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Zé Paulo Serralheiro: O Último Editorial

Zé Paulo Serralheiro deixou-nos discretamente, num breve  domingo de manhã, como quem pede desculpa por ter de se retirar mais cedo do que esperava. Não é fácil esquecer aquela figura, onde uma quase imponência  inicial de recorte patriarcal logo se inclinava para quem quer que  dele se aproximasse.
Esse é o rasto que persiste da figura do Zé Paulo: incondicionalmente disponível, atento e  reflexivo face à presença do outro, como se o  outro   fosse essencial à sua própria existência. «De todos guardo o que fui capaz de aprender sabendo que nunca encontrarei a palavra certa para exprimir o que devo a cada um» - disse ele a todos  os seus colaboradores no nº 184  de A  Página, em 2008.
Basta ler  qualquer editorial de «A Página...» ao longo destes 17 anos ininterruptos para identificar  aquilo que  deu sentido a toda  a vida do Zé Paulo  - a paixão pela escrita  solidária e militante ao serviço de uma única  causa, a causa dos que  habitam  a outra  face da humanidade, a  que se oculta por detrás dos dias  comemorativos para  tornar mais invisíveis os  dias comuns. Era aí que  ele montava o seu posto de trabalho e erguia a sua pena, qual espada quixotesca, fulgurando entre a utopia incorrigível e a urgência  inadiável.  A fidelidade aos princípios e a sensibilidade  às  circunstâncias, eis a síntese  sempre retomada  que o Zé Paulo perseguiu  incansavelmente. Desde a fome no  mundo, ao analfabetismo, à exploração globalizada, à volúpia capitalista  sem  fronteiras até à sobranceria burocrática dos pequenos poderes instalados, sempre com  a  democracia na boca, ou à soberana indiferença das decisões tecnocraticamente infalíveis pairando sobre o desespero quotidiano dos dominados, tudo  o Zé Paulo fez questão de trazer para  a frente de A Página da Educação, fiel ao princípio de que não há educação sem causas. «Sempre nos assumimos como um jornal de causas que assumiu os Direitos Humanos como questão séria a defender em todas as circunstâncias da vida. Nunca nos quisemos, nem fomos, um jornal hipocritamente neutro»., invocou ele, mais uma  vez,  no último nº da versão jornal  de «A Página».
É um pesado  legado este que o Zé Paulo nos deixou. Saibamos preservá-lo. Essa  será a melhor homenagem nos tempos que correm.  

Manuel Matos


  
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