola de 'grandes'. Apesar de ter iniciado as aulas há apenas alguns dias, pôde já aperceber-se das matérias que mais lhe despertam o interesse: ginástica e futebol. 'Também gosto de matemática e manualidades, mas o resto não '.

A disciplina, ou a falta dela, já lhe valeu uma saída da sala de aula juntamente com um colega de turma. O desafio à autoridade do professor parece ser, aliás, um passatempo bastante comum na sua escola, a julgar por algumas histórias que vai contando.

Quando se pergunta o que faria para mudar a escola mais ao seu agrado, fica pensativo e demora ainda uns segundos a responder: 'nada, gosto assim com está'. Mas lá no fundo, pensando melhor, o que gostaria mesmo era de substituir o tapete de alcatrão por um em relva, onde a bola pudesse deslizar melhor e as quedas não fossem tão aparatosas.

Como ainda não pensou seriamente acerca do futuro, gostaria, em princípio, de exercer a mesma profissão do pai, cuja ocupação é motorista. 'Como já não vivo com ele, às vezes acompanha-o nas entregas e gostava de fazer aquilo. Não é difícil. A parte que custa mais é tirar as caixas da parte de trás e levá-las'. Não pondo de parte a hipótese de prosseguir os estudos, diz, com uma certa resignação, que não percebe para que servem.

 

 

3- O local que Márcia mais aprecia na escola é a biblioteca. Sempre que não tem aulas ou após almoçar, é para lá que se dirige. Gosta de ler livros de banda desenhada e as histórias de um jovem grupo de detectives. É um local silencioso e calmo, onde gosta também de aproveitar para fazer alguns trabalhos de casa. Mas a sala de leitura, na sua opinião, podia estar melhor apetrechada e ser mais alegre, porque 'o mobiliário é antigo e as cadeiras não são lá muito confortáveis'.

A timidez de Márcia combina perfeitamente com os seus doze anos franzinos anos e os pequenos olhos castanhos, dir-se-ia quase escondidos por trás dos óculos. É boa aluna, apesar de não gostar de uma ou outra disciplina. O português, por oposição ao seu gosto pela leitura, é uma dessas matérias. Não consegue explicar exactamente porquê, mas lá vai dizendo, por outras palavras, que as aulas não conseguem ser suficientemente cativantes.

Ao contrário, considera a Matemática e o Inglês como as mais interessantes. Gosta também de praticar educação física, mas acha que o tempo dado para tomar banho e vestir-se é escasso. Além disso, como só vai para casa ao fim do dia, vê-se obrigada a transportar uma mochila muito pesada.

Os pais trabalham no Porto, mas vivem fora da cidade. A única alternativa é almoçar na cantina da escola, a preparatória. Diz que a comida é razoável, uns dias melhor outros pior, mas vezes houve em que era simplesmente intragável: 'nessas alturas comi só a sopa e a fruta'. A sua vontade era almoçar em casa da avó, mas como fica um bocado longe não tinha tempo para ir e voltar. Além disso, os pais não a deixam ir sozinha de autocarro, explica.

O seu sonho é tornar-se médica. Mais uma vez, tal como acontece com a Ana Raquel, as séries de televisão parecem funcionar como principal elemento de referência para essa decisão. Mas ao contrário do que o imediatismo televisivivo poderá sugerir, sabe de antemão que precisará de estudar muitos anos e de se dedicar bastante à escola.

Nada que constitua um problema, porque afirma gostar da escola e de praticamente todos os professores. A única crítica apontada prende-se com a pouca motivação que alguns deles transmitem, transformando muitas vezes as aulas num monólogo aborrecido.

A violência entre os alunos também a preocupa. Afirma que não passa um dia sem que haja casos de 'esperas' no exterior do estabelecimento e, mesmo no seu interior, verificam-se brigas constantes entre crianças isoladas ou grupos. Nada que não se resolva, mas que a preocupa sobremaneira.

Ricardo Jorge Costa


  
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Autoria:

Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação
Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação

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