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Não estamos habituados à pressão migratória e temos de aprender a lidar com isso

A Plataforma de Apoio aos Refugiados (PAR) nasceu para coordenar e mobilizar vontades: vontade de ajudar, vontade de pôr travão no sofrimento de quem foge da guerra, vontade de fazer algo de bom pelo mundo e pelos homens. Reúne instituições da sociedade civil e representa-as no Grupo de Trabalho para a Agenda Europeia da Migração, criado para aferir recursos disponíveis e estabelecer um plano de ação nacional no que toca ao acolhimento e à integração de refugiados. Em instituições anfitriãs da PAR, estão acolhidas cerca de 80 famílias. A PÁGINA conversou com Ana Rodrigues, da Comissão Executiva da PAR e consultora jurídica da Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade (CNIS), sobre a plataforma e a integração das famílias migrantes em Portugal.

 

Como foi criada a PAR?

O processo de criação da PAR foi absolutamente extraordinário. Quando esta crise de enorme afluxo de ‘refugiados’ – que, em rigor, ainda não o são – começou a ser patente para as populações, sentiu-se uma necessidade de mobilização muito grande, designadamente da sociedade civil. Isso já vinha acontecendo há muito tempo, mas tornou-se mais evidente a partir do verão de 2015, e especialmente na sequência da morte do Alan Kurdi.

O menino sírio que apareceu afogado numa praia da Turquia foi a grande chamada de atenção…

Foi a grande viragem. E em Portugal, seguramente, também. Nessa altura, por iniciativa do doutor Rui Marques, que é hoje o coordenador da PAR e que está à frente do Instituto Padre António Vieira, foram sondadas algumas pessoas e organizações sobre a sua disponibilidade para se organizarem e fazerem o que viesse a provar-se necessário. A CNIS foi uma dessas primeiras organizações a ser sondada e, evidentemente, a dizer presente. E foi um processo curiosíssimo, porque tivemos uma reunião preparatória e em duas semanas já estava toda a estrutura pensada e montada: organizações fundadoras, coordenação, secretariado… Quem ia ser responsável por quê, que tipo de intervenção, que modelo de acolhimento das famílias e porquê famílias, que tipo de condições iam ser necessárias... Portanto, foi uma coisa que verdadeiramente surgiu do nada.

E houve muita adesão?

A coisa curiosa é que havia tão boa vontade que num mês havia 300 organizações que se tinham disponibilizado para colaborar no que fosse necessário... E quando começámos a pensar em formação para voluntários e equipas técnicas das instituições anfitriãs, pensávamos numas dezenas de pessoas e tivemos mais de 700 inscrições para um curso, que tinha módulos presenciais… Levámos as mãos à cabeça e pensámos como é que íamos gerir essa vontade toda — tanta, que ainda hoje continuam a ser triadas as disponibilidades que foram manifestadas na altura. Entretanto, algumas esmoreceram, como é natural. Mas foi curioso, porque efetivamente foram meses em que se percebeu que a população estava verdadeiramente com vontade de deixar marca e de fazer alguma coisa. E a PAR foi uma forma de canalizar essa boa vontade.

E o Estado, está envolvido?

O Estado esteve desde sempre envolvido em todo o trabalho de acolhimento e integração de refugiados. Isso é especialmente notável se compararmos com a maioria dos países europeus, onde não tem havido tão boa vontade e tanta urgência em deixar uma marca positiva. E acho que a sociedade civil se tem sentido acalentada por isso, por perceber que o trabalho feito encontra acolhimento da parte institucional, do Governo. Relativamente à PAR, as organizações ligadas ao Estado central colaboram, mas não fazem parte, na medida em que a PAR é, de facto, a sociedade civil. 

Portugal tem um grupo de trabalho para a Agenda Europeia da Migração tutelado pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras [SEF]…

Grupo de trabalho em que a PAR está representada. Uma presença forte do Alto Comissariado para as Migrações [ACM], que tem vindo a ter cada vez mais relevo no acolhimento e na integração de refugiados em Portugal.

E quais são as funções da PAR?

São várias. Começou por ter duas grandes áreas de ação: PAR Famílias e PAR Linha da Frente. A PAR Famílias implica a coordenação e conjugação de esforços com as instituições anfitriãs, que acolhem e apoiam o processo de integração de famílias refugiadas, garantindo que se lhes encontre um alojamento adequado, funcionalmente autónomo, em que elas possam fazer a sua vida, também de forma autónoma, com apoio no acesso a serviços (designadamente, de Saúde e Educação), ao mercado de trabalho, etc. A PAR Famílias é responsável por encontrar instituições, diagnosticar a intervenção que pretendam fazer a nível do acolhimento e integração e, depois, apoiar o processo. E também por fazer a articulação com o SEF e o ACM.

E a PAR Linha da Frente?

A Linha da Frente começou por ser uma área de recolha de fundos para apoiar projetos de organizações parceiras que já estivessem a trabalhar no terreno e cujo trabalho conhecêssemos. Inicialmente, fizemos isso com alguns projetos no Líbano; depois, tendo em conta que havia voluntários portugueses a passar algum tempo na Grécia e que, lá, a situação começava a tornar-se verdadeiramente dramática, começámos a perceber que também fazia sentido criar uma equipa de voluntários para atuar em Lesbos e em Atenas. Inicialmente, era uma atividade mais de articulação, de diagnóstico de necessidades, de perceber como a PAR podia ir melhorando o seu trabalho, mas a certa altura percebemos que também era preciso ter uma intervenção direta com as pessoas, que estavam a ficar num limbo, paradas na Grécia durante muito tempo e sem uma solução à vista. Agora temos uma equipa em Atenas e outra em Lesbos e as atividades desenvolvidas têm estado direcionadas para a capacitação de jovens e para a educação não-formal; variam e evoluem em função das necessidades no terreno.

O excesso de pessoas nos campos é um dos grandes problemas…

Durante muito tempo, o que acontecia é que as pessoas iam chegando e continuando caminho, em direção ao norte da Europa. Em março de 2016, quando as fronteiras se fecharam na sequência da Declaração União Europeia-Turquia, as pessoas deixaram de poder continuar o percurso; mas também não podem ser devolvidas à origem, porque muitas têm pedidos de proteção internacional a decorrer e o sistema grego está tão sobrecarregado que o tempo de análise é muito grande. E a partir dessa altura, muitas pessoas ficam verdadeiramente num limbo.

A PAR também intervém ao nível de sensibilização da opinião pública.

Sim. É uma terceira área, que não foi inicialmente prevista como área institucional de intervenção, mas que é importantíssima e neste momento nos ocupa a todos em termos de tempo, energia e capacidade. Se calhar, nos primeiros meses, com toda a mobilização da sociedade civil, não era preciso tanto trabalho de sensibilização. Mas fomos percebendo que é preciso um trabalho constante de sensibilização, de desconstrução do que são mistificações à volta do acolhimento de refugiados, de medos que muitas vezes não têm razão de ser, mas, para quem ainda não parou um bocadinho a pensar e a falar sobre isto, são medos que se avolumam, e isto, às vezes, deixa marcas na própria comunidade de acolhimento. Por isso, este trabalho é importantíssimo e tem de ser constante. E tem sido. 

Portanto, continuam a fazer sessões de esclarecimento.

De início, organizávamos sessões de esclarecimento e de sensibilização muito por iniciativa nossa. Mas a certa altura começámos a ter muitas solicitações de entidades externas que organizam conferências, seminários, formações, debates, tertúlias ou até espetáculos, e o que tem acontecido é que temos tentado dar o máximo de resposta a essas solicitações.

E no terreno, quem dá a conhecer Portugal para os programas de recolocação?

Essa função é da Organização Internacional para as Migrações [OIM]. O programa de recolocação é um programa europeu e o Gabinete Europeu de Apoio ao Asilo (EASO) tem feito um trabalho muito grande de divulgação, como funciona, quem abrange… Relativamente às famílias que vão ser recolocadas em Portugal, em concreto, quem dá a informação é a OIM. Mas nós temos mantido — porque se tem revelado necessária — uma linha de comunicação constante.

O grupo de trabalho exige mesmo uma grande coordenação entre instituições.

Sim. Mas as admissões são feitas e geridas pelo SEF, como aliás com todos os cidadãos estrangeiros que chegam a Portugal. A recolocação é um processo muito complicado, porque nenhum país escolhe os refugiados em concreto que vai receber, nem os refugiados escolhem em concreto o país para onde vão.

Mas manifestam vontade.

Exatamente. Eles listam os países em que têm vontade de poderem vir a ser recolocados e os países têm perfis que estão disponíveis para acolher, até em função do alojamento disponível. Depois, o encontro de vontades é feito pelas autoridades da primeira linha do acolhimento. É importante dizer que o programa de recolocação não prevê que as pessoas possam escolher, e uma das grandes dificuldades de execução do programa tem sido essa. O programa de recolocação foi feito para aliviar os Estados-membros mais pressionados e sobrecarregados em termos de chegadas de primeira linha, mas sem que isso seja penalizador para os países que são objeto de maior interesse da parte de quem chega. Ou seja: por um lado, tirar o peso da Grécia e da Itália; por outro lado, não o transferir, designadamente, para a Alemanha e a Suécia, que são os países mais procurados. Portanto, há que encontrar um equilíbrio – o problema é que o programa acaba por não atender à complexidade humana de uma crise humanitária nestes moldes, porque o que acontece é que, de facto, as pessoas não só nunca ouviram falar de Portugal como têm um projeto de vida que muitas vezes pode passar por outros países. 

E muitas procuram os familiares…

Por exemplo, uma família que esteja na Grécia e tenha um familiar na Alemanha, vai para lá, não por via do programa de recolocação, mas do reagrupamento familiar. O problema é que, muitas vezes, as pessoas têm familiares remotos, amigos ou alguém que conhecem, que lhes explicam onde estão, como estão e em que condições estão, e as pessoas imaginam um projeto de vida – e quando as pessoas têm um projeto de vida na cabeça, é difícil mudar o ‘chip’. Nós temos recebido pessoas que ficaram mais de um ano paradas em campos ou em abrigos, porque chegaram antes de março de 2016, e que já construíram todo um processo mental que pode passar ou não por Portugal. A certa altura, o que também acontece é que as pessoas veem em Portugal a única forma de saírem do limbo em que estão. E às vezes isso não passa com clareza para a opinião pública. Não é não quererem vir para Portugal, não é não gostarem, não é estarem pouco agradecidos... É que, verdadeiramente, Portugal ofereceu-lhes a única saída possível e quando chegam cá, o que vão tentar fazer, provavelmente, é seguir o projeto de vida delineado à partida.

É esse o principal motivo para as saídas que, por vezes, acontecem?

Como isto são processos verdadeiramente humanos, é sempre difícil extrair regras gerais. Mas falando por aproximação, aquilo que a PAR tem percebido – e eu também, na minha vertente de investigadora – é que existe essa tentativa de conseguir concretizar o projeto de vida seja por que via for, e o que lhes é oferecido, naquele momento, é poderem vir por Portugal. Há, também, uma dificuldade muito grande, que não temos propriamente como contrariar, que diz respeito à contrainformação que as pessoas vão recebendo. E recebem muita, designadamente de pessoas que já chegaram à Alemanha. Eles estão sempre em rede – é uma forma de se protegerem – e trocam muita informação, olham para o vizinho do lado, a ver as condições, se está a correr melhor ou pior... E aquilo que tem chegado são ecos de como funciona na Alemanha. E lá é um bocadinho o caos, porque de repente eles foram confrontados com a enchente de pessoas com necessidade de proteção internacional. Os serviços não são capazes de dar resposta e, portanto, as pessoas ficam durante muito tempo sem resposta. Isso implica que tenham acesso a apoios sociais que, do ponto de vista absoluto e nominal, podem ser incomparáveis aos portugueses… Neste momento, numa avaliação objetiva, as condições concretas são piores na Alemanha, mas quem as ouve em abstrato, depois não as compara. O que tem acontecido é que as pessoas recebem informação que nem sempre é fiável e isso, de alguma forma, também dita que tentem ir à procura do que lhes parece ser o melhor.

A necessidade de encontrarem algo melhor para reconstruirem as suas vidas…

Querem encontrar uma solução, construir uma vida. Há uma subtileza interessante, quando se fala das pessoas que vão embora. Há muita gente que diz que fugiram, mas não fugiram, porque elas são livres de sair de Portugal – o problema é que são livres de sair, mas não são livres de permanecer noutro Estado-membro da União Europeia, porque Portugal é que tomou a cargo a análise do seu processo de proteção internacional. Portanto, se forem encontradas pela autoridade de outro Estado-membro, à partida, haverá um processo de retoma a cargo.

 

 

Como funciona essa questão burocrática?

O programa de recolocação é um programa excecional, o que significa que funciona com regras gerais e com algumas adaptações que fazem toda a diferença. O programa está definido só para determinadas nacionalidades e entrando no programa, já há uma espécie de indicador de que haverá necessidade de proteção internacional e, portanto, elegibilidade para um procedimento de asilo no país de recolocação. Acontece que o Estado grego, que seria o responsável natural para analisar o processo, o transfere para Portugal. À partida, essa análise devia ser mais expedita, mas, efetivamente, as estruturas não foram muito alteradas, são mais ou menos próximas do que eram antes. E isso significa que durante muito tempo as pessoas têm o seu estatuto indefinido – estão perfeitamente regulares, mas não sabem exatamente como as coisas se vão concretizar. Isto não tem implicações nenhumas ao nível da maioria dos seus direitos, mas tem uma implicação numa dimensão pessoal importante, que é o reagrupamento familiar – de acordo com a lei portuguesa, só um refugiado com estatuto reconhecido tem direito a pedir o reagrupamento familiar. Imaginando uma família acolhida que tem, por exemplo, dois filhos que ficaram no Líbano: para se trazer os filhos é preciso que decorra o prazo de análise do processo. E isto também se relaciona com a contrainformação, porque as pessoas ouvem, verdade ou não, que os processos de reagrupamento no país X são mais rápidos. E isso também as faz sair de Portugal, à procura de outro sítio em que achem que o processo se vai resolver mais facilmente. Isto é uma teia intrincada, com muito fatores que podem ser dissuasores de permanência.

Talvez por ser um terreno novo. Mas parece existir muita burocracia.

Acho que se nota a nível nacional, mas também das instituições europeias e das soluções. Por exemplo, o programa de recolocação até podia ser uma ferramenta que ajudasse a tornar as coisas mais expeditas e mais céleres, mas o que aconteceu foi que as pessoas que chegaram à Grécia, a partir de março de 2016, deixaram de ser abrangidas pelo programa. Ou seja, mesmo as soluções criadas e que podiam resolver algumas coisas acabaram por não se materializar. O que se tem feito a nível europeu, parece-me, é tentar reciclar soluções para situações que são novas. E às vezes é preciso pensar nas coisas a fundo e criar mecanismos que materializem uma solução, e não apenas dissuasão. O problema é que também há muita falta de vontade política para resolver as coisas, porque quando se querem fazer as coisas, fazem-se. E quando temos um número expressivo de países que tem tudo menos vontade política de resolver a situação, se calhar não se vai resolver, por muito boa vontade que alguns países tenham, como Portugal tem.

As famílias recolocadas são só da Síria?

O programa prevê que as nacionalidades abrangidas sejam as que no trimestre anterior tenham registado uma taxa de aprovação superior a 75% dos pedidos de asilo: se mais de 75% de todos os pedidos de asilo feitos nos vários países da União Europeia por nacionais sírios tiverem sido aprovados, a nacionalidade síria continua no programa; se menos de 75% tiverem sido aprovados a nacionalidade síria sairá do programa. Com a Síria, isso nunca aconteceu. Mas os afegãos, por exemplo, nunca estiveram no programa, porque nunca tiveram taxas de aprovação nos vários países superiores a 75%. Por alguns motivos que até se explicam com facilidade: por exemplo, na Alemanha, a tendência tem sido negar proteção internacional a nacionais afegãos por entenderem que no Afeganistão há zonas seguras – então, mesmo que a pessoa seja de uma zona não segura, o que deve fazer é ir para uma zona segura no seu país, em vez de pedir proteção internacional na Alemanha. Isto é discutível, a todos os níveis, mas tem sido o fiel da balança para estar ou não no programa.

Em Portugal, as famílias têm apoio durante quanto tempo?

Para a PAR há um compromisso de dois anos. O que é um bocadinho diferente das outras entidades de acolhimento, porque o programa de recolocação foi definido, a nível nacional, para 18 meses. Na altura, quando se começou a definir estes procedimentos, a PAR entendeu que, para haver uma transição mais facilitadora e mais suave para a autonomia, os dois anos seriam um limite de tempo mais razoável – o valor financeiro é exatamente o mesmo, mas em vez de ser dividido por 18 meses é dividido por 24. De salientar que as próprias decisões europeias que estabelecem o mecanismo de recolocação têm uma durabilidade limitada, aplicando-se aos requerentes que cheguem ao território da União Europeia até setembro de 2017.

Dois anos para a reconstruir uma vida noutro país, aprender uma nova língua, encontrar um emprego... Isso não causa angústia nas famílias?

Para a PAR, sim, porque a verdade é que, no final desses dois anos, ainda não sabemos se elas vão estar verdadeiramente autónomas. Aquilo que esperamos é que fiquem, mas também nos preocupa o que acontecerá se não tiverem as ferramentas necessárias para o processo de autonomização. É evidente que há essa preocupação, e tem sido prioridade da PAR – e também, parece-me, do Estado português – começar a pensar em estratégias de empregabilidade para estas pessoas. O que também nem sempre é fácil, porque muitas vezes as pessoas vêm com expetativas de que vão reconstruir a sua vida exatamente nos moldes e de acordo com o que estavam habituadas no país de origem, e não será isso que acontece. Porque quando as pessoas chegam a um país acabam por, de alguma forma, ter de se acomodar ao que existe, já que nada vai ser criado de novo. E este ajustamento de expetativas também é difícil. Para eles e também para nós conseguirmos fazer passar a mensagem de forma eficaz: não há quebra de dignidade em tentar fazer uma coisa diferente…

Quanto à língua, de que forma têm acesso aos cursos de Português?

Há uma via institucional, através dos cursos Português para Todos, do IEFP [Instituto do Emprego e Formação Profissional], mas implica a criação de uma turma, o que nem sempre é fácil, tendo em conta que é preciso gente suficiente para abrir a turma e o processo de acolhimento é relativamente descentralizado. E há uma segunda via, menos institucional, que é através das instituições anfitriãs, que encontram professores voluntários. O que por um lado é melhor, porque há um apoio mais direto, mais individualizado, mas por outro, muitas vezes, não é um apoio especializado – são professores de Português, mas não são professores especializados em ensino de língua não materna.

E no acesso ao mercado de trabalho, quais são as grandes dificuldades?

Quanto a mim, há duas grandes dificuldades. Por um lado, a língua, sem dúvida: para o Inglês, mesmo quando as pessoas não sabem, há mais facilidade na aprendizagem, porque já ouviram, conhecem pela música, etc.; quanto ao Português, de facto, é uma língua difícil, complicada de aprender. Por outro lado, a questão das expetativas também pode ser um problema grande: que as pessoas aceitem que, para se autonomizarem, se calhar, vão ter de repensar a sua estratégia de vida, que não vai poder ser exatamente nos moldes em que era…

Mas não é possível alguém que tenha sido professor, médico, enfermeiro, contabilista, etc., voltar a exercer aqui o seu ofício?

Claro que é possível, mas seguramente demora mais tempo. Não está à mão de semear. Às vezes demora, não só porque é a natureza das coisas e porque há muitos empecilhos no caminho, mas porque aquela necessidade existe, efetivamente, mas noutra cidade, e a pessoa não sabe, ou então não existe… Portanto, não é muito fácil ter a certeza de que as pessoas vão conseguir fazer exatamente o percurso que fizeram. De qualquer forma, nós temos trabalhado muito ao nível de estratégias de empregabilidade – para nós, é uma preocupação grande e uma prioridade nesta altura, porque já temos pouco tempo e achamos que, quando acabar o apoio, as pessoas têm de sentir que conseguem ser autónomas.

Para terminar, como tem sido o acolhimento de todo este processo por parte da sociedade civil?

Tem sido bastante positivo. Há receios, e acho que é importante estarmos conscientes deles para podermos trabalhar no sentido de os afastar. E vamos percebendo que alguns são perfeitamente legítimos, os de choque ao nível cultural, de como é que vai ser… Portugal não está habituado a ter uma pressão migratória muito grande, não está habituado a ter tantas pessoas de origens tão diferentes, e tem de aprender a lidar com isso. E é importante que tenhamos noção de que essa aprendizagem não se faz sozinha. É preciso que todas as entidades envolvidas no processo ajudem as pessoas a refletir, a pensar, a apaziguar os receios. Mas, no geral, acho que as várias comunidades de acolhimento têm sido muito abertas, muito recetivas, e isso enche-nos de esperança e de orgulho. Aliás, Portugal é, em geral, um exemplo de excelência ao nível da integração de migrantes, ano após ano e não há razão para que não continue a ser.

E perspetivas para o futuro?

Não sabemos exatamente como é que as coisas vão evoluir, a vários níveis. Os prazos do programa de recolocação estão a terminar – foi aprovado em setembro de 2015 e os dois anos de duração estão quase a vencer-se. É preciso reavaliar e perceber como vai evoluir daqui para a frente. De qualquer forma, do ponto de vista da PAR, achamos que é preciso continuar com disponibilidade total.

Maria João Leite (entrevista)

Ana Alvim (fotografia)


  
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