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O dizer e o fazer, ligados por nós

“Confrontamo-nos, entre pares, todos os dias, de maneira aberta, em discussões, às vezes dolorosas, quase sempre desbloqueadoras. Grupos de professores reflectem acerca do seu trabalho, alguns pela primeira vez. Como diz Houssaye, deixaram de ser professores e iniciaram-se como pedagogos”.

Fui brindado com o livro “La pédagogie institutionnelle de Fernand Oury” que a editora Matrice acaba de lançar. Um livro de amigos, para lembrar os 10 anos da morte de Fernand Oury que, em pouco tempo, e sobretudo depois de morrer, foi promovido ao estatuto de grande pedagogo, pelas ciências de educação francesas.
Possivelmente aproxima-se o momento em que uma das citações, que o Oury gostava de fazer em conversas e sessões de trabalho, se aplicará também à pedagogia institucional. Lembro-me da cartolina, com o texto de Marcel Jousse, exposta numa sessão de trabalho: “Há três que fazem alguma coisa; há dez que fazem conferências sobre o que os três fazem; há cem que fazem conferências sobre o que dizem os dez. Acontece que, de vez em quando, um destes cem vem explicar como fazer a um dos três. Então, um dos três, interiormente exaspera, e, para fora, sorri. Mas fica calado, porque não tem o hábito da palavra. Além disso, tem coisas para fazer.”
Também entre nós, fala-se muito, nem sempre com grande conhecimento, do que se deveria fazer e não se faz, e romantizam-se intervenções pedagógicas, que alguns rotulam de românticas.
Desde há  pouco mais de um ano, tenho o enorme privilégio de acompanhar equipas de crianças e professores que trabalham nos locais identificados, pelos burgueses bem-pensantes, como “zonas difíceis” da área metropolitana de Lisboa. Este trabalho, com crianças e adultos, não deixa espaço para romantismos e foca-se em três linhas de acção:

  • promover a autonomia das crianças, isto é, a liberdade intelectual de organizar a sua aprendizagem e o seu trabalho, em cooperação com colegas e professores;
  • mediar a concepção, execução e apresentação de projectos de trabalho, idealizadas e escolhidas pelas crianças;
  • promover a intervenção na gestão do tempo e do espaço, em cooperação, por toda a comunidade envolvida neste mesmo trabalho.

Confrontamo-nos, entre pares, todos os dias, de maneira aberta, em discussões, às vezes dolorosas, quase sempre desbloqueadoras. Grupos de professores reflectem acerca do seu trabalho, alguns pela primeira vez. Como diz Houssaye, deixaram de ser professores e iniciaram-se como pedagogos.
Sessenta jovens professores de actividades de enriquecimento curricular mantêm o seu diário de bordo que analisam criticamente, partilhando a análise entre todos. Utilizam-no como instrumento de formação, ao mesmo tempo que, investigadores na acção, fixam processos de trabalho com as crianças e os adultos com quem trabalham. Interactivamente, em curtos estágios e através de uma plataforma de comunicação, monitorizaram-se mutuamente, eles próprios acompanhados por quem faça a mediação do seu processo de aprendizagem.
Perto de cento e cinquenta professores de dois agrupamentos e três ciclos do ensino básico, alteraram, nalgumas situações radicalmente, as rotinas do trabalho escolar, para dar força às mesmas três linhas de acção. Discutem, também de forma mediada, quinzenalmente, a sua própria mediação das aprendizagens de jovens e crianças.
Como ponto de partida para o próximo ano lectivo, encontraram-se durante dois dias em torno de quarenta comunicações, cada uma testemunhando a reflexão que fez acerca do seu trabalho.
Os dois grupos construíram-se como comunidade de aprendizagem em torno da sua profissão. O primeiro procura quebrar as divisórias artificiais entre actividades e discute o enriquecimento curricular em torno de projectos de trabalho das crianças. O segundo discute a centralidade de cada uma das crianças e dos jovens, esbatendo as fronteiras artificiais entre ciclos e fases do percurso de aprendizagem que a escola organiza em currículos.
Tomamos a palavra, e, tomando-a, possibilitamos que as crianças com quem trabalhamos também a tomem. Tomamos a palavra para discutir entre pares.
Aos outros, limitamo-nos a mostrar o que temos feito.

Pascal Paulus


  
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