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Deveríamos dedicar os próximos 30 anos a melhorar as escolas e a confiar mais nos professores

Licenciado em História pela Universidade do Porto e doutorado em Ciências da Educação pela Universidade de Lisboa, Joaquim Azevedo é uma das mais conhecidas e respeitadas personalidades da área da Educação em Portugal. Membro da Comissão de Reforma do Sistema Educativo entre 1986 e 1988, desempenhou também nesse período funções como coordenador nacional da avaliação da experiência pedagógica do Ensino Técnico-Profissional. Entre 1988 e 1992 foi director-geral do Gabinete de Educação Tecnológica Artística e Profissional (GETAP), tendo, nessa qualidade, representado o Governo português em vários seminários e conferências da UNESCO, OCDE e União Europeia. Entre 1992 e 1993, foi secretário de Estado dos Ensinos Básico e Secundário do XII Governo Constitucional. Tendo adquirido o título de professor catedrático da Universidade Católica Portuguesa, Joaquim Azevedo preside actualmente ao Centro Regional do Porto da instituição, sendo director da Faculdade de Educação e Psicologia e da Escola das Artes. É também presidente da Fundação Manuel Leão, membro do Conselho Nacional de Educação (cooptado), do Conselho Económico e Social e da Rede de Peritos em Educação Técnico-Profissional da Organização de Estados Ibero-Americanos. Em 2007, coordenou o Debate Nacional sobre Educação (que assinalava os 20 anos da publicação da Lei de Bases do Sistema Educativo), do qual foi o principal relator.

 

Aproveitando o mote do Debate Nacional sobre Educação, como vamos, ou como podemos, melhorar a educação em Portugal?

Creio que para atingir esse propósito será indispensável uma acção muito coordenada entre diversas instituições da sociedade civil, desde logo e a posteriori numa lógica de forte articulação com o Estado – devidamente colocado, no entanto, no seu próprio lugar. No fundo, trata-se de incrementar a participação da sociedade civil na educação, reforçando a autonomia das escolas e dotando-as de capacidade de mobilização, tarefa para a qual devem contar com maior apoio e envolvimento social, por forma a concretizar aquilo que eu designo por “dinâmicas de melhoria”, por oposição, em certo sentido, às dinâmicas de mudança impostas através de uma regulação de controlo legislativo.

 

Considera que se avançou em algum sentido relativamente às propostas que foram enunciadas no relatório final? O que considera mais indispensável pôr em prática?

Não creio que, desde essa altura, se tenha evoluído particularmente em qualquer área. Considero mesmo que poderá ter havido uma certa regressão, nomeadamente no que se refere à confiança dos professores face ao ministério. Se já existia uma certa desconfiança da administração em relação às escolas, ela agora também existe no sentido contrário, o que provocou uma erosão muito forte no relacionamento entre as duas partes. Ao mesmo tempo, aumentou o nível de participação social nos órgãos de direcção e gestão. De resto, o sistema é o mesmo e a lógica é a mesma, assim como as orientações políticas, que se mantêm, no essencial, inalteradas.

 

Referiu a desconfiança entre os professores e a Administração. Acha, na mesma perspectiva, que a sociedade civil continua a confiar nas escolas e no ministério?

Eu acho que a sociedade em geral confia na escola, de outra forma as famílias não colocariam lá os seus filhos, com confiança, diariamente. E esse nível de confiança é um capital precioso que as escolas continuam a deter. Não existirá, aliás, a meu ver, nenhum outro espaço social credor dessa confiança. O que me parece importante referir é que, da parte da administração central e dos dirigentes políticos em geral, não se verificou qualquer alteração face à forma como vêem e encaram a escola. Vinte e um anos depois de aprovada a legislação sobre a autonomia das escolas, a situação é muito idêntica, não nas escolas, onde julgo que se verificaram evoluções muito positivas, mas na forma como a administração central e regional está estruturada e organizada face à escola. O que impera na administração é uma lógica de desconfiança, isso é claríssimo.

 

Uma das ideias saídas do debate refere-se à necessidade de se estabelecerem “compromissos sociais locais”. Pode clarificar este conceito?

Essa ideia é resultado de diversas constatações – que naturalmente não poderei desenvolver em pormenor neste curto espaço –, nomeadamente do facto de se querer mascarar de problemas escolares aquilo que são, na realidade, problemas sociais, de forma a facilitar a vida a todos mas a não resolver coisa nenhuma. Por outro lado, há questões sociais bastante graves que precisam de ser equacionadas no quadro social, nomeadamente a questão familiar. Nesse sentido, é preciso que a escola tenha uma capacidade de interlocução muito forte com a comunidade, em particular com as famílias, porque estas são, afinal, a base da Educação. A escola excerce apenas uma actividade complementar, que para ser bem desempenhada necessita de estar estruturada numa educação familiar bastante mais alargada, que eduque para as questões centrais da vida. É fundamental fazer essa articulação baseada no envolvimento comunitário, seja pela razão que referi, seja por motivos que se prendem com as novas competências das autarquias e com o facto de a escola ter como missão desenvolver dinâmicas de educação e de formação que devem ir ao encontro dos interesses da comunidade.

 

Em termos práticos, de que forma se podem concretizar esses compromissos locais?

Os teóricos da regulação falam na regulação do controlo, na regulação conjunta e na regulação autónoma. Na minha perspectiva, igualmente defendida, entre outros, pelo professor João Barroso, ela passa pelo desenvolvimento da chamada Regulação Sociocomunitária da Educação, onde, através de compromissos sociais e locais, se trabalha no sentido de procurar resolver as questões de educação das populações e respectivas comunidades. Partindo nomeadamente da experiência que a Universidade Católica tem vindo a desenvolver na cidade da Trofa – a Trofa Comunidade de Aprendentes (TCA) –, é possível constatar que, em Portugal, reunimos condições excelentes para fomentar dinâmicas de intervenção e de regulação no estabelecimento de normas, de processos e, sobretudo, de dinâmicas educativas no seio da comunidade – na qual se pode incluir um centro de saúde, uma biblioteca, uma casa de cultura, a sede da Polícia de Segurança Pública ou da GNR, entre outras instituições, que se podem repensar a si mesmas na sua tarefa educativa. E desta forma podemos criar dinâmicas que levem a compromissos: entre duas instituições, no sentido de apoiar uma determinada iniciativa escolar; ou entre um centro de saúde e a escola, para acompanhar a saúde dos alunos e dos pais – e já agora dos avós, numa perspectiva intergeracional. Estes compromissos de carácter local e comunitário são fundamentais para a comunidade, sem eles é muito difícil melhorar a educação escolar. Os resultados do PISA, aliás, evidenciam que as escolas que obtêm os melhores resultados, em todos os países, incluindo Portugal, são as que estão inseridas em meios desenvolvidos do ponto de vista social, económico e cultural – e onde também geralmente as famílias têm uma actuação muito concreta ao nível do apoio escolar aos filhos –, nas quais se verifica, ao mesmo tempo, uma dinâmica cultural na comunidade que incentiva o gosto pela aprendizagem e pelo conhecimento.

 

Tendo isso em conta, não será necessário repensar o actual modelo de transferência de competências educativas para as autarquias? É comum ouvir a Associação Nacional de Municípios dizer que as câmaras não têm verbas para cumprir o seu papel...

O modelo faz sentido, mas evidentemente que as autarquias devem ser dotadas dos meios necessários para o fazer cumprir. Julgo é que esta transferência de competências deveria gradualmente corresponder a dinâmicas de carácter municipal, o que é algo bastante diferente. Na medida do possível, a órgãos com competências de governo local, que pensariam as questões da Educação em termos municipais e intermunicipais. Claro que existem competências que, do ponto de vista jurídico, faz apenas sentido atribuí-las às autarquias, mas, numa perspectiva de regulação sociocomunitária, faria mais sentido pensar as decisões locais em termos educativos – nomeadamente a interligação entre a educação escolar e a educação social – no quadro de uma actividade municipal mais robusta, mais consistente e de carácter sociocomunitário.

 

Defende a mudança de paradigma na organização do sistema educativo, no sentido de contrariar o que considera serem políticas de cariz centralista, estatista, e implementadas do topo para a base. Considera que esse é um caminho possível para contrariar esta tendência?

Sim, o que não significa que não tenha de haver regulação de controlo. Só que esta regulação não deveria ser feita a priori, como acontece hoje, onde as normas prevêem tudo o que é necessário e partindo daí tudo correrá bem... Porque é assim que o Estado age: é omnisciente, omnipotente, tudo sabe, tudo prevê, tudo determina. E de maneira igual para todas as escolas do país. Ora isto é um logro completo, é impossível que funcione bem. Trinta e seis anos depois do 25 de Abril, verifica-se que não resulta, e o Estado deveria ser o primeiro a perceber que a política subjacente às políticas de educação deveria partir de uma orientação geral muito clara sobre as grandes medidas, as perspectivas de desenvolvimento, o currículo, as principais concepções, etc., com as escolas, organizando-se num quadro de uma regulação sociocomunitária da educação, a deterem um papel decisivo na dinâmica da educação escolar e da educação na comunidade.

 

Isso implicaria uma mudança alargada em diversas áreas...

Sim, num quadro de autonomia muito forte e onde diversas instituições sociais, inclusive os próprios professores, pudessem desenvolver dinâmicas educativas comunitárias, criando até escolas independentes, como já acontece em muitos países, gerando novas dinâmicas escolares que permitam a cada família escolher o projecto educativo que julgue adequado para os seus filhos, seja numa escola pública, privada ou cooperativa. E onde o Estado interviria definindo a priori um conjunto de orientações a partir da Assembleia da República, preocupando-se depois fundamentalmente com o apoio às escolas. E para isso não precisaria desta administração, nem central nem regional, devendo basear-se, em vez disso, num sistema de agências, como já acontece em vários países, que existissem para apoiar, de facto, as escolas. Ao mesmo tempo, manter, no quadro da Inspecção-Geral da Educação, ou num quadro eventualmente mais alargado, uma dinâmica de verificação e acompanhamento do desenvolvimento dos processos, da correcção das assimetrias do ponto de vista social, regional e dos resultados, estabelecendo normas orientadoras que teriam de ser cumpridas. E sobretudo fazer tudo isto através do estabelecimento de contratos, porque um sistema desta natureza deveria evoluir numa base contratual e não numa base legislativa.

 

Falando de contratos e de resultados, numa entrevista ao jornal Público e à Rádio Renascença, afirmava que “a política educativa deve centrar-se nas escolas, baseando as melhorias em compromissos concretos e em objectivos anuais”. Como se podem concretizar estes objectivos sem que as escolas estejam dotadas de verdadeiros instrumentos de autonomia?

Pois, como estamos torna-se impossível continuar. Por isso defendo a tal mudança de paradigma. O paradigma na administração deve consistir na transferência de competências para as escolas, baseando-se num modelo de confiança e de responsabilidade. Atribuindo às escolas esse quadro amplo de autonomia, e num quadro de mudança radical da administração central e regional, teríamos condições para que deixasse de fazer sentido falar de reformas educativas. O fundamental, digo mais uma vez, é criar uma dinâmica que permita que cada escola, em cada comunidade, ensine cada vez melhor e em que todos os alunos, crianças, jovens e agora até os adultos, aprendam e tenham condições adequadas de desenvolvimento humano. Faz sentido que as escolas não só tenham uma autonomia alargada como devam ser incentivadas a estabelecer planos de melhoria. O paradigma de mudança via Diário da República tem de ser substituído por um paradigma de melhoria permanente, concreta, anual – aquilo que eu chamo os planos anuais de melhoria gradual de escola, delineados em cada escola ou conjunto de escolas, que, partindo de diagnósticos muito concretos da sua situação, dos interesses das demais instituições, da forma como vão interactuar, estabeleçam metas de melhoria que sejam simples e exequíveis. Nessa altura, celebra-se um contrato com o ministério, que pode também envolver a autarquia e outros parceiros, para levar por diante esses objectivos de melhoria. Aqui no Porto, por exemplo, as Comissões de Protecção de Crianças e Jovens identificaram cerca de duzentos adolescentes que anualmente não têm qualquer tipo de resposta educativa. Isto é dramático, sobretudo quando temos na cidade milhares de técnicos da segurança social, da justiça, da educação e de outras áreas. É impossível conceber que este conjunto de recursos humanos não consiga criar respostas educativas para todos... Essas é que são as questões a que devemos responder.

 

Por que razão se continua a falhar?

Falha-se porque, em grande medida, continuamos a discutir questões que não fazem grande sentido. A questão não é mais ou menos Estado – como muitas vezes se debate. Temos de quebrar esse ciclo, e, ao fazer-se essa mudança, julgo que o Estado também evoluirá para uma intervenção mais inteligente. Porque razão ao constatar nos rankings que as escolas que aparecem nos últimos lugares, com péssimos resultados, o ministério nunca avançou com nenhum programa de correcção dessas assimetrias? Porque razão não existem mecanismos de incentivo às escolas que têm maiores dificuldades, que estão em meios sociais e culturais e até económicos, de grandes dificuldades? Esses problemas, com a crise que actualmente vivemos, irão com certeza acentuar-se nos próximos anos. As escolas têm, no domínio social, um papel fundamental a cumprir, e esses problemas devem ser equacionados num quadro social alargado. E há por aí escolas com dinâmicas educativas óptimas que merecem ser apoiadas…

 

Há algum exemplo que gostasse de apontar?

Em Matosinhos, por exemplo, existe uma “escola de segunda oportunidade” que presta atendimento a estes jovens que mais ninguém aceita – nem o sistema escolar regular, nem os centros de formação profissional. E é uma escola que parte de uma associação privada, constituída por professores, ex-professores, técnicos da própria autarquia, que se juntaram para tentar criar respostas educativas novas.

 

No Debate Nacional sobre Educação houve quem defendesse precisamente que as escolas possam ser dotadas de personalidade jurídica própria, assumindo-se como entidades exteriores ao sistema educativo do Estado – como o exemplo que referiu. Considera válido este tipo de proposta?

Sim. E com ela não significa que estejamos a retirar ao Estado o seu papel. Eu não defendo a retirada triunfante do Estado do campo educativo. Penso é que existe alguma confusão de planos entre quem pode assumir-se como fornecedor de um serviço e quem deve ser capaz de garantir que esse serviço seja prestado com muita qualidade. Eu defendo um Estado que o garanta, e este não garante. Mais de três décadas decorridas após a implantação de um sistema democrático em Portugal, verificamos que está tudo praticamente no mesmo ponto de partida: os problemas de fundo, nomeadamente os que se prendem com a participação social e com a educação do ponto de vista comunitário e social, não estão resolvidos; que questões sociais como as desigualdades e as grandes assimetrias permanecem iguais. E que a escola é uma espécie de passevite onde se entra desigual e de onde se sai certificadamente mais desigual. A escola pode assumir-se como uma dinâmica muito mais interessante se mudarmos este paradigma. Acredito que é esse o desafio que temos pela frente.

 

Um dos estudos que integrou o debate, coordenado por José Matias Alves, concluía que, mais de 20 anos após a publicação da LBSE, se estava ainda muito longe de atingir as metas educativas preconizadas. Ao mesmo tempo, era referido que nesse período apenas foram introduzidas duas alterações à lei. Será preciso ir mais longe na reformulação da LBSE no sentido de concretizar essa mudança de paradigma?

Eventualmente, mas não me parece que essa seja a questão mais importante. A questão central prende-se com a orientação política para as políticas de educação. E nesse aspecto os partidos políticos têm uma particular responsabilidade. De resto, penso que a LBSE não deve ter um carácter programático – e ela assume-o em demasia. Nós temos é de ser capazes de resolver os problemas concretos das pessoas e avançar no terreno. Eu preocupo-me pouco com o que diz a lei ou a norma quando há tanta gente sem qualquer tipo de resposta educativa. Mesmo ao nível das escolas, as respostas educativas não proporcionam a qualidade que deveriam ter. Uma prova disso mesmo é o elevado grau de insucesso no 10o ano de escolaridade. O que temos, portanto, é de atacar pela frente estas questões e de sermos muito práticos e concretos. E, partindo da experiência que se for adquirindo, aí sim, fazê-la reflectir na lei e proceder a alterações. Apenas a título de curiosidade: nós fomos o primeiro país do mundo a decretar a escolaridade obrigatória de quatro anos, correspondente ao ensino primário, mas fomos o último país da Europa a pô-la em prática. A nossa capacidade de colocar as normas acima de tudo e de não responder aos problemas das pessoas já tem, como se pode constatar, mais de 150 anos…

 

Voltando à entrevista que deu ao Público e à RR, afirmava não ser possível criar uma dinâmica de confiança entre a sociedade e a escola sem respeitar os professores, dando deles e das escolas uma imagem negativa. Como restabelecer essa confiança quando ela estará hoje, porventura, mais abalada do que nunca?

Tal como já atrás havia referido, as escolas vivem hoje, de facto, num contexto de grande desconfiança, que se tem vindo gradualmente a acentuar em relação aos próprios professores. Ao mesmo tempo, a confiança dos professores relativamente à administração ficou, também ela, abalada. Está portanto criada uma situação que, pelo menos aparentemente, não será muito fácil de resolver. Mas, por vezes, podem ser precisamente estes os melhores momentos para se levarem a cabo as grandes mudanças – neste caso, a grande reviravolta que o sistema precisava de levar. Dir-se-ia ser preciso chegar a um ponto de quase ruptura para que estas necessidades de intervenção mais disruptiva na política que subjaz às políticas educativas se possam concretizar. Apesar de tudo, os professores e as escolas continuam a manifestar muita disponibilidade para colaborar, actuar e fazer acontecer as coisas. Aqui na universidade, por exemplo, temos essa experiência com o Agrupamento Escolar de Beiriz, na Póvoa de Varzim, que temos vindo a apoiar, nomeadamente no âmbito do Programa Mais Sucesso Escolar, que já envolve perto de cinquenta escolas de todo o país. Iniciativas às quais os professores respondem e nas quais se desenvolvem dinâmicas muito interessantes de envolvimento e de participação social.

 

Tema incontornável na actualidade, é o aumento da indisciplina nas escolas. Que medidas tomar para que os professores retomem a autoridade na sala de aula? Ou esta é uma questão que envolve muito mais do que a simples adopção de medidas pontuais?

A indisciplina é um dado real que devemos ter em conta quando se pensam as políticas educativas. Mas essa perspectiva deve ser tomada em consideração a par de muitos outras, porque sendo uma manifestação de um mal-estar latente, com origem em determinados aspectos e realidades sociais e culturais, é preciso perceber o que está subjacente a ela. De todas as maneiras, evidentemente que ela não pode ser tolerada no ambiente escolar. E é preciso, de facto, encontrar mecanismos no contexto escolar que ajudem a debelar a actual situação.

 

Uma maioria crescente de pessoas, incluindo muitos professores, defendem o reforço de medidas de carácter sancionatório. Concorda com esta posição?

Não. Tenho afirmado por diversas vezes que não sou defensor do reforço do securitarismo, porque ele tem origem na mesma lógica com que se decretam as mudanças através do Diário da República – que posteriormente se verifica não terem efeito sobre o contexto real. Uma vez decretada a mudança, ninguém se volta a preocupar com o assunto. Mas não é fazendo um novo estatuto do aluno ou reforçando as sanções que os problemas se resolvem, porque a realidade continua lá presente e inalterada. Na minha opinião, as soluções devem ser procuradas na própria comunidade escolar e com base na construção de laços que permitam uma relação mais harmónica entre todos os seus elementos, desenvolvendo uma confiança de parte a parte. E isso também se educa, também se desenvolve, seja através de compromissos com instituições locais, seja sobretudo com base no compromisso entre pais, famílias e escola. Costumo dizer que, 36 anos depois do 25 de Abril, deveríamos dedicar os próximos trinta a melhorar as nossas escolas e não a mudá-las. E, para isso, a confiar mais nos professores.

 

Tendo em conta que muito do que defende nesta entrevista passa pelo desenvolvimento de dinâmicas de carácter público, concretizadas sobretudo numa regulação de cariz sociocomunitário, que sentido adquire, na sua perspectiva, o conceito de espaço público da educação?

Por tudo quanto referi anteriormente, acabo por transpor muito desse conceito para o campo da regulação sociocomunitária da educação. O grande problema da educação em Portugal, em particular o da educação escolar, não é de carácter técnico – problemas dessa natureza saberão com certeza os professores e os profissionais da educação resolvê-los. O que nós temos de trazer para o espaço público é a questão da política subjacente às políticas de educação. E essa questão está em estreita associação com as grandes opções sociais da própria sociedade portuguesa, que afinal são as opções da comunidade, da polis – são opções políticas. E, actualmente, não há nenhum partido político em Portugal que defenda esta mudança de quadro. Nesse sentido, não tenho qualquer expectativa de que, nos próximos anos, consigamos melhorar a qualidade da educação. Porque continuamos a repetir os mesmos processos, ministros atrás de ministros, governos atrás de governos…

Ricardo Jorge Costa (entrevista)

Teresa Couto (fotografia)


  
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