Acaba de me chegar às mãos o Relatório do «Grupo de Trabalho para a Igualdade e inserção dos Ciganos» (terminado em Janeiro de 1997) pese embora a edição, da responsabilidade do Governo Civil de Braga, datar de Novembro de 1998, apresentado pelo Primeiro Ministro. Este Grupo de Trabalho que foi criado por uma 'Resolução' do Conselho de Ministros de 1996, é presidido pelo Alto Comissário para a Imigração e Minorias Étnicas, sendo composto por representantes de diversos Ministros e de algumas entidades de entre as quais duas com experiência de trabalho directo junto da população cigana. O texto da 'Resolução' refere que os objectivos do Grupo eram: "Proceder a uma análise pormenorizada das dificuldades relativas à inserção dos ciganos na sociedade portuguesa" e "Elaborar um conjunto de propostas que permitam contribuir para a eliminação de situações de exclusão social". Em consonância, de resto, com as opiniões de quantos, ao longo do tempo, vêm a defender a necessidade de conhecer melhor a população em apreço. A realização do Relatório num curto espaço de tempo tinha em vista, de acordo com o que nele se indica, permitir ao Alto Comissário a apresentação de acções concretas a desenvolver quer por parte do Governo, quer das autarquias, quer ainda da sociedade civil. Este Relatório contempla em particular três áreas, a saber: a) Dificuldades relativas à inserção dos ciganos na sociedade portuguesa; b) Acções que estão a ser desenvolvidas para assegurar a igualdade e inserção dos ciganos e c) Propostas para contribuir para a eliminação de situações de exclusão social. No que diz respeito à compilação de informações no sentido de dar a conhecer a todos os interessados tanto a situação em que esta população vive, um pouco por todo o lado, como os projectos concretos que se vão desenvolvendo em diversos lugares e/ou regiões do país, no sentido da sua promoção, as novidades que se podem encontrar radicam em alguns dos projectos, a par de quem abrangem e como se vão desenvolvendo. Quem estuda o Povo Cigano, ou com ele trabalha no dia-a-dia, ficará, pela consulta do Relatório, melhor documentado. O mais importante, acima de tudo no que diz respeito à própria população cigana e aos benefícios de que poderá usufruir, e, também, para a restante população, é o conjunto das propostas que visam eliminar as situações de exclusão social, a qual teima em persistir. Estas acções específicas pretendem intervir nos seguintes domínios: 1) Área do conhecimento da realidade das comunidades ciganas; 2) Área da educação; 3) Área da formação e da inserção sócio-profissional; 4) Área da habitação; 5) Área do exercício de direitos e deveres como cidadãos e 6) Área da acção das autarquias e colectividades locais. Sendo todas elas por um lado, áreas transversais entre si, e, por outro, determinantes para que sendo levadas à prática com eficácia engendrem a alteração radical de uma situação que, em alguns casos, chega a tocar as raias do inacreditável, e, sem dúvida do inaceitável, eis, em traços gerais, como cada uma delas se propõe intervir: No primeiro tema a proposta vai no sentido do estabelecimento de Protocolos de colaboração entre o Alto Comissário e os Ministérios da Ciência e da Tecnologia e o da Cultura para realização de trabalhos de vária índole que dêem a conhecer o Povo Cigano. E, é preconizada a constituição de um Grupo interdisciplinar de carácter permanente que prossiga o trabalho proposto pelo Relatório. Já no segundo tema, para nós o nó górdio de todas as matérias, além de se preconizar a adopção de estratégias que aumentem a confiança das famílias ciganas na instituição escolar - que passam pela formação de professores e outros profissionais de educação em história e cultura ciganas (se bem que se trate de uma cultura ágrafa ela existe, tal como uma longa história que se conta por séculos) -, pelo fomento do ensino pré-escolar e, entre outras medidas, defende-se o incremento do recurso, por parte da Escola, da colaboração de mediadores ciganos. Aqui fazemos um parêntesis para reiterarmos o que tivemos ocasião de escrever, no artigo incluído no número anterior deste jornal, a propósito da importância dos mediadores, acrescentando agora que deve ser posto o maior cuidado tanto no recrutamento de tais elementos, como na formação que lhes é ministrada e que os habilitará, com bases sólidas, para o exercício das suas tarefas de serem voz daqueles que mal se ouvem. Quanto ao terceiro tema, do nosso ponto de vista a sua abordagem está distante da realidade laboral desta população, diríamos mesmo que se parte em demasia da premissa profissional dos que não são ciganos. Em todo o caso preconiza-se que sejam mais apoiadas algumas das acções no domínio da formação promovidas quer por IPSS, quer por ONG (por vezes questão determinante até) tal como é defendido que o estatuto de mediador seja regulamentado. No que diz respeito à habitação propõe-se que sejam aplicados os instrumentos legislativos (e as fontes de financiamento disponíveis) em vigor, que se adaptam aos agregados familiares de baixos recursos sendo necessário, para tanto, que haja uma colaboração estreita entre o Estado e as autarquias. O quinto tema contempla diversas acções com vista não só a assegurar que as entidades públicas e privadas nunca percam de vista que a população cigana tem exactamente os mesmos direitos e as mesmas obrigações que a restante população como se defende uma total intransigência relativamente a atitudes/manifestações de discriminação, segregação, intimidação. É também assegurada a eficácia da acção penal exercida pelas entidades competentes. Por último, apela-se ao Poder Local para que desenvolva um conjunto de iniciativas no sentido de promoverem a partilha de experiências, a troca de conhecimentos, em suma atitudes positivas que dignifiquem todos os intervenientes. Defende-se ainda o encorajamento da criação de associações representativas da população cigana (à semelhança, aliás, do que sucede em Espanha onde existem em número que ronda as seis centenas) que proporcionem o estabelecimento de acordos de colaboração e/ou de cooperação. Congratulamo-nos com a criação deste Grupo de Trabalho e com o Relatório realizado e que foi, por fim dado à estampa. Agora, há que envolver desde o início, de uma forma directa e participativa, a população cigana pois é ela o alvo principal desta iniciativa. Fazemos sinceros votos para que a passagem à prática de todas as propostas nele contidas não se revele incipiente nem sequer inconsequente. Estaremos atentas à evolução da situação e continuaremos, assim nos ajude o engenho e a arte, a fazer o nosso melhor para ajudar na sua inversão para rumos mais concentâneos com o tempo presente e, em especial com o futuro. Elisa Lopes da Costa CIDAC / Lisboa Para saber mais: - COSTA, Elisa Maria Lopes da, Os Ciganos: Fontes para o seu estudo em Portugal, Madrid, Ed. Presencia Gitana, 1995.
- FRASER, Angus, História do Povo Cigano, Lisboa, Teorema, 1998.
- LIÉGEOIS, Jean-Pierre, et al., Ciganos e Itinerantes, Lisboa, Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, 1989.
- REIS, Fernanda, et al., Comunidade cigana na diocese de Lisboa, Lisboa, Secretariado Diocesano de Lisboa da Obra Nac. para a Pastoral dos Ciganos, 1995.
- Relatório do Grupo de Trabalho para a Igualdade e inserção dos Ciganos, Braga, Governo Civil do Distrito de Braga, 1998.
- SERROTE, José João, Caracterização sócio-demográfica e cultural da comunidade Cigana do Alentejo, Portalegre, Centro Regional de Segurança Social do Alentejo, 1993.
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