'D. TÃO PARLAPATÃO' (Teatro) Introdução: em jeito de... Do Autor e da sua vasta e desassombrada e decisiva obra, para a Cultura Portuguesa da segunda metade do séc. XX, muito haveria que dizer, por imperativos de justiça e de honestidade. Isso, porém, dar-nos-ia muito mais trabalho,o que até seria bem prazeroso entre Amigos e Lutadores nas mesmas trincheiras; pensamos, todavia, que não seria esta a ocasião mais azada para o fazer... Achamos, no entanto, que é um imperativo ético-cultural deixar aqui um brevíssimo apontamento sobre o Autor desta incomparável peça de teatro para crianças. Ele é, indiscutivelmente, e antes de tudo, um Homem e um Cidadão com letras maiúsculas; um Homem de Cultura maiusculada, de Cultura no sentido mais prenhe e completo do termo; um Homem de Cultura substantiva, como há poucos assim em cada geração: capaz, portanto, de encorporar perfeitamente aí - e precisamente no diapasão próprio e específico da Cultura -, com a melhor das "naturalidades" culturais, a vera dimensão política, a intervenção cívica teórica e prática, e as esmeradas produções científico-culturais relacionadas com as suas actividades e funções profissionais. É um Escritor prolífico e multifacetado, capaz de entrosar exigências científicas e recorte literário. As suas produções abarcam, com o mesmo saber-sabedoria, que já se tornou nele uma "gramática de vida", domínios tão diferentes como as didácticas da Matemática, os estudos e os depoimentos corajosos e intrépidos sobre os sistemas educativos e as "engrenagens" societárias do Ensino, as variadas e histórico-educacionais peças de teatro, os livros de poemas, os meticulosos e pacientes estudos de historiografia e história, as rubricas permanentes de jornalismo, que sempre carreiam alguma novidade e provocação aos mais atentos à vida pública e à cidadania. O Dr. Santos Simões é, sem dúvida, um daqueles raros Homens de Cultura, que eu gosto de comparar a Erasmo, o de Roterdão, autor, nomeadamente, de "O Elogio da Loucura", que tão bem se dava com o santo Thomas More, autor, nomeadamente, de "A Ilha da Utopia", em cuja casa se alojou várias vezes; que eu gosto de assemelhar ao nosso Alexandre Herculano, o historiador e o político daquela famosa carta sobre a Descentralização e o autêntico Estado democrático, dirigida aos eleitores do círculo de Sintra (1858); que eu gosto ainda de comparar ao Denis de Rougemont das reflexões e orientações sobre o vero espírito europeu, aliás, na esteira de Erasmo, que a gente tem de situar, queira-o ou não, numa plataforma diferente dos tão celebrados dois pais fundadores da C.E.E., Jean Monnet e Robert Schumann. O Dr. Santos Simões configura-se, basilarmente, na linha daqueles cientistas/ filósofos, os chamados virtuosi dos finais do séc. XVI e princípios do séc. XVII, tipo Robert Boyle (cujo nome ficou associado a Mariotte para identificar aquela lei física da pressão do gás que varia inversamente ao seu volume), o qual estabelecia, claramente, uma axiomática que impedia, tanto a oposição das letras às ciências, como o seu contrário, postulando assim um Humanismo autêntico e completo sem a exclusão recíproca de umas pelas outras. Boyle enumerava, assim, as quatro vantagens da sua confraria culta: "1) Que o virtuoso não é arrastado por opiniões e apreciações vulgares; 2) Que consegue valorar prazeres e ocupações de natureza espiritual; 3) Que é capaz de encontrar sempre ocupações agradáveis e úteis e desta maneira escapar aos perigos a que a ociosidade os expõe; 4) Que sabe o que é a dignidade e reconhece um louco". Deve saber-se, entretanto, que a separação entre cultura científico-tecnológica, dum lado, e cultura literária e Humanidades, do outro, só começa a tomar corpo nos finais do séc. XIX, para vir a consolidar-se no séc. XX, em virtude da cada vez maior complexidade dos saberes e das técnicas e das cada vez mais necessárias especializações, que facilmente se convertem em amputações culturais para os indivíduos-pessoas-cidadãos !... Ora nada disto se passa com o nosso Amigo e Companheiro de Luta, Dr. Santos Simões. A ele bem se pode aplicar aquela bela frase de Terêncio: "Homo sum; humani nihil a me alienum puto". Abençoado seja, que bem o merece e muita saúde e vida longa, para que o seu Sol possa continuar a iluminar o nosso horizonte ! Agora, algumas pinceladas a traço grosso sobre o livrinho: (à laia de telegramas) - Como se diz na p.3, o texto foi estreado em 1979; e, posteriormente, levado à cena em mais de duzentos espectáculos. - Como facilmente se pode averiguar, trata-se de um belíssimo texto de teatro para crianças; que adultos conscientes e críticos não desdenharão ver e ouvir representar. É que se trata, mesmo, de vero teatro,- realidade bem diferente das mais ou menos espontâneas (ou guiadas...) dramatizações infantis. - Não podemos deixar de salientar o exímio didactismo, consenâneo com os níveis etários e de aprendizagem dos 1º e 2º ciclos. (Ver, por ex., p. 10, II Quadro). - Todas as pequenas peças/canções musicadas são uma preciosidade: foram, do ponto de vista musical e de texto, magnificamente concebidas em função dos respectivos quadros cénicos. Todas - sublinhe-se -,desde a primeira até à última. Essas canções que, à maneira de jograis, foram, desde o início, magnificamente sustentadas e acompanhadas à viola por Fernando Fernandes. - As ilustrações de Salgado Almeida encontram-se muito bem adequadas às respectivas situações cénicas. - O trabalho e os cuidados tipográficos, a apresentação e a roupagem, o 'guarda-roupa', para falar com a gíria do Teatro, mostram-se muito bem apurados, sugestivos e atraentes. - Em suma, o Opúsculo é uma Lição viva, sob todos os pontos de vista, a começar pelo actualíssimo enredo ecológico, hoje, mais que nunca, indesmentível e incontornável !... * II Algumas pinceladas a traço fino sobre a natureza do texto e as finalidades "objectivas e subiectivas", do Livrinho: Quanto a mim, devo confessar que integrei, com supremo gáudio, as seis canções deste belo conto cenografado e musicado, no meu livro manuscrito de Lições de Educação Musical para o 2º ciclo do Ensino Básico. Aí faço eu menção de que a peça teatral de Santos Simões havia sido levada à cena pelo TERB, em 1979 (ano mundial da Criança). Aí mesmo, numa segunda versão escrita das canções, preferi registá-las em Mi, Maior ou menor, consoante os casos, em vez de Ré, Maior ou menor, que foi o registo da minha escrita inicial e a que, afinal, foi mantida no Livro de Santos Simões, pelo nosso comum amigo Canaveira do Vale. A razão da minha preferência reside nisto: o registo em Mi torna as canções mais cantáveis e brilhantes, por um lado; e, por outro, em função da tessitura das vozes das crianças, o Lá da oitava inferior à central resulta baixo de mais e de emissão difícil para muitas delas. Sobre a caracterização do texto da peça de teatro infantil, diga-se, pelo menos, sumariamente, o seguinte: Trata-se de um texto de teatro para crianças, cheio de poesia, desde os dois pontos de vista reciprocamente complementares: material e formal. - Está muito bem adaptado às crianças; é cheio de revérberos lúdicos e gozosos e repleto de fina sabedoria (vide pp. 10-1 1). - Graças aos cuidados das crianças, a Árvore não morreu e tornou a florir, como que por milagre (a um só tempo- note-se - das Crianças e da Natureza). Texto e música da canção 3. constituem um encanto excepcional. - D. Tão, afinal, só havia oferecido às Crianças uma Árvore que já estava seca, - o inútil que as Crianças converteram em útil e belo (p.19). Mas o ricaço não sabe dar e , receber: enjeitou a própria dádiva que havia feito (p.21). - O quadro do Juíz (pp.24-25): exprime-se, aí, a ideia corrente da Justiça do mais forte, sempre cozinhada com hipocrisias, aldrabices e mentiras, mais ou menos descaradas. Como tem razão o povo, quando afirma o rifão: Ouem dá e torna a tirar ao inferno vai parar! . . . - Contudo, o processo evolui até acabar bem, fazendo, afinal, justiça às Crianças, as quais até nem se haviam esquecido de solicitar a assinatura de D. Tão no papelinho (p.27). - Já para o fim, não deixa de assomar, coerentemente, o eterno armistício entre o Sim e o Não: a famigerada Justiça de Salomão (p.28). - No fim, todavia, acaba por triunfar a sentença definitiva que faz jus ao verdadeiro sentido (social) da propriedade, o qual, como é sabido, incorpora perfeitamente, e de pleno direito, (já segundo o próprio Direito Romano), o uso pacífico efectivo, que dá origem, tanto à prescrição como à usucapião, etc. (pp.29; 31). Em resumo, é: Uma paradigmática Peça de Teatro para Crianças - cheia de actualidade para os dias de hoje e, certamente, para o futuro. Manuel Reis Guimarães
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