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Talvez o Problema Não Seja Assim Tão Simples, MÓNICA

 

Por: Manuel Matos

Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da

Universidade do Porto (FPCEUP)

Vou, por momentos, descentrar-me do que tem sido a temática da minha colaboração anterior, para me ocupar do caso suscitado pela MÓNICA, não a Mónica comum das nossas escolas de massas, mas uma Mónica especial, uma antiga aluna dum colégio de freiras. MÓNICA, Maria Filomena, autora que me habituei a respeitar, desde que lhe conheci "Educação e Sociedade no Portugal de Salazar". O caso agora suscitado é o da sua estupefacção perante os resultados escolares apurados face aos últimos exames nacionais do 12º ano, veiculada no joral O Independente de 8/02/97.É difícil ao leitor comum dar-se conta do que organiza, centralmente, esta prosa interventiva de MÓNICA, para além dum sentimento de queixa generalizada, que se adivinha, ou melhor, de indignação "ao olhar esta escola, estes manuais, estes exames". É difícil, precisamente, porque MÓNICA, - depois da análise que faz, ainda que necessariamente sincopada, do sistema educativo e do modo como ele funciona - , parece colocada, melhor que ninguém, para não ter direito à indignação, pelo menos àquela indignação, que ela constroi com fundamento na demonização da "avaliação para além do tolerável", operação a que terá presidido o espírito diabólico de Rousseau, pela mãozinha macabra das Ciências da Educação e que estará na origem do caos actual.

Parece poder deduzir-se que toda a indignação desapareceria se os exames fossem, de novo, entronizados incondicionalmente... encaixotando Rousseau, fazendo uma digestão "correcta" da Sociologia da Educação sobretudo naqueles aspectos que questionam "a autoridade do professor, a validade dos conteúdos curriculares e o clima vivido nas salas de aula". Eu perceberia toda a indignação de MÓNICA sobre a demonização da avaliação e o que ela representa, enquanto projecto soturno da esquerda que, sob governos "supostamente de direita", têm minado todo o sistema educativo, se MÓNICA, inocentemente, pudesse autonomizar essa "variável" do conjunto das "variáveis" complicadíssimas que integram o funcionamento do sistema. Mas MÓNICA não é inocente e sabe que não pode.

E tanto sabe que não pode que MÓNICA consente em referi-las, ainda que num registo de ambiguidade, cuja conveniência se adivinha...

MÓNICA sabe que os "liceus" se transformaram em depósitos de adolescentes "os quais, por não encontrarem emprego, tenta(va)m adiar a entrada no mercado de trabalho"; reconhece que, "com a democratização do ensino, a profissão proletarizou-se" (professores mal pagos, desprestigiados, em rotação permanente, disputados por mil tarefas simultâneas, não só das que estão burocraticamente prescritas, mas das que resultam da barafunda tumultuosa do quotidiano das escolas, acrescento eu); testemunha a aberração das cargas e distribuições horárias face à disponibilidade física dos tempos e das salas e invoca os seus efeitos devastadores sobre alunos e professores; regista a enorme variedade de cursos, opções, disciplinas e regimes de frequência, embora não questione a sua pertinência.

Tudo isso, porém, é dado como evanescente por MÓNICA ou não teria sequer acontecido se não tivesse havido a demonização da avaliação, o desencorajamento da selecção, o espírito perverso que insiste numa pedagogia, "tendo por horizonte o sucesso individual de todos os alunos" (sublinhado dela). E MÓNICA nem pestaneja, ao contrário do que terá feito pelos idos de sessenta, quanto aos efeitos sociais e políticos da orientação que preconiza, nem se interroga, já não digo sobre a sua legitimidade social, mas sobre as possibilidades concretas de a exercer numa escola que, quando estão em falência as estruturas tradicionais de enquandramento das jovens gerações, cada vez funciona mais como espaço de acolhimento alternativo.Combinar a função selectiva, pura e dura, centrada sobre o conteúdo curricular, como sonha MÓNICA, com a função de integração, cujos processso passam, hoje, contraditoriamente, por uma grande diversidade de modos de socialização, que confiscam grande parte do trabalho escolar, eis a quadratura do círculo.

É preciso reconhecer que, no âmbito da realidade da escola que temos e, sobretudo, da sociedade que temos, a demonização da avaliação é, muito mais, um instrumento de gestão política destinado a amortecer as profundas desigualdades que se vão acumulando dentro da escola à medida que crescem cá fora, do que um instrumento de democratização do sistema escolar, como em tempos se tentou que fosse. Admito que a utilização da avaliação apenas ou, predominantemente, segundo a sua função de instrumento de gestão política, sobretudo à custa da democratização, cujo nome se invoca em vão é, desta vez com propriedade, uma operação demoníaca. Mas trata-se, obviamente, de outro tipo de demonização. E contra esta, também eu me sinto com direito a toda a indignação.

(Fevereiro/97)

 


  
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Autoria:

Manuel Matos
FPCE, Univ. do Porto
Manuel Matos
FPCE, Univ. do Porto

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