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As crianças ainda vêem TV?

A questão que se coloca em título parece demasiado óbvia e de resposta imediata. Parece mesmo não oferecer dúvidas. De acordo com os dados de audiência fornecidos pela Marktest Audimetria, durante o primeiro semestre de 2009, cada português viu, em média, por dia, cerca de 3h30m de TV e o segmento mais novo (4-14 anos) viu aproximadamente menos 37 minutos (ou seja, 2h53m diárias, um aumento de 2,4% relativamente ao semestre homólogo do ano transacto). Estes dados são um primeiro indicador de que as crianças continuam a ver TV, a par de outras actividades. A investigação que se tem desenvolvido sobre este tópico tem também fornecido alguns dados que confirmam a importância que a TV continua a ter na vida quotidiana dos mais novos, no seu processo de socialização e na forma como encaram e conhecem o mundo.
É certo que a sua relação com este meio de comunicação se tem vindo a alterar por força da presença de novos media (internet e videojogos, por exemplo) e das novas plataformas de difusão televisiva. Esta nova realidade não pode ficar esquecida no estudo da relação das crianças com a TV, nem tão pouco na análise da programação que os diferentes canais, terrestres ou por cabo, oferecem especificamente para este público. Sabemos também que a relação com este media não é estável e tende a perder importância à medida que as crianças vão crescendo.
É certo que a investigação, para ser socialmente relevante, deve atender ao que se passa na realidade, procurando estudar e conhecer as situações e os acontecimentos que num determinado momento, por motivos vários, se constituem como fenómenos sociais. Tal estudo não deveria, contudo, ignorar ou negligenciar outros factores que enquadram, contextualizam e ajudam a compreender melhor esses fenómenos.
A participação recente em congressos científicos, nacionais e internacionais, permitiu-me verificar que já pouco interessa a relação das crianças com a TV, importa pouco o que as estações oferecem aos mais novos, desvaloriza-se a relação que estes ainda estabelecem com aquele meio, esquecem-se os problemas, nomeadamente os presumíveis efeitos negativos, apontados frequentemente ao pequeno ecrã. É como se as crianças se tivessem desligado daquele mundo, representado ou ficcional, e apagado de vez a televisão, algo que os dados de audimetria parecem contrariar. As preocupações e o dedo indicador do público, bem como a investigação, estão agora voltados para outros ecrãs e para outras redes que, e aí reside o problema, não vieram propriamente substituir os mais antigos, vieram antes complementá-los. Poderemos estar, aliás, perante um fenómeno recorrente uma vez que em outros tempos também as atenções se deslocaram do cinema e da rádio para a televisão. Porém, os tempos não são os mesmos e o conhecimento permitido e adquirido através da investigação tem mostrado a importância da adopção de uma perspectiva holística no estudo da interacção crianças-media, ou seja, de a estudar como um todo que está em relação e em constante mudança.
Portanto, a resposta ao título deste artigo é afirmativa, apesar de ser um assunto que parece estar relegado para segundo plano no âmbito do interesse público e do interesse do público. O tópico suscita já pouca discussão. Os debates animados que o mesmo gerava estão a esmorecer e muitos são conduzidos por uma espécie de nostalgia do passado, quer dizer, por quadros de vida que já não existem. Não há praticamente debates sobre esta matéria em que os adultos de hoje não relembrem o tempo (bom) das suas infâncias e que não evoquem as experiências das crianças com que contactam, sejam filhos, netos ou sobrinhos. E é com esta subjectividade que as discussões acontecem, o que me deixa, confesso, algo descontente e até apreensiva porque, por um lado, não vejo este ‘paternalismo’ ou ‘maternalismo’ na discussão científica de outros assuntos e, por outro, porque não permite a afirmação desta área de estudo no campo científico.
Fora dos ciclos académicos ligados aos estudos da infância e das crianças, que terão outra sensibilidade para a questão, os investigadores que se dedicam ao estudo das crianças e dos media são, por vezes, olhados como os que estudam uma ‘área menor’, os ‘infantis’. O mesmo acontece com alguns colegas e o mesmo se passa com alunos de determinados cursos, sentindo-se alguma dificuldade em sensibilizá-los e cativá-los para desenvolver investigação num projecto que envolva as palavras ‘infância’ ou ‘crianças’. É como se aqui não pudessem desenvolver trabalho sério e rigoroso. Talvez sejam estes alguns dos motivos que ajudam a explicar os poucos investigadores que em Portugal se dedicam a esta área de estudo e, consequentemente, o pouco desenvolvimento da mesma no nosso país. Apesar de tudo, na presente década registaram-se algumas mudanças e alguns avanços no âmbito da investigação sobre os mais novos e os media. A lamentar apenas a perda de interesse em relação aos estudos sobre as crianças e a televisão numa altura que a investigação nesta área estava ainda a ‘sair do silêncio’.

Sara Pereira


  
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