O cinema pode ser uma boa ferramenta de aprendizagem. Na escola e na vida. Fazer chegar o cinema a diferentes públicos, sensibilizando-os para a sétima das artes e fazendo-os compreender a arte cinematográfica, é a missão d’Os Filhos de Lumière. Esta associação cultural concebe e promove diversas atividades que estimulam os participantes a ver o mundo de outra forma. Eles aprendem a olhar e a estabelecer relações. Porque o cinema também educa…
LUZES...
Embora sediada em Lisboa, a associação nasceu na cidade Invicta, aquando da Porto’2001 – Capital Europeia da Cultura. Foram convidados cineastas para um trabalho de sensibilização para o cinema, que, por sua vez, se lembraram de uma experiência francesa realizada com crianças para o centenário do cinema.
Tratava-se de um filme, “Les Jeunes Lumières”, feito a partir da obra dos irmãos Auguste e Louis. “Achámos aquilo muito interessante. Era um filme feito como eles faziam. Portanto, as crianças viram filmes dos Lumière e depois foram para a rua com cineastas e professores para filmarem um plano Lumière”, contou à PÁGINA Teresa Garcia, cineasta e presidente da associação. E embora parecesse simples, aquela era uma experiência de grande complexidade. “Aquele minuto continha imensos elementos daquilo que é o cinema.”
Numa altura em que se sentia haver um maior afastamento dos mais jovens relativamente ao cinema, em que a televisão se sobrepunha às imagens na grande tela, foi fundamental a criação da associação Os Filhos de Lumière. Durante a Porto’2001 foram feitas oficinas cinematográficas dirigidas a crianças de meios desfavorecidos. O cinema chegou através do projeto ‘O Primeiro Olhar’. “Havia interesse e, além disso, as crianças tinham uma capacidade absolutamente fora do comum de perceber o que é um plano, de falar sobre um plano, de perceber fazendo. A experiência de fazer é absolutamente fundamental”, frisa a realizadora.
No final, o projeto era para continuar. Não só no Porto, mas em todo o país. Criada a sede em Lisboa, o trabalho junto à comunidade começou a disseminar-se. Com câmaras municipais e escolas, ‘O Primeiro Olhar’ chegava, e continua a chegar, a muitos e diferenciados públicos.
Há cinema e cinema. Em 2006, Portugal foi o segundo país, depois de Espanha, a entrar no projeto ‘Cinema, Cem Anos de Juventude’ da Cinemateca Francesa, responsável pelo filme “Les Jeunes Lumières”, que tinha servido de inspiração e de base para a associação portuguesa. Hoje são 13 os países que integram o projeto que, através da partilha de experiências e materiais pedagógicos, leva o cinema às escolas.
“Há aqui uma verdadeira reflexão sobre o que é Educação através do cinema. Este é considerado um projeto experimental, porque a todo o tempo está a reconstruir-se. Porque não é possível trabalhar da mesma maneira com dois grupos, e nós trabalhamos com grupos sempre diferentes, de meios sociais diferentes, com idades e experiências diferentes”, explica Teresa Garcia, lembrando que a grande maioria das crianças e jovens que participam no projeto não tinha contacto com o cinema.
É que há cinema e cinema... “Há o cinema comercial, que se vê em todo o lado e que eles sentem obrigação de ver, porque toda a gente conhece, e depois há um cinema menos conhecido, que é sem dúvida mais interessante, e é esse que nós mostramos. É o cinema que eles não têm oportunidade de ver se não formos nós a mostrar.” Um cinema com tempo, onde se percebem os sentidos, as intenções dos realizadores em cada cena, com planos mais longos, onde se detetam emoções, sentimentos.
CÂMARA...
Uma boa parte do trabalho da associação é feito com as escolas, através de diferentes projetos. Atualmente, participam em ‘Cinema, Cem Anos de Juventude’ oito turmas de diferentes pontos do país, de Serpa a Lisboa. Jovens e crianças, muitas com sete, oito anos, veem filmes – e são muitos os filmes utilizados, de realizadores como Abbas Kiarostami, François Truffaut ou Jean Renoir [ver caixa] –, saem à rua e procuram o melhor plano para filmar. Todos assumem tarefas, porque para fazer um filme é fundamental criar uma equipa.
Além da atenção, coordenação e concentração necessárias, é preciso haver sintonia, porque todos fazem coisas diferentes. “Há o realizador, o assistente de realização, o diretor de fotografia, o assistente de imagem, o engenheiro de som, o assistente de som, a pessoa que faz a anotação, os atores... Há uma série de coisas, todas diferentes, que é preciso juntar. Por isso, têm de trabalhar em sintonia para conseguir filmar um plano. Quando, às vezes, vemos um plano, parece uma coisa muito simples, mas aquilo foi muito complexo”, sublinha Teresa Garcia.
Há muita gente envolvida na construção desse trabalho. E por isso, o contacto entre eles é importante, “porque lhes cria relações de complementaridade e de solidariedade”. Cada um sabe qual é o seu papel e que há papéis diferentes, que se cruzam. “Este é um trabalho que tem de ser feito em contexto de educação não formal, embora seja feito com a escola. Eles vão para a rua, saem e trabalham de uma forma diferente. Tem a ver com a individualidade de cada um, até porque são eles que escolhem tudo e que decidem quem faz o quê. No fundo, eles querem descobrir e explorar todos os aspetos de cada função. E penso que isto é uma questão fundamental para uma boa aprendizagem.”
Aprender a olhar. Todos os anos, através deste projeto, é trabalhada nas escolas uma perspetiva do cinema, que pode passar pela cor, pelo ponto de vista, pelo mettre en scène. Este ano, o tema que está a ser trabalhado é a meteorologia, do qual já resultaram 21 planos que foram exibidos na Cimeira do Clima, que decorreu em Paris, em dezembro.
“A meteorologia é uma forma de fazer as crianças perceberem o que está a acontecer ao planeta. É muito interessante elas começarem a ter consciência do que são as estações do ano, do que são estes ciclos e do que eles querem dizer. Olhar para uma árvore e ver como ela se transforma ao longo das estações. São os ciclos da vida”, considera a presidente da associação, acrescentando que, através do clima, as crianças percebem também o papel da lua, do sol, do mar, da terra, a relação com a chuva, o nevoeiro, o vento, a neve…
Há aqui, portanto, uma relação com várias disciplinas, como as Ciências e a Geografia, por exemplo. “Eles veem excertos de filmes da história do cinema onde existem essas questões. A meteorologia faz parte do cinema e sem ela não há cinema.” E é gratificante saber que um miúdo de sete anos, quando sai de casa e vê nevoeiro, diz que esse seria um bom ‘plano Lumière’.
“O cinema faz os miúdos olharem para as coisas que estão à sua frente e fazerem ligações. É importante que eles olhem, o essencial é aprender a olhar. Neste caso, foi ele que viu, que percebeu que ali havia um plano Lumière possível”, continua a cineasta, recordando que também o sol e o vento levantaram questões curiosas e que, no final, os mais pequenos perceberam que é possível filmar os seus efeitos. “Eles são estimulados a olhar e a pensar, a estabelecer relações. No fundo, é fazê-los olhar para as coisas e pensar nelas, pensar porque é que elas estão lá.”
Aprendizagem transversal. Há ainda sessões de formação com os professores, para que eles possam trabalhar com os alunos. Já a parte prática é feita com os cineastas. Os alunos saem à rua, procuram um plano e decidem onde colocar a câmara, para que essa imagem, esse enquadramento, possa contar melhor o que querem transmitir. Ao aprender cinema, aprendem uma série de matérias, da escola e da vida: aprendem a palavra – “porque há textos, há poesia” – aprendem representação, movimento, coreografia, aprendem a trabalhar em equipa e a assumir o seu papel, respeitando o dos outros, para pôr a máquina a funcionar.
E outro fator estimulante é que todo este trabalho é posteriormente partilhado com crianças e jovens de outros países. A Cinemateca Francesa tem um blogue, onde os mais pequenos partilham experiências e processos. “Tudo isso é essencial para a aprendizagem e para o interesse pelo mundo e pelas coisas. O cinema tem um lado muito científico; há todo um trabalho de pesquisa e eles estão sempre a descobrir e a aprender.”
AÇÃO!
Desde a sua criação, Os Filhos de Lumière já tiveram em curso vários programas, entre os quais o Bordils-Moita (projeto desenvolvido em Portugal e Espanha, envolvendo uma autarquia, um agrupamento de escolas e uma associação cultural de ambos os países) e o ‘Estímulo à Melhoria das Aprendizagens’ (EMA), um projeto com a Fundação Calouste Gulbenkian.
“Aí foi talvez a única vez que trabalhamos a partir das matérias escolares deles. Foi muito interessante. Vi que os miúdos estão muito habituados a aprender o que vem nos livros da escola, e nós fizemo-los aprender de outra maneira. Mostrámos-lhes que não se aprende só o que está nos livros e que eles podem descobrir coisas extremamente interessantes a olhar e a procurar relações entre as coisas”, explica Teresa Garcia.
Mas há mais... O ‘CinEd’ é um projeto importante lançado este ano, um programa de cooperação europeia em prol da educação para o cinema, promovido pelo Institut Français. O projeto – em que participam Portugal, Espanha, França, Itália, Bulgária, Roménia e República Checa – propõe uma seleção de filmes europeus que, juntamente com materiais pedagógicos, vão estar disponíveis numa plataforma digital.
“Cada país participa com dois filmes do seu país. As cópias desses filmes, disponíveis para serem apresentados em sala de cinema, vão estar nessa plataforma, que vai ter também ferramentas de apoio, ou seja, legendas e dossiês pedagógicos, traduzidos em todas as línguas, para professores e alunos.” O projeto, dirigido às escolas, está já em desenvolvimento e vai estar disponível brevemente. No ano passado, Os Filhos de Lumière iniciou o ‘Moving Cinema’, projeto europeu, com a Espanha e a Lituânia, cuja ideia é mostrar e trabalhar filmes de maneira a que os jovens se sintam envolvidos. “E sejam capazes de os discutir, de falar sobre eles, de ser tocados por eles.”
Dentro deste projeto (que este ano integrou a França e a Escócia) existem o programa ‘Inside Cinema’, que acompanha os processos de criação de alguns filmes, e um outro, o ‘Cineclube das Gaivotas’, que é um desafio lançado a alguns jovens – uns que fizeram parte das oficinas e outros que ainda fazem – para que se tornem programadores.
A ideia surgiu na sequência dos programas que consistiam no visionamento de filmes seguido de conversa com convidados, que podiam ser cineastas, atores ou até arquitetos paisagistas. Assim, esse grupo do ‘Cineclube das Gaivotas’ vai escolher um filme de entre muitos para o apresentar a outras pessoas – “uma maneira ativa de transmitirem aos outros o que sentiram com esse filme” – e depois vão cruzar as escolhas e experiências com os outros jovens programadores dos países envolvidos no projeto.
Atividades para todos. A associação tem em curso ‘O Mundo à Nossa Volta’, que abrange os programas ‘Cinema, Cem Anos de Juventude’ e ‘O Primeiro Olhar’, as oficinas com equipamentos móveis que integram o ‘Moving Cinema’, e ‘Filmar’ (dirigida a adultos, “pelo prazer de aprenderem”, e a professores também interessados em organizar projetos de cinema nas suas escolas).
Além disso, são promovidos encontros e seminários, nacionais e internacionais, e vários ciclos de cinema, projeção e conversa, à semelhança dos ciclos já realiza- dos ‘O Sabor do Cinema’ (na Fundação de Serralves, no Porto), ‘Os Cineastas e o Cinema’ (no Fórum Cultural José Manuel Figueiredo, na Moita) ou ‘Escola no Cinema’ (no Cine-Teatro de Serpa e no Teatro Maria Lamas, em Vila Nova de São Bento). Este ano, a Fundação Calouste Gulbenkian, através do Programa Gulbenkian Qualificação das Novas Gerações, propôs a realização do ciclo ‘Nos caminhos da Infância: Pensar em Educação com o Cinema’. Uma iniciativa que Teresa Garcia espera que tenha continuidade, dadas as reflexões e as pistas lançadas que podem continuar a ser exploradas.
Ao longo de dois fins de semana foram exibidos vários filmes e houve conversas com diversos nomes do cinema e da Educação, como Alain Bergala, José Manuel Costa, Bernard Eisenschitz, Maria Luís Borges de Castro, Pierre Léon, Cláudio Torres ou Marcos Uzal. É na lisboeta Rua das Gaivotas, num espaço cultural partilhado, que se encontra Os Filhos de Lumière – a as- sociação está a ultimar a abertura de uma mediateca, onde vai ser possível ver filmes, ler e conversar sobre cinema.
FILMES-CHAVE DO CINEMA (alguns exemplos de filmes mostrados)
“Mónica e o Desejo”, de Ingmar Bergman
“O Verão de Kikujiro”, de Takeshi Kitano
“A Janela Indiscreta”, de Alfred Hitchcock
“O Pão e a Rua”, de Abbas Kiarostami
“Um Piquenique no Campo”, de Jean Renoir
“Os 400 Golpes”, de François Truffaut
“Sonhos”, de Akira Kurosawa
“O Sangue”, de Pedro Costa
“Uma Pedra no Bolso”, de Joaquim Pinto
“Aniki Bóbó”, de Manoel de Oliveira
ORA DIGA LÁ… TERESA GARCIA
De que forma o cinema pode educar?
O cinema toca várias questões, e ao mesmo tempo faz com que os miúdos olhem para as coisas à sua frente e façam ligações. Ajuda-os a compreender. O essencial é aprender a olhar, e eles são estimulados a olhar e a pensar, a estabelecer relações. A nossa metodologia começa por lhes mostrar filmes e fazê-los pensar no que lá está. É que um miúdo, quando vê um filme, normalmente, acha que são os atores que contam a história; não vê o espaço, e isso é o mais importante, a relação entre os atores e o espaço. Portanto, se começar a olhar para além do ator, ele começa a ver muito mais coisas e a perceber que elas nos estão a contar muito mais do que o próprio ator. Esse ir mais além é uma maneira de aprender. Eles aprendem uma série de elementos que têm a ver com a vida e também com o que aprendem na escola, mas de uma outra maneira. Além disso, esse trabalho de contacto entre eles é muito interessante, porque lhes cria relações de complementaridade e de solidariedade.
Grande parte do trabalho d’Os Filhos de Lumière é desenvolvido com escolas.
Neste momento, temos oito turmas dentro do projeto Cinema, Cem Anos de Juventude e temos outras no projeto O Primeiro Olhar. Estamos a trabalhar também com escolas do Fundão, em parceira com a associação Luzlinar, e em Évora, com a associação Cinema-Fora-Dos Leões. Para integrarmos mais escolas nestes projetos fazemos sempre candidaturas, nacionais e internacionais. De qualquer forma, até agora temos tido o apoio do Instituto do Cinema e do Audiovisual, e contamos atualmente com o apoio do Programa Partis – Práticas Artísticas para a Inclusão Social, promovido pela Fundação Calouste Gulbenkian, das Câmaras Municipais ou entidades ligadas à Cultura dos locais onde realizamos os projetos, e dos programas europeus.
Privilegiam a abordagem prática e defendem que a melhor forma de aprender é fazendo.
A experiência de fazer é absolutamente fundamental. Nas escolas, nós ajudamos a pensar, a fazer, a descobrir, mas não somos nós que fazemos, eles é que fazem tudo. Nós estamos lá para lhes dar pistas, para os fazer descobrir de outra forma as coisas que já conhecem e para, a pouco e pouco, os deixar ir fazendo sozinhos. Há uma altura em que tenho um grande prazer em afastar-me e sentir que aquilo pode correr sozinho. Acho isso magnífico!
Numa altura em que as expressões estão a passar para segundo plano, considera que estes projetos ganham uma importância acrescida?
Acho que sim. Todo o trabalho de reflexão, de ver, de aprender vendo e de aprender construindo qualquer coisa que lhes interessa, porque no fundo são tudo ideias e preocupações deles. Tudo isso são formas de aprender que eles descobrem, que não podemos ensinar. E depois, no fundo, o cinema toca um bocadinho em tudo. Por exemplo, estamos há três anos a fazer uma experiência muito interessante no Vale da Amoreira: acompanhamos uma turma desde o primeiro ano, e o professor utiliza o cinema no processo de aprendizagem, porque sente que aquilo os estimula. É um professor com uma visão muito interessante, porque aproveita o cinema para trabalhar toda a matéria, até a Matemática. E nós também puxamos um bocadinho por eles, para que se exprimam. Eles pensam nas coisas, imaginam as coisas, mas é bom que tenham consciência daquilo que estão a fazer, e falar sobre elas é ganhar consciência. E depois há a partilha... Tudo isso é essencial para a aprendizagem e para o interesse pelo mundo e pelas coisas. O cinema tem um lado muito científico; há todo um trabalho de pesquisa e eles estão sempre a descobrir e a aprender. É uma maneira de olhar o mundo e de se olharem a eles próprios. Há muita coisa de sensibilidade, e isso devia fazer parte da Educação. Nos primeiros tempos, estas sessões eram feitas na Área de Projeto, que entretanto acabou; agora são os próprios professores que procuram dentro do seu tempo o momento de fazer isto, porque sentem que é importante.
E as escolas?
Algumas também têm sido incríveis: por exemplo, a Marquesa de Alorna abriu para toda a escola o contacto com o cinema. E há várias escolas que se inscreveram no Plano Nacional de Cinema para trabalharem connosco. Isto é interessante porque o Plano também está ligado ao Ministério da Educação, e há uma aber- tura para a participação em filmes. Porque às vezes é difícil: nós convidamos uma escola para vir ver um filme a uma sala, mas por vezes há limitações.
Que tipo de cinema apresentam?
Não gosto muito da ideia de cinema de autor, porque todo o cinema é de autor, todo o cinema reflete o autor. Acho que posso dizer que trabalhamos com cinema de qualidade [risos]. Todos nós vamos ter gostos diferentes. Mostramos os filmes de que gostamos, porque achamos que o prazer que temos com esses filmes também se transmite. Quando uma criança vê um filme, há muitas coisas que não percebe, mas nós achamos que isso não tem importância. Pelo contrário, cria-lhes a curiosidade de perceber. Não fazemos este trabalho para formar cineastas, mas para ajudar os miúdos a crescerem e para lhes dar ferramentas. E o cinema pode ser uma boa ferramenta para pensar, para imaginar, para descobrir.
A recetividade é boa?
Muito boa. No final das oficinas, alguns dos filmes que eles fazem são mostrados na Cinemateca Francesa, em Paris, sempre com a presença de uma delegação portuguesa, composta por crianças, professores e cineastas. Mas há também sempre um encontro local para permitir que os pais, familiares, amigos, pessoas da escola e da comunidade vejam o trabalho. Esse é o momento em que os miúdos se sentem muito orgulhosos. Os próprios pais e familiares ficam com uma grande admiração por eles. E têm razão para ficar orgulhosos. Muitas vezes mostramos o making of, para que os pais percebam que o que está por trás do filme é muito mais importante, no sentido de trabalho, e que é isso que faz com que o filme seja feito. Muitos não veem os filhos a aparecer no ecrã como atores, mas veem-nos depois a filmar. E veem toda a atenção deles e a relação entre todos. Isso é muito positivo para eles e até para a própria comunidade. Temos uma relação um bocadinho especial com esta comunidade, aqui onde estamos, nas Gaivotas, e na zona da Misericórdia. É muito interessante porque todas as pessoas participam, de uma maneira ou de outra. Ainda há pouco tempo, fizemos uma apresentação de vários filmes realizados aqui, por crianças e adultos, chamamos-lhes Olhares sobre a Misericórdia, onde esteve presente um grupo de pessoas do Centro Social São Boaventura. Os filmes retratavam memórias do passado e todos falaram da sua experiência. E foi muito comovente, muito bonito. Estavam pessoas de várias gerações. A certa altura, temos um miúdo e um senhor de idade a falarem e é muito engraçado ver como eles dizem coisas semelhantes sobre a descoberta, a experiência. Eles começam a ver-se de outra maneira, e isso também faz parte da relação com o mundo.
Maria João Leite (reportagem)
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