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Escola inclusiva está em risco

Em dois anos, através da CIF, o Governo retirou apoios da Educação Especial a mais de 20.000 alunos. Os docentes dos quadros de agrupamento apenas respondem a metade das necessidades, para além de faltarem psicólogos, auxiliares e terapeutas, entre outros profissionais. É o “quadro negro” pintado pela Fenprof, que convocou uma conferência de imprensa para divulgar os resultados de um inquérito que realizou à escala continental.

Portugal foi um dos países subscritores da Declaração de Salamanca (1994) sobre a Escola Inclusiva e, em 2009, ratificou a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, comprometendo-se na sua promoção. Uma adesão natural, uma vez que, desde 1991, a legislação portuguesa já apresentava um cunho muito positivo, definindo as condições em que os alunos com necessidades educativas especiais tinham acesso à Educação Especial, estabelecendo, também, formas de organização, nomeadamente quanto à constituição de turmas, existência de recursos ou eliminação de barreiras de diversa natureza. Vigorava, então, o Decreto-Lei n.º 319/91, de 23 de Agosto, que, interpretado na aplicação por diversos diplomas de hierarquia inferior, se manteve em vigor até 2007. Nesse ano, contra a opinião generalizada da comunidade educativa e de entidades como a Sociedade Portuguesa de Pedopsiquiatria, o Fórum de Estudos de Educação Inclusiva ou a Associação Portuguesa de Deficientes, o Governo revogou o quadro legal em vigor, substituindo-o pelo Decreto-Lei nº 3/2008, de 7 de Janeiro, o qual, adoptando a Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF) como único  instrumento para avaliação do direito a apoio no âmbito da Educação Especial, reduziu significativamente a natureza do conceito de escola inclusiva, uma vez que – à luz da nova interpretação legal, e consequente aplicação no terreno – exclui as crianças e os jovens que não apresentem dificuldades provenientes de situações clinicamente comprovadas ou deficiências de carácter permanente ou prolongado.
Ao tempo, a Federação Nacional dos Professores (Fenprof) alertou para as consequências da adopção da CIF, que considerava irresponsável, e protagonizou diversas iniciativas de denúncia, assumindo maior importância as que tiveram lugar junto da Assembleia da República, onde, por força da então maioria absoluta, a aplicação da CIF e o essencial do decreto-lei se mantiveram.
Entretanto, considera a Fenprof, foi o próprio Ministério da Educação (ME) quem revelou, sem o querer, o “atentado” cometido – só num ano (de 2007/08 para 2008/09), 15.986 alunos foram afastados da Educação Especial nas escolas públicas.
Um saldo negativo revelado por números do próprio ME, explica a Federação, já que os dados revelados em Junho de 2008 pelo então responsável da Direcção Geral da Inovação e do Desenvolvimento Curricular (DGIDC) apontavam que o número de alunos de escolas públicas apoiados pela Educação Especial, em 2007/08, era de 49.877. Ora, no ano seguinte, um balanço inscrito no documento «Educação Inclusiva - da retórica à prática», divulgado pela mesma DGIDC/ME, o número de alunos de escolas públicas apoiados pela Educação Especial, em 2008/09, era de apenas 33.891.
Para a Fenprof, o ME considerava essa quebra não apenas natural, como indispensável, pois, de acordo com os dados disponibilizados, aquele número de alunos correspondia, em 2007/08 e 2008/09, a respectivamente 3,9% e 2,85% da população escolar – uma taxa extremamente elevada, uma vez que os critérios da CIF apontavam para que apenas 1,8% dessa população pudesse ser abrangida pela Educação Especial (não mais do que 23.000 alunos). Relativamente ao ano em curso, e à falta de dados oficiais, a Fenprof decidiu antecipar o conhecimento desta realidade, não só para preparar a avaliação da situação no âmbito do seu 10.º Congresso, a realizar em Abril, como para elaborar propostas que permitam intervir no plano legal e alterar a situação, que reputa de muito negativa.
Fê-lo através de um inquérito recolhido em 424 agrupamentos de escolas (mais de metade do total) distribuídos por todas as regiões educativas do continente, por ser aí (agrupamentos) que se encontra a esmagadora maioria dos alunos com necessidades educativas especiais, uma vez que oferecem a escolaridade obrigatória de nove anos.

António Baldaia

 

ESTUDO CONFIRMA LÓGICA DE EXCLUSÃO

Em nota à Comunicação Social o Secretariado Nacional da Fenprof considera que o estudo levado a cabo “denuncia mais uma vez as consequências da implementação de um modelo de organização da Educação Especial que, apesar de se afirmar inclusivo, institui, na prática, uma lógica de exclusão:

– exclui, porque restringe os apoios especializados aos alunos com necessidades educativas especiais de carácter permanente (e utiliza a CIF como instrumento de avaliação dessas necessidades);

– exclui, porque, ao confundir “necessidade educativa especial” com “deficiência”, cria no sistema uma lógica de segregação e um enorme retrocesso educativo;

– exclui, porque preconiza uma Educação Especial em ambientes segregados (unidades de apoio especializado e de ensino estruturado) ou afastados da comunidade dos alunos (escolas de referência para a educação de alunos cegos e com baixa visão ou para a educação bilingue dos alunos surdos)”.

A Fenprof considera que a actual equipa ministerial “deverá colocar a reorganização da Educação Especial como prioridade, sob pena de condenar ao fracasso e ao abandono escolares milhares de crianças e jovens apenas por apresentarem necessidades educativas especiais”.

 

ALGUNS DADOS DO ESTUDO DA FENPROF

Alunos que perderam apoios.

O estudo revela que 2.933 alunos foram afastados da Educação Especial nos 424 agrupamentos, o que significa uma média de 6,9 por agrupamento. Por projecção, a Fenprof calcula que este ano o número seja próximo dos 5.300. Tendo em conta os cerca de 16.000 do ano lectivo anterior, significa que, com a CIF, cerca de 21.000 alunos com NEE terão sido afastados.

Condições das escolas/unidades.

Em 29,12% dos casos, a dimensão da sala não é adequada; 32,67% não se adequam às necessidades de trabalho específico; em 38,9%, o equipamento é insuficiente. O estudo verifica, também, grande desequilíbrio na rede de escolas/unidades: algumas são frequentadas pelo triplo dos alunos para que foram concebidas; no pólo oposto, há escolas de referência criadas, nomeadamente para alunos cegos e com baixa visão, com docentes especializados, mas que não têm alunos ou cuja frequência fica muito abaixo do calculado.

Colocação de docentes.

A falta de docentes de Educação Especial nos respectivos quadros, obriga as escolas a recorrerem a diversas formas de recrutamento: deslocação de docentes colocados noutros grupos, mas que têm especialização ou experiência; deslocação de docentes de outros agrupamentos, mesmo sem especialização ou experiência; aproveitamento de situações de destacamento; contratação, nomeadamente por oferta de escola.

Insuficiência de docentes.

A maior parte dos agrupamentos afirmam ser insuficiente o número de docentes especializados de que dispõem face às suas necessidades. No total, os agrupamentos abrangidos afirmam necessitar de mais 312 docentes.

Carência de outros profissionais.

É notória a falta de técnicos especializados, com destaque para psicólogos, terapeutas e auxiliares de acção educativa. Foram contabilizados apenas agrupamentos que quantificaram as suas necessidades – a maioria refere simplesmente que necessita de “mais” ou “muito mais”, mas sem especificar.


  
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