A vida é o entretenimento mútuo no intervalo da comida (Aristófanes, em «Os Crocodilos» * )
Muitas vezes penso que, de facto, a vida é andarmos a entreter-nos uns aos outros. Os humanos são confrontados com a morte – algo universal e ao mesmo tempo decisivo em termos individuais. O aleatório faz-nos ver a realidade: é algo independente de nós, que acontece. A culpa é a forma pela qual nos consciencializamos. Vivemos numa era vazia em termos de ideais. A juventude ocidental tornou-se (como os pais) mera consumidora de bens, algo profundamente diferente de valores. Não admira que jovens europeus se convertam ao islamismo radical, terrorista e criminoso, pensando encontrar aí um escape. É curioso que tanta gente busque ‘ideologias de consolo’. Existem religiões totalitárias – que pretendem reger a outra vida começando já por regular esta (na culinária, vestuário ou sexualidade) – ou ideologias políticas de salvação e de explicação global para tudo. Mas nada explica tudo. Como disse Hannah Arendt, referindo-se à Alemanha do pós-guerra, “as pessoas deixaram de ter uma linha oficial que as oriente (...) a atmosfera intelectual é toldada por generalidades vazias e sem objeto (...) sentimo-nos oprimidos por uma espécie de estupidez pública invasora, incapaz de ajuizar saudavelmente os acontecimentos mais elementares” [«Compreensão Política e Outros Ensaios», Relógio d’Água]. O futuro está aberto e é incerto, parece ser muito difícil aprender com erros cometidos e os que pretendem explicar o passado como um encadeamento de acontecimentos que fariam com que o que se passou tivesse de ser assim sejam, como também notou H.A., uma espécie de “profetas do passado”. Teríamos assim uma “pós-visão meteorológica” em vez de “previsão”. Numa altura em que não conseguimos explicar o que nos sucede, sentimos que muitos ‘algos’ correm muito mal. O planeta torna-se um meio degradado em termos dos nossos interesses, o desgoverno geral do mundo atinge proporções ainda há poucos anos inconcebíveis, com poluições, alterações climáticas, problemas demográficos e sociais (com a má distribuição da riqueza, o envelhecimento populacional ou o analfabetismo a permanecerem no cotidiano). Pensava-se que a população mundial iria parar de crescer ao atingir nove mil milhões, mas um estudo recente diz que continuará a crescer. Até quando? Pelo menos até 2100, segundo esse estudo, da Universidade de Washington e das Nações Unidas.
Quadro sombrio. Portugal é hoje um país sem crianças nem jovens, tendo encerrado sete mil escolas públicas entre 2001 e 2013. O número de analfabetos, que no começo do século XX era de praticamente 0% em vários países europeus, atinge aqui, hoje, 500 mil residentes (cerca de 5% da população). Não sabemos o que vai suceder, mas sabemos pelo menos isso... Os desafios que um país com 10 milhões de pessoas (e a perder população) tem pela frente são enormes. Sem educação, com uma desorientação generalizada entre dirigentes, nem sequer se consegue clarificar o que se pretende para o ensino. Formar para o trabalho? Deixar que os jovens estudem Grego ou Latim se gostarem? E quem é o mundo do trabalho? Quem são os mercados? Quem legitima os dirigentes de entidades com interesses próprios e muitas vezes antagónicos que chefiam a banca, o mundo empresarial e, por reflexo, o mundo da política? Nas universidades procura-se uma adaptação a este mundo em constante mudança, sem destino certo. Parece muito difícil conseguir tal adaptação. A pluralidade de propostas de ação política é contraditória e muitas vezes impossível de ter em conta. Num quadro tão sombrio, a proposta feita por António Barreto – considerar o Serviço Nacional de Saúde um desígnio nacional – é óbvia e clara. Os desígnios da Bélgica ou do Luxemburgo não andarão muito longe disto: tentar viver com (alguma) qualidade.
* Aristófanes não escreveu «Os Crocodilos»
Carlos Mota
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