Estive, há já alguns dias, em Phnom Penh, no Camboja; sou uma entre um crescente número de visitantes que voltou para o que antes era a sua terra natal, ou, como eu, intrigada com as lutas de uma nação perante a sua própria reconstrução, após ter sofrido incisões muito profundas na sua cultura, economia e psique. “Posso levá-la aos Campos da Morte”, disse o taxista do aeroporto, ansioso por alinhar trabalho para o dia seguinte. Recusei, não porque não estivesse interessada, mas porque de alguma forma não me pareceu certo ir a um tão casual destino de turismo. Mas a impensável tragédia confrontou-me no dia seguinte, enquanto conversava com um artesão local. Contou-me, no seu excelente francês, que tinha sido educado em Bordéus, depois de a Cruz Vermelha francesa o ter tirado das ruas, como órfão, perto da fronteira com o Vietname, e o ter enviado para França, para que pudesse estudar Arquitetura. A sua mãe, uma artista, e o seu pai, treinado para ser piloto, foram executados pelo exército Khmer Vermelho de Pol Pot, juntamente com o resto da sua família. Passados muitos anos, regressou ao Camboja para montar um negócio de design de joias, seguindo o conselho de amigos que lhe disseram que ele era necessário. Mas como voltar para um passado tão doloroso, tão cru e ainda tão presente? Virando-se para um dos pingentes com forma de estrela, que ele próprio tinha feito, recordou como a mãe sempre lhe dizia: “com a estrela a guiar-te estarás sempre bem”. Mas ele não está. Nem está o Camboja. A estrela tinha um buraco. “O meu trabalho é muito pessoal”, disse-me ele. “É uma maneira de me permitir confrontar com o meu passado, a minha história, o nosso passado, a nossa história”. Apontando para o pingente de estrela-do-mar, o seu dedo percorreu no ar as linhas de finos fios de prata que a formavam, como se reparasse as fendas da peça. “Precisamos de compor novamente as coisas para aprendermos como ser humanos, para contornar as tentações do excesso, da ganância e da corrupção”, disse ele. “Temos de encontrar a base da nossa humanidade na vida de todos os dias; e não ignorar as metáforas e as memórias que são como uma referência dos caminhos que não devem ser pisados novamente”.
A explicação foi muito comovente e levou-me imediatamente a pensar sobre os protestos que têm confrontado muitos governos em todo o mundo; desde a Primavera Árabe até à ocupação de Wall Street; desde as reivindicações do movimento 99%, que argumenta que o seu futuro foi roubado, até ao protesto dos estudantes chilenos que exigem que as escandalosas desigualdades sociais sejam confrontadas através de um Ensino Superior gratuito e não mais caro. 2011 foi um ano tumultuoso e, neste momento, esse é um padrão que promete continuar em 2012, já que os governos continuam a fazer cortes profundos na despesa pública (incluindo a Educação), ao mesmo tempo que continuam a cortejar as grandes empresas, o setor das finanças e da inovação com base na Ciência e Tecnologia. “São demasiado grandes para falhar”, dizem-nos. Certamente, um sistema de educação financiado com recursos públicos também será uma ideia muito grande para falhar. É claro que a educação, propriamente, não é uma ideia pacífica. São sobejamente conhecidas as alusões à conceção de educação como um mecanismo de triagem e classificação de profissões e como uma forma de conferir status social. Contudo, a educação também tem a capacidade de enriquecer as nossas vidas e a nossa compreensão de nós mesmos e da sociedade através das artes e das maravilhas da ciência; é uma maneira de conhecer o nosso passado e imaginar os nossos futuros. Depois de três décadas de neoliberalismo, podemos, com segurança, dá-lo como uma experiência falhada – social, politica e economicamente – e, em particular, em áreas como a educação. Os sistemas de educação neoliberais, com a sua ficção de liberdade de escolha e corrupção do bem público, têm causado profundas brechas e ruturas nas nossas sociedades. A evidência de desigualdades sociais crescentes, que não estão a diminuir, rodeia-nos por toda a parte. Assim, talvez possamos ser inspirados pela reparação da estrela-do-mar e procurar maneiras onde seja possível encontrar a educação novamente; uma educação plenamente consciente do seu passado recentemente danificado, mas com esperança num futuro que nos reconduza à nossa humanidade comum e não àquele que explora as nossas diferenças.
Susan L. Robertson
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