Faustino Alberto é um homem de 32 anos. Cabelo fino, oleado, tem uma natural risca ao lado. Cabelo e risca raramente se lhe vêm pois traz permanentemente um velho barrete azul com as cores do F.C. do Porto. No verão usa-o para limpar o suor e é então que se lhe vê a risca. No verão e aos Domingos pois neste dia veste um fato barato, mas completo, castanho escuro. Nunca passou de um metro e sessenta e um. Frequentou a escola primária durante oito anos até que finalmente a professora disse aos parentes que não valia a pena. Na escola não brincava. Com o mesmo sorriso de admiração e espanto que ainda hoje o acompanha, via os outros miúdos brincar. As outras crianças, benevolentes, ignoraram-no sempre. Com a mesma benevolência foi aceite pelos mais velhos na obra onde foi trabalhar. Aprendeu depressa a transportar tijolos e a fazer a massa. Não precisou de muito tempo para saber onde ir comprar as cervejas para os mais velhos. Em todas estas tarefas soube desde logo mostrar grande empenho e sentido de colaboração. Nos primeiros tempos entregava escrupulosamente o troco aos companheiros mais velhos que lhe ordenavam o encargo. Depressa aprendeu a guardá-lo dando em troca um olhar de malícia e cumplicidade. Nos primeiros anos de trabalho os mais velhos divertiam-se falando-lhe das raparigas, propondo-lhe namoros impossíveis e ele ria-se muito. Com o tempo os companheiros de trabalho aprenderam a respeitara-lhe a idade e o empenho no trabalho. Faustino passou a ser só mais um trolha a quem os mais velhos já não pedem recados nem encargos. Os homens deixaram de lhe falar de mulheres. Há muito tempo que escolheu como poiso do seu tempo de lazer o meu quintal. É ali que o vejo, braços sobre o muro olhando a rua, o barrete azul, o sorriso sempre igual. Cumprimento-o e recebo em troca um largo sorriso de reconhecimento. O senhor Faustino não fala mas derrama sempre um sorriso cumplíce e de reconhecimento. Dizem os visinhos que sendo "bom homem não é bem acabado". Falou apenas uma vez comigo já lá vão dois anos. Apontando para o pulso disse, espaçando as palavras "Natal, um relógio". Sorriu. Na véspera do Natal entreguei-lhe um relógio azul de ponteiros brancos. Incrédulo levou tempo a estender o braço para que lho colocasse. Depois, deu um toque no barrete, arregaçou a manga esquerda, estendeu bem o braço sobre o muro e olhou orgulhosamente a rua. Faustino Alberto é um português no meu quintal. José Paulo Serralheiro
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