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Vivemos uma democracia minguada

Carlos Ferreira é o autor do livro «40 Vidas por Abril» (editora Modo de Ler), que reúne 40 testemunhos que retratam a vida antes do 25 de Abril de 1974. À PÁGINA, Carlos Ferreira falou da obra e da importância destes testemunhos 41 anos depois da Revolução dos Cravos.

Como surgiu a ideia de fazer “40 Vidas por Abril”?

Este livro surgiu através do José Cruz dos Santos, que é um editor com um larguíssimo trajeto e que conheceu muito bem o fascismo. E que também me conhece muito bem. Fez-me o convite para fazer este livro e para mim foi empolgante fazê-lo. Fui escolhendo as pessoas e digo no livro que todas elas estão vivas, porque embora em termos físicos haja pessoas que já não estão entre nós há uma certa eternidade à volta delas, pela luta que tiveram, pelo empenhamento, pelo caráter, pela generosidade e pelo legado que deixaram. Portanto, é muito gratificamente ter organizado um livro destes.

São testemunhos de vida…

São. E gostava muito que este livro chegasse às escolas; não por mim, não tem nada a ver com qualquer espécie de vaidade pessoal, mas porque a juventude sabe pouco deste período negro, tão nefasto, tão sombrio e que fez mal a tanta gente. Por exemplo, está no livro uma pessoa que é filha de um “tarrafalista” – ele também está no livro. A Maria José, que agora tem 70 e tal anos, tinha nove meses quando o pai foi para o Tarrafal e voltou a conhecê-lo quando tinha 17 anos. Ele esteve lá 16 anos e felizmente conseguiu sair vivo. E neste livro estão muitas outras histórias de pessoas simplicíssimas. Não se procurou ter aqui testemunhos de grandes dirigentes políticos, mas de pessoas comuns, com as profissões mais diversas: há uma carquejeira como um médico, uma costureira como um advogado, uma professora como um pescador. Há aqui uma panóplia grande de gente que fez coisas diversas, mas a sua importância é exatamente igual.

Porquê estas 40 pessoas e não outras?

Tinha de fazer uma escolha. Podia pôr aqui o testemunho de 200 pessoas, mas entendeu-se que seria feito com 40. E dentro disso, procurei fazer uma escolha o mais justa possível, abarcando este universo variado de gente. Estão no livro médicos, mas também está a dona Palmira, que era carquejeira e que só após o 25 de Abril é que conseguiu dar uns passeios. Diz ela, “até consegui ir ao Jardim Zoológico”, o que para ela foi uma conquista fantástica. Trabalhou como uma moura; ela, carquejeira, e o marido, carrejão. Morreu com 102 anos, essa estóica mulher. Portanto, toda esta gente está em pé de igualdade, todos eles têm o mesmo direito de estar neste “40 Vidas por Abril”. Procurei alargar o mais possível esta variedade de gente, mas não negando a história. Não posso negar a história.

E 41 anos depois do 25 de Abril, qual é a importância destes testemunhos?

São importantes por estarmos a sentir que vivemos uma democracia minguada.

Ainda vivemos os valores de Abril?

Vivemos mas têm esmorecido um pouco. Digamos, há quem faça muito para que eles, não digo que desapareçam, mas para que fiquem escondidos. E isso é muito mau, porque o 25 de Abril abriu uma grande janela para o povo português, como povo fechado, que não sabia quase nada, com um índice de analfabetismo enorme. E fizeram-se grandes conquistas. Mas hoje em dia os diversos governos que temos tido, que eu acho que desgovernam mais do que governam, têm tentado destruir as grandes conquistas de Abril, o que me angustia.

Maria João Leite

Henrique Borges (fotografia)


  
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