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Uma conversa sobre a escola com alunos do ensino básico

"O QUE EU GOSTAVA MAIS..."

Frequentam uma escola situada numa das áreas mais densamente habitadas da cidade do Porto, mas poderiam representar crianças de um qualquer estabelecimento de ensino com características urbanas. Talvez não seja demais dizer que as suas opiniões poderão representar, de algum modo, as preferências e a atitude face à escola de outras tantas crianças da sua faixa etária: seis/dez anos.

É interessante saber que um dos factores que mais influenciam a sua visão de transformação da escola se baseia no uso das novas tecnologias e da introdução no ensino de uma língua estrangeira - preferencialmente o Inglês -. Alguns resultados de uma conversa com cinco alunos da Escola Básica do Bom Sucesso.

O Luís tem oito anos de idade. Apesar de franzino, é bastante activo e irrequieto. Os golpes de capoeira, que todas as semanas aprende, são praticados até à exaustão. Mesmo quando pedimos para falar com ele, não deixa de executar suaves golpes de mãos enquanto conversa. Afinal, a cerimónia de baptismo por ter atingido o primeiro cinturão daquela arte marcial brasileira é já para a semana. "Preciso de treinar", explica.

O seu programa favorito de televisão, à semelhança da opinião manifestada pelos seus colegas, é o "Dragon Ball Z". Uma verdadeira adoração, seguida tal qual uma telenovela, como atestam os inúmeros desenhos que traz sempre consigo e as histórias que conta com entusiasmo.

Para quem não sabe, o "Dragon Ball Z" é uma série de desenhos animados japoneses, que tem vindo a cativar um crescente número de crianças e adolescentes. As artes marciais, está visto, são o principal ponto de interesse. Apesar disso, ou por causa disso, também as raparigas gostam da história, que se diria interminável: em outros países já é exibida à quase quatro anos.

A Diana é uma delas. Sabe a história de fio a pavio e só perde alguns episódios nos dias em que frequenta as actividades de ocupação desenvolvidas no bairro de Vilar, onde reside. Lá, tal como o Luís, pode optar por cinco áreas de animação, gratuitas, no âmbito de um projecto da responsabilidade da Câmara Municipal do Porto e da Junta de Freguesia de Massarelos: Inglês, Informática, Expressão Plástica, Música e Capoeira.

A Nádia, com quase nove anos, se bem que não habite aquele núcleo, frequenta igualmente os mesmos espaços. E transporta-os para a escola quando se lhe pergunta que outras matérias gostaria de aprender. "Gostava de ter computadores e um professor só para ensinar isso. E Inglês também. São as minhas duas preferidas", diz. Claro que não esquece de referir as tradicionais disciplinas, como matemática ou português, mas incluiria aquelas no conjunto do programa curricular.

Quando lhe perguntamos porquê, não sabe responder muito bem. Atira um lacónico "porque sim", à primeira, mas lá vai explicando que na televisão vê toda a gente a mexer em computadores e que acha divertido para jogar jogos. Talvez por agora possa não compreender a verdadeira utilidade da máquina, mas o contacto e o interesse precoce que lhe suscita pode vir a revelar-se importante num futuro próximo.

Também a Rita e a Sara, ambas com sete anos, gostariam de aprender a manusear o computador na sala de aula. E se a segunda, tal como a Nádia, não sabe explicar a razão concreta para o seu interesse, já a primeira consegue dar uma opinião: "é útil porque pode-se escrever e estudar por ele, pode mandar-se coisas escritas para outros sítios, ver coisas de outros países...". E jogar e desenhar, claro. Porém, a Rita é uma excepção: tem equipamento informático em casa e sabe mesmo distinguir o programa operativo em que trabalha: "o Windows 95".

O estímulo que muitos deles encontraram no espaço de informática posto à disposição no bairro, talvez lhes tenha espevitado um pouco mais a curiosidade, é certo. Mas percebe-se que o lugar de eleição para aprender Quanto à Internet, já ouviram falar vagamente mas não sabem definir exactamente o que é.

Biblioteca e recreio

Mas não só de disciplinas curriculares se falou. As condições físicas da escola, relativamente bem equipada, pelo que disseram, mereceram alguns reparos.

O espaço de recreio foi um dos pontos abordados. "É pequeno", "tem muitas pedras" ou "faltam escorregas e baloiços", são algumas das queixas. Naturalmente que para quem concebe os estabelecimentos de ensino, estes poderão ser pormenores aumentar os custos de construção, mas são reivindicações que podem alterar a imagem que as crianças têm da escola.

Brincar pode implicar algumas feridas num solo pedregoso. A evidência disso mesmo é mostrada pelo Luís, que, como um ferimento de 'guerra', mostra uma pequena cicatriz angariada num jogo de futebol. Um pormenor sem importância, dir-se-ia. Mas talvez importante para o Luís e para todos os outros que utilizam diariamente o recreio. E se questiona de qual seria o resultado se, em vez de uma perna, "tivesse sido a cara". As raparigas, por sua vez, preferem destacar o facto de não existirem equipamentos de diversão, como escorregas ou balancés. "Daqueles de madeira", explicam, "era mais fixe".

Quanto aos espaços de leitura, independentemente do critério de organização da sala de aula - algumas têm, outras não -, são considerados importantes. A Diana, por exemplo, anda a ler "O Gosto pela Amizade", um conto infanto-juvenil que lhe despertou especial interesse. "Porque é uma história bonita e se vai lendo aos bocadinhos, antes da hora do almoço". A Nádia diz que também gosta de ler, mas que o faz apenas na escola. "Em minha casa há poucos livros e não me interessam. Leio antes revistas. Na escola, há livros com histórias que eu gosto mais".

A Sara diz que gostava de ter uma biblioteca na sala, "como a minha prima", afirma. E que ia ler todos os livros que pudesse e levar alguns para casa. "Mas não se pode", exclama a Nádia. "A professora não deixa". A resposta, vinda do outro lado, talvez tenha um certo sabor de injustiça: "Olha, a minha deixa...".

Se pusermos de parte o facto do número de alunos entrevistados constituir um curto painel de recolha e das temáticas abordadas serem de âmbito reduzido, estes alunos bem poderiam constituir um razoável quadro de opinião relativo àquilo que podia ser feito para melhorar e actualizar o espaço escolar.

O interesse pela escola enquanto local de aprendizagem e de convívio é, a todos os títulos, patente em qualquer uma das crianças. Esta conversa, mais do que um rol de reclamações, talvez constitua um ponto de partida para se saber o que os seus principais intervenientes consideram importante e motivador para o seu desenvolvimento pessoal.

Ricardo Jorge Costa


  
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Autoria:

Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação
Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação

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