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Bom professor é aquele que tem uma ótima relação com os alunos

"Hoje, pelo menos do ponto de vista académico, não existe nenhuma razão para que haja diferentes tipos de identidade [docente]: hoje, todos os professores têm obrigatoriamente um mestrado, e desde ‘98 todos tinham obrigatoriamente uma licenciatura. Mas persiste outro aspeto, que é o caráter mais ou menos complexo da atividade docente – os do Ensino Secundário acham que o seu trabalho é mais complexo do que o do 1º Ciclo, e vice-versa. Esta competição existe, é real." Manuel António Silva participou recentemente numa iniciativa do Sindicato dos Professores do Norte sobre identidade profissional e a PÁGINA aproveitou para, no início de mais um ano letivo, colocar ao professor do Instituto de Educação da Universidade do Minho (e colaborador da revista) algumas questões pertinentes.

 

Ser professor em Portugal não está fácil…

Não, mas não é de agora… Em Portugal, a história da profissão tem contornos caricatos, porque ela não era regulada pelo Estado. Os poucos professores que existiam era pagos ao nível local, pelas famílias, e tinham dificuldades em fugir ao controlo que, no fundo, elas exerciam sobre eles. Com o Marquês de Pombal, a centralização do que existia do ponto de vista educativo era fundamental, e isso foi compaginável com o interesse dos professores, que se viam livres das amarras. Uma centralização acentuada depois com o modelo francês, em que todas as escolas têm de fazer as mesmas coisas à mesma hora, que é uma forma de regulação da ação por controlo remoto. Portanto, a profissão docente foi sempre construída com base no controlo à distância, mas uniformizável. Isto é, os professores, efetivamente, nunca tiveram poder para definir os conteúdos do ensino.

Isso convoca a questão da autonomia. Mas não é importante haver uma base comum?

A uniformização das normas regulatórias da ação pode ser pelos princípios. A Lei de Bases do Sistema Educativo (LBSE) é um conjunto de princípios orientadores da ação, que não é incompatível com o exercício profissional ao nível do local. Por exemplo, na reforma que está a ocorrer agora na Finlândia, 30 por cento do currículo vai ser obrigatoriamente definido ao nível local. Pergunta: e depois não vai haver discrepâncias? Mas em que sentido? Os conhecimentos que as escolas vão trabalhar com os alunos nunca são inúteis; a não ser que todos os conhecimentos sejam inúteis… Isto para dizer que não é preciso haver normas muito rígidas para regular a ação. Outro exemplo: em Espanha, cada província é autónoma para definir o currículo que dá às suas populações – até do ponto de vista linguístico – e não é por isso que as pessoas de lá são melhores ou piores do que as de outros países. São formas diferentes…

Portanto, deveria haver mais autonomia.

Quando se deu o 25 de Abril, eu era aluno do Ensino Secundário. Nessa altura foi necessário pôr os manuais todos no lixo, porque eles veiculavam uma ideologia, e durante dois ou três anos não havia manuais em nenhum nível de ensino. Os professores tinham de arranjar materiais para trabalhar com os seus alunos. E como cada professor fazia uma pesquisa no sentido de levar textos diferenciados para a sua aula, e estamos a falar de coletivos, a riqueza da informação que entrava na escola era muito superior à que entrava com os manuais – elementos de controlo externo, que as pessoas utilizam cada vez mais, porque simplificam as suas práticas. E ao mesmo tempo mutilam a autonomia das escolas. Mas as pessoas preferem o que facilita a vida; até já há manuais para planificar aulas…

Quando se fala de classe docente, a divisão entre professores é uma questão recorrente. Isso não ajuda a uma identidade profissional, pois não?

Não, mas é constitutivo do professorado que temos. A classe docente foi sendo produto de diferentes géneses. Temos de trazê-las para cima da mesa e perceber o que é importante aproveitar dessas diferenças e o que não é. Hoje, pelo menos do ponto de vista académico, não existe nenhuma razão para que haja diferentes tipos de identidades: hoje, todos têm obrigatoriamente um mestrado, e desde ‘98 todos tinham obrigatoriamente uma licenciatura. Mas persiste outro aspeto, que é o caráter mais ou menos complexo da atividade docente – os do Ensino Secundário acham que o seu trabalho é mais complexo do que o do 1º Ciclo, e vice-versa. Esta competição existe, é real.

A avaliação também é fator de divisão?

A avaliação contribui para isso. Porque não está feita para produzir o que afirma produzir, que é a melhoria da qualidade da Educação e das relações profissionais. Pelo contrário, ela é construída tomando como base a hierarquização das pessoas em termos de qualidade… Para mim, bom professor é aquele que tem uma ótima relação com os alunos e que contribui para a sua evolução como seres humanos, a todos os níveis, e não o que está sempre a dizer que tem de ser melhor do que os outros, que tem de ter as melhores notas… Isto leva claramente a que olhemos o outro sempre como um adversário, como alguém que temos de eliminar.

Então, como se constrói a cultura profissional docente?

Essa é a pergunta de um milhão de dólares. Se eu fosse ministro, além dos princípios gerais que estão consagrados na LBSE, dava toda a autonomia às escolas para produzirem a sua atividade, o que também significava que depois responderiam perante o que fossem os seus resultados. Digamos: são as escolas que têm de resolver os problemas da disciplina, das aprendizagens… Porque ninguém resolve esses problemas por elas. Licínio Lima escreveu que as escolas são centrais do ponto de vista educativo e periféricas do ponto de vista político. Isto é, as escolas não são chamadas a pronunciar-se para a construção do edifício político e pedagógico que orienta o seu trabalho, mas são chamadas a executar tudo isso. O Ministério da Educação, pelo contrário, é central do ponto de vista político e ausente do ponto de vista educativo. E do ponto de vista educativo, não pode substituir-se à Escola, porque essa é uma tarefa que lhe é inerente. Já em ’95, António Barreto dizia que o modelo centralista estava esgotado. Por que carga de água é que continua a reforçar-se? Dá ideia que há uma desconfiança dos poderes instituídos em relação às escolas e aos professores. Acham que não são capazes?

A imagem social dos professores é boa?

Na minha opinião, é. Mas parece que não fazem ideia do poder enorme que é marcar a agenda das pessoas, marcar quem somos todos nós.

Maria João Leite (entrevista)
Henrique Borges (fotografia)


  
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