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O erro (ou a lição de Bento de Jesus Caraça)

Quando se fala em conhecimento e, em particular, em conhecimento científico, nunca é demais destacar o papel da persistência na procura, da insistência no esforço e da humildade na avaliação do resultado do nosso trabalho! Construir conhecimento, crescer cientificamente, preparar um futuro mais sustentado e desenvolvido, obriga a um constante investimento na aprendizagem, na investigação e na confirmação das conclusões. Como se descobre? Como se conhece? Sem falhas? Sem hesitações? Sem passos atrás?...
Esta é uma questão que se coloca a muito diferentes escalas. À dos grandes vultos da Ciência e da Cultura, em geral, e à nossa pequena escala, a de cada um de nós, que vive, no seu dia-a-dia, os problemas do ensino e das aprendizagens. O exemplo de tantos homens e mulheres dedicados à Ciência ao longo dos anos, ao longo de muitos séculos, faz-nos olhar com respeito e, ao mesmo tempo, com responsabilidade, para o seu trabalho e para as suas lições de vida.
E uma dessas grandes lições é a da humildade no reconhecimento da própria falibilidade, da necessidade de tentar muitas vezes até adquirir certezas, da admissibilidade do erro. A História do Conhecimento é fértil em exemplos de erros célebres que precederam conquistas gigantescas, mas inúmeros e secretos foram os erros que ficaram pelo caminho e serviram de alavancas na procura de novas leis e novos conceitos.
Uma importante personalidade na história da Ciência em Portugal, no século XX, o matemático, docente universitário, pensador e combatente pelos ideais humanistas e republicanos, Bento de Jesus Caraça (1901-1948), deixou-nos, a este propósito, um importante legado. A par da relevância da sua obra no âmbito da Matemática e do ensino da Matemática, este incansável defensor da “cultura integral do indivíduo” – tema da célebre conferência que proferiu em 1933 – foi, ele próprio, um exemplo de humildade só possível em quem tem grande estatura intelectual e cívica.
“A Ciência pode ser encarada sob dois aspectos diferentes. Ou se olha para ela tal como vem exposta nos livros de ensino, como coisa criada, e o aspecto é o de um todo harmonioso, onde os capítulos se encadeiam em ordem, sem contradições. Ou se procura acompanhá-la no seu desenvolvimento progressivo, assistir à maneira como foi sendo elaborada, e o aspecto é totalmente diferente – descobrem-se hesitações, dúvidas, contradições que só um longo trabalho de reflexão e apuramento consegue eliminar, para que logo surjam outras hesitações, outras dúvidas, outras contradições”, escreveu Bento de Jesus Caraça.
Numa parede da escola onde leccionou como professor catedrático – o, então, Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras – está transcrita a sua frase exemplar: “Se não temo o erro, é porque estou sempre disposto a corrigi-lo”. Aproveitemos a lição, à nossa pequena escala. O erro vale (e vale muito!) quando é detectado e a sua apropriação nos convoca para novo esforço, novas tentativas e novas soluções...

Ana Brito Jorge


  
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