Página  >  Edições  >  N.º 69  >  Onde, finalmente, se chega à formação contínua de professores e educadores

Onde, finalmente, se chega à formação contínua de professores e educadores

Ao concluir a colaboração inserta no último número da Pàgina da Educação afirmava que a formação, enquanto sistema de prescrições científico-técnicas, formuladas em regime de normativos práticos, constitui 'uma desautorização de quem trabalha, na acepção forte do termo, isto é, corresponde a uma denegação do contributo do trabalho para a identidade pessoal e profissional, problema que se exprime, contraditoriamente, pela corrida individual à formação em busca dum suplemento exterior de identidade. Daí que repensar as relações da formação e do trabalho constitua, verdadeiramente, um acto de formação'.
É o que me proponho fazer, hoje, tendo em mente a prática da formação contínua no campo profissional dos professores.
É, hoje, claro que a institucionalização da formação contínua, contrariamente ao que foi o seu desígnio no âmbito da Educação Permanente, vem sendo crescentemente dominada pela lógica da administração dos saberes em prejuízo duma lógica da produção dos saberes em situação. Poderemos reconhecer que tal orientação é inevitável a partir do momento em que ela é objecto de regulamentação formal que pressupõe, obviamente, a existência de necessidades objectivas de formação. A questão que, então, se põe é como se define isso de necessidades objectivas de formação.
A regulamentação existente parece admitir que o processo da sua definição é plural, cabendo aos profissionais da educação, ao lado do sistema educativo, um papel importante na sua identificação, uma vez que ela remete para os formandos, individualmente tomados, a responsabilidade da iniciativa de formação. Se entendermos que esta iniciativa está, em grande medida, articulada com a progressão na carreira, nada mais evidente que fazer corresponder necessidades objectivas de formação a necessidades subjectivas dos formandos. Não é, todavia, este tipo de necessidades que orienta nem o conteúdo nem o sentido da formação, uma vez que o desenvolvimento concreto do sistema de formação é determinado pela lógica dos formadores e esta subordinada aos critérios prévios que sustentam os mecanismos da acreditação. Isto é, as necessidades subjectivas sujeitam-se à oferta de formação, a qual, obviamente respeita as determinações superiormente fixadas, que se presume corresponderem a necessidades do sistema. As necessidades subjectivas são, assim, instrumentalizadas pelo sistema e é aí que devemos procurar o que sejam as necessidades objectivas.
Nesta instância, as necessidades aparecem sob a forma de défices de formação atribuíveis aos formandos, pressuposto que sustenta a tese de que o mal do sistema provém da incompetência individual daqueles que o servem. Este pressuposto, por sua vez, remete para um outro que, teoricamente, toda a gente denuncia, mas a que ninguém escapa na prática, pelas enormes virtualidades que ele traz à prática da formação instituída que temos. Este segundo pressuposto é o de que o sistema é um somatório de acções individuais, fazendo-se assim crer que a qualificação de cada um contribuirá para a melhoria global do sistema.
As enormes virtualidades para o funcionamento do sistema contidas neste pressuposto situam-se a vários níveis, que podemos, sumariamente, identificar: a) - a nível da legitimidade científico-técnica da intervenção formativa, já que a administração individual dos saberes e o seu controlo explicam a eficácia ou ineficácia do seu funcionamento, conforme o grau de absorção desses saberes; b) - a nível socio-organizacional, já que, se é da performance individual que se espera alcançar a melhoria do sistema, as questões externas e internas ao funcionamento da instituição, que implicam o questionamento colectivo da acção pedagógica, são liminarmente ultrapassadas; c) - a nível da responsabilidade moral e profissional dos professores, uma vez que é nas práticas educativas, individualmente geridas, que o sistema verdadeiramente se oculta.
Será aquele pressuposto prático insuperável na prática da formação? É o que tentaremos ver proximamente.

Manuel Matos


  
Ficha do Artigo
Imprimir Abrir como PDF

Edição:

N.º 69
Ano 7, Junho 1998

Autoria:

Manuel Matos
FPCE, Univ. do Porto
Manuel Matos
FPCE, Univ. do Porto

Partilhar nas redes sociais:

|


Publicidade


Voltar ao Topo