Os resultados dos exames voltaram a encher as páginas dos jornais, talvez para confirmar que, como titulava o Público de 24.07.2011, as “Escolas prepararam mal os seus alunos”. Ainda que nos apetecesse discutir os riscos inerentes a uma concepção de trabalho escolar cujo sucesso se subordina aos resultados expectáveis que os estudantes obtenham nos exames nacionais, parece-nos mais interessante, neste momento, olhar para alguns dados disponibilizados acerca dos exames de Matemática do 9º e do 12º anos e reflectir sobre o seu impacto.
No trabalho jornalístico de Clara Viana (um texto sério e bem fundamentado), ficamos a saber que Hélder Sousa, director do Gabinete de Avaliação Educacional (GAVE), considera que os pontos fracos dos alunos revelados pelo exame do 9º ano têm a ver com questões que “envolvem as aprendizagens e a mobilização de diferentes temáticas como a álgebra/funções e geometria (questão 13); que requerem capacidade de abstracção (14.3); que envolvem a leitura e interpretação de um texto e mobilização de vários conceitos (questão 8); que implicam a interpretação e tradução de um conceito (14.1)”. Quanto aos alunos do 12º ano, o mesmo responsável constata que o problema está no cálculo dos limites e das probabilidades, assim como com o “desenvolvimento de raciocínios demonstrativos, com a resolução de problemas da vida real e com a utilização da calculadora gráfica”. É perante este tipo de diagnóstico que teremos de nos deter, sobretudo quando o presidente da Sociedade Portuguesa de Matemática se limita a propor, no mesmo artigo, que a resposta para os problemas enunciados passa, essencialmente, por “fazer exercícios e resolver problemas sem máquina de calcular”. Sendo paradoxal, esta não é, contudo, uma conclusão estranha, vinda do quadrante que vem – uma associação que, tendo condições para poder ser parte da solução, não passa, afinal, de uma parte do problema. Como pode afirmar-se, de forma reiterada, que o insucesso dos alunos portugueses na Matemática se circunscreve à ausência de exercícios de memorização e de rotinas, quando, ano após ano, tanto nas provas nacionais como internacionais, o que se verifica é que é a ausência de um ensino que nega a actividade inteligente que constitui, de facto, o verdadeiro problema a enfrentar? Como se pode afirmar isso, quando nos defron tamos com um problema geracional ao nível da Matemática, que, ao contrário do que muitos pretendem fazer crer, não se iniciou com a massificação da Escola em níveis de escolaridade posteriores ao 4º ano de escolaridade? O que fazer quando o debate sobre um problema tão sério se realiza de forma tão leviana? Olhar para os ministros da Educação (este, ou outro qualquer) como uma espécie de D. Sebastião é uma inge nui dade. Deixar a procura exclusiva das respostas para os especialistas pode ser, por sua vez, uma irresponsabilidade. É aos professores, em primeiro lugar, que aquela questão interessa, sendo necessário, por isso, compreender que, em vez de nos circunscrevermos a diagnosticar os pontos fracos dos alunos, interessa, também, identificar os seus pontos fortes – não para ignorar os problemas, mas para compreender qual o ponto de partida onde nos situamos, de modo a tentar contribuir para a sua resolução. Trata-se de uma medida estratégica, necessária quer para se promover um trabalho focalizado no sucesso dos alunos, quer para se poder manter um diálogo interpelativo consequente entre os resultados da avaliação interna e os resultados dos exames. Não podendo menosprezar estes resultados, não se pode, também, utilizá-los como a medida mais fiável de que dispomos para aferir o trabalho que se realiza nas escolas. A adoptar tal postura, estaremos a obscurecer algum do sucesso dos alunos, o qual, por ficar aquém da norma avaliativa que os exames impõem, nunca adquirirá a visibilidade necessária, nem para os docentes, nem, sobretudo, para os discentes. Extingue-se, assim, a esperança de uns e de outros, e isso é a pior das consequências de uma estratégia que, em nome da subordinação aos exames, só poderá ser considerada como uma estratégia suicida. Em suma, os resultados dos exames, mais do que a aceitação de um veredicto, terão que ser objecto de uma reflexão, podendo constituir, em conjugação com outras fontes de informação credíveis, uma referência que ajude os professores a pensarem sobre os desafios que colocam aos seus alunos, sobre as estratégias que dinamizam, sobre os esquemas de apoio que disponibilizam, sobre as medidas de articulação curricular adoptadas ou sobre a qualidade do próprio processo de avaliação interna que põem em marcha. Para que queremos a avaliação? É isso que, pelos vistos, teremos que voltar a perguntar, sobretudo quando lemos quer este artigo, quer um outro, da mesma Clara Viana (13.06.2011), que denuncia o facto de as escolas estarem a correr o risco de se transformar em centros de treinos para os exames, graças à proliferação galopante da utilização dos testes intermédios. Perguntar para que queremos a avaliação não é, então, uma questão inútil, particularmente quando compreendemos que, em conivência com este movimento pró-exames, há uma avaliação de desempenho docente e a avaliação das escolas para discutir, de forma a vislumbrar-se, pelo menos, o rabo do gato escondido com que nos querem seduzir.
Ariana Cosme e Rui Trindade
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