No último número, acabei por deixar uma questão que, se não é objecto de algum aprofundamento, retira grande parte do sentido que tentei construir no respectivo texto. Afirmara que a pedagogia do Projecto Educativo transporta consigo a construção duma Escola que se define por um princípio de identidade oposto ao da Escola da Educação Nacional (que se definia pela selecção e, portanto, também pela exclusão); esta, a do Projecto Educativo, define-se pelo princípio da inclusão que, operatoriamente, assenta na prática do direito à diferença. Neste contexto, escrevi então: "É claro que há aqui lugar para perguntar se o Projecto Educativo não será, ele mesmo, uma ideia que tenta desempenhar, por sua vez, o papel da enormidade da norma...Será que a diferença se basta a si própria?" O que, então, se queria dizer era que, ao estabelecer o princípio do respeito pela diferença como norma de acção, o Projecto Educativo tem de encontrar uma identidade em nome da qual se justifique a diferença, já que não é admissível, nem do ponto de vista teórico, nem do ponto de vista prático, ou, melhor teórico/prático, que a diferença se suporte a si mesma, se quisermos que a inclusão tenha algum sentido. A menos que se pense que a inclusão será tanto melhor assegurada quanto mais vazio de referências estiver o campo pedagógico. Nesse caso, tratar-se-ia duma inclusão de carácter topográfico, mera abrangência extensiva do espaço escolar, reduzida a educação a uma simples socialização das diferenças horizontalmente trocadas. Não há ninguém de boa-fé que dê o seu consentimento a tal perspectiva de inclusão. Qual é então o ponto de referência, a sua legitimidade pedagógica? É aqui que entra o apoio dos discursos pedagógicos, parte decisiva na leitura/construção da legitimidade, cujo fim é promover o seu próprio reconhecimento. É evidente que esse é um dos papeis do discurso: mobilizar, criar consensos, fazer desaparecer as contradições práticas para realizar a unidade na acção. Mas, então, indo por aí, não se está a alimentar um discurso "ideológico" contra um outro, "verdadeiro"? A questão, posta nestes termos, nunca terá solução, porque o discurso "ideológico" e o "verdadeiro" não são antagónicos: eles são o mesmo enquanto sustentação de disposições práticas. Só não coincidem para quem está fora daquelas disposições práticas. Mas como nunca ninguém está fora de uma dada disposição prática (nem que seja a prática teórica: veja-se os produtores de teorias, por exemplo), nunca será possível resolver, em última análise, a questão posta acima. Ou dito de outra maneira: não há independência lógico-epistemológica relativamente a questões psico-sociais. Isso significa que todos os discursos são igualmente legítimos? Aparentemente, é para aí que conduzem as teses da pós-modernidade condicionadas pela desagregação social, resultante da estimulação do consumo como base da economia actual e que se traduz na promoção dos interesses individuais sobre os do grupo ou da colectividade. É esta lógica que o Projecto Educativo se propõe combater, utilizando ao mesmo tempo os seus mecanismos. É assim que o Projecto Educativo visa criar comunidades escolares com base em interesses próximos que se admite serem interesses próprios em transformação. A transformação da lógica individualista dos interesses próprios numa lógica cooperativa através de interesses próximos supõe, portanto, um processo de transformação moral ao serviço da coesão social. O princípio da sua legitimação está, aliás, aqui, na necessidade social dessa transformação: sem ela, a exclusão corre o risco de se tornar numa ameaça social generalizada. Neste passo, porém, todo o discurso se pode desmoronar: porque não admitir que é a questão da exclusão, afinal, com as suas consequências sociais, o verdadeiro móbil do direito à diferença e não a da inclusão? Parece um trocadilho simples mas pode ser também a base dum exercício estimulante para se perceber de que modo os discursos são solidários com os interesses. Manuel Matos
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