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Prendas de Natal

Não sou adepto de festas com data marcada. Mas como diz o povo “o que tem de ser tem muita força”. As festas com data no calendário vão fazendo o seu caminho. Em educação preferia a invenção de motivos de festa de surpresa como que a dizer às crianças que festa festa depende apenas de nós, da nossa disponibilidade, da nossa imaginação, da capacidade de estarmos juntos por um qualquer pretexto fruto da nossa imaginação. No entanto nas escolas e nos jardins de infância educadores e professores vão celebrando os rituais como que a fazer crer às crianças e aos jovens que a vida é trabalho e a festa é a excepção ditada pelo calendário.

Nesta “quadra” de Natal é doloroso ver a correria desenfreada que se gera entre os mortais do ocidente. Tudo corre à procura das prendas que é “obrigatório” dar. Reina a coisa inútil e barata. Reina o kitch mais kitch. Os órgãos de comunicação social entram na corrida. A publicidade a toda a espécie de imbecilidades criadas por homens e mulheres são apresentadas nos tons mais coloridos. Tudo parece indispensável à felicidade humana. As nossas criancinhas morrem pela certa se não receberem por prenda um qualquer pedaço de plástico moldado sem gosto, sem razão e sem coração. As televisões mostram-nos “manadas” de pessoas quais carneiros subindo e descendo as ruas e os centros mais comerciais. Assim escorre o 13º mês dos pobres para a bolsa dos pequenos, médios e grandes comerciantes. Se preferirem para meia dúzia de multinacionais da produção do inútil.

Na noite de Natal come-se bacalhau do barato e troca-se o plástico moldado em formas estranhas e feias. As crianças aprendem assim uma grande lição. Quando forem crescidas darão aos filhos as inutilidades a que agora não tiveram acesso. Porque é obrigatório e os meios económicos são escassos as classes mais desfavorecidas dão assim nesta data um bom reforço de mau gosto às suas crianças. Quanto aos ricos aproveitam a ocasião para lhes explicar na prática que eles têm direitos ao que a maioria dos outros meninos não têm.

De um modo geral ficam as lojas, nesta época, limpas de um sem número de inutilidades e as casas durante alguns dias com um pouco mais de bugigangas. Percorram em Janeiro as lixeiras e verão no que se tornou o Natal dos pobres e dos ricos.

Natal é consumo. Angústia, Constrangimento, Frustração. Semi- contentamento de comerciantes de bugigangas várias. Paraíso das multinacionais do inútil e do supérfluo. Aqui ao lado e lá ao longe milhares de crianças morrem neste dia de frio e de fome. Mas que importa? É Natal no ocidente.

Já que o Natal é cada vez mais comércio talvez fosse possível dar-lhe uma pequena picada de subversão. Livros existem para todas as idades. Publicam-se livros capazes de fazerem a felicidade da criança mais pequena, do quarentão ou quarentona, ao nosso avô ou avó mais velhos. Também se editam discos. Música da boa para todos os gostos. Os pais e as mães não pensem que perderam a habilidade para fazerem trabalhos manuais. Não desses trabalhos que se fazem à pressa para despachar, mas daqueles que se fazem pacientemente com carinho e amor.

Como educadores e professores talvez possamos dar o nosso modesto contributo para que daqui a alguns anos o Natal seja o dia em que as pessoas oferecem umas às outras leitura e música e em alternativa o brinquedo fabricado pelas suas mãos.

Experimentem entrar num destes natais numa livraria. Levem a lista das pessoas a quem querem dar prendas. Sintam o prazer de escolher para cada um o livro que se lhe adapta. Não se importem de entrar numa loja de discos. Completem aqui a vossa lista de prendas. Escolham a música que ele ou ela gostam. Se têm filhos ainda pequenos experimentem construir o brinquedo de Natal das vossas crianças com tempo, dedicação e muito coração.

O carro mais belo que tive em criança era de madeira. O meu pai construiu laboriosamente durante meses comigo sempre à espreita. Era carro? Era o pai? Sem dúvida o maior prazer.

José Paulo Serralheiro


  
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Autoria:

José Paulo Serralheiro
Professor e Jornalista. Director do Jornal a Página da Educação.
José Paulo Serralheiro
Professor e Jornalista. Director do Jornal a Página da Educação.

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