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Projecto Educativo: Da Pátria à Escola

No último número, esforcei-me por tornar visível a ameaça que pesa sobre o projecto educativo, como uma nova filosofia de Escola, quando ele seja encarado como uma técnica de gestão para resolver os problemas gerados por uma visão do desenvolvimento comandada pela lógica da eficácia. Entendo aqui por eficácia um sistema de acção propulsionado por objectivos determinados segundo exigências do poder tecnocrático que, em última análise, é orientado por interesses de natureza económica, sendo por isso que a eficácia se mede por uma relação definida por um custo mínino de meios para um máximo de resultados.

Esta lógica não tem, evidentemente, limites a não ser os que derivam do bloqueio social que ela própria cria e que se exprimem, hoje, nos fenómenos bem conhecidos de exclusão social, degradação da natureza, criminalidade incontrolável. Daí, o apelo mágico ao retorno da Religião, à restauração da Família, à construção da Comunidade Educativa, (tudo em maiúsculas) isto é, ao restabelecimento dum clima comunicacional que favoreça a criação de sistemas simbólicos (que unam pela significação afectiva) que possam concorrer com os sistemas diabólicos (que dividem, porque são competitivos).

Esta tríade - Religião, Família, Escola - tende hoje a ocupar nas tribunas internacionais e nas cabeças bem pensantes o lugar de trincheira a construir contra a invasão da barbárie social, oriunda do individualismo selvagem que, curiosamente, mas com toda a naturalidade, continua a ser sofregamente alimentado por todos os canais de consumo, com proeminência para os da TV., logo aqui, à mão.

Tempos houve em que a tríade referida andou mal-avinda. A Escola queria-se independente da Religião e da Família, porque a sua vocação era servir a Pátria, o Progresso e o Desenvolvimento. Agora, por causa do desenvolvimento e do progresso, é convocada com urgência para a reunião. Em que ficamos?

Não estamos, com certeza, a falar das mesmas coisas. Não é por acaso que ìcaiuî a Pátria e ficaram o progresso e o desenvolvimento. Era em nome da Pátria que se justificava o progresso e o desenvolvimento. O nosso HERCULANO (quem se lembra dele, que tanto amou a Pátria?) era taxativo quanto a esse princípio: ìo indivíduo, por nos servirmos de uma imagem, como que fica sumido na sombra do grande vulto da pátria. (...) O homem, que entra na vida, pertence primeiro à república do que a si próprioî(Opúsculos, III, Lisboa, Presença, 1984: 99)

Era ingénua a crença de HERCULANO? Seria, mas tinha uma. Qual será a nossa?

Os investigadores, que se reclamam do cognitivismo, andam todos muito ocupados (e por isso muito divididos) com a questão de saber que tipos de crenças são as dos professores, como se organizam e que relação têm com as práticas, partindo do pressuposto de que não há lógica de acção que se desenvolva em oposição a elas. Uma coisa parece certa: é que elas não são redutíveis a um paradigma da eficácia, orientado pela racionalidade instrumental, embora possam ser altamente eficazes do ponto de vista dos próprios...

Será que a Escola pode vir a ocupar o lugar da Pátria nas crenças dos professores?

Ora aí está uma questão péssima para férias. Até porque a Escola é um objecto muito mais espesso, muito mais complicado que a Pátria, terra azul, na fímbria do mar.

Boas férias, apesar de tudo.

Manuel Matos / FPCE


  
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Autoria:

Manuel Matos
FPCE, Univ. do Porto
Manuel Matos
FPCE, Univ. do Porto

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