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Preparação de alimentos para crianças e jovens

As escolas estariam a proteger a saúde de crianças e jovens e a contribuir para um menor custo com a saúde, se ensinassem os alunos a escolher merendas saudáveis e a prepará-las.

Saber preparar alimentos deve ou não aprender-se na escola? Qual o papel dos professores nesta matéria específica? Qual o papel dos funcionários que acompanham crianças e jovens nas refeições escolares? Qual o papel dos pais e encarregados de educação? E a equipa de Saúde Escolar tem algum papel específico?
Recuando cerca de 50 anos no tempo, nenhuma destas questões se colocava, pois todos concordariam que quem ensinava, supervisionava e orientava a preparação de alimentos das crianças e jovens eram os pais e encarregados de educação. Mas as crianças comiam em casa, e em casa havia tempo específico para preparar alimentos, quer para confecionar, quer para levar como merenda para a escola. A geração do botão instantâneo está habituada a comprar feito. Compra empacotados na mercearia, no hipermercado ou na máquina de venda automática de alimentos. Não sabe preparar sandes ou merendas mais elaboradas, nem sequer cozinhar. Chegou-se a ponto de ter de se incluir no programa curricular que o leite que bebe tem origem na vaca ou que o pão e as massas que come têm origem num cereal chamado trigo ou milho…
A distância entre a produção dos alimentos e o aspeto modificado que têm quando se preparam para os comer é tanta, que os alunos nem conseguem fazer o percurso inverso até ao alimento de “origem”.
Afinal de onde vêm as gomas? As barras de cereais são 100% cereais ou só cerca de metade do pacote é que são cereais? E o sumo de laranja é todo sumo ou só 7% do pack é que é? E então os restantes 93%, o que são? Quanto custam duas laranjas e quanto custa o pack de 33cl do dito sumo? E quanto custa um pão que é 100% trigo? E uma porção de cereais de pequeno- almoço com cerca de 70% de trigo? O que há nos restantes 30% do pacote?
Pode parecer que crianças e jovens não se preocupam com o custo, mas se comprarem o que realmente querem comer, se calhar ainda lhes sobra dinheiro para outras compras que não de alimentos. Se se preparar uma sande em casa, com pão e uma fatia de queijo, e a colocar na lancheira térmica junto com uma maçã, este lanche completo e variado custa cerca de 0,48€ num supermercado, enquanto um pack de 33cl de sumo de laranja e uma barra de cereais com custam 1,19€, e certamente com menos fibra, mais açúcar, menor trabalho para os dentes e saliva (tão importantes na digestão) e uma sensação de saciedade muito inferior. Se multiplicarmos estes valores por 20 dias/mês, gasta-se quase 24€ numa merenda nutricionalmente a não promover ou menos de 10€ numa merenda a promover. E o mesmo raciocínio para 9 meses escolares dá 216€ ou 90€ para uma merenda diária. Porquê pagar mais para comer pior? Preguiça ou incompetência na preparação de alimentos?
Nestes momentos de crise, a oportunidade para refletir na importância de saber fazer e de saber distinguir o essencial do supérfluo agudiza-se. Então voltamos às questões iniciais. Qual o papel do professor na preparação de refeições de crianças e jovens? Se o professor pensar nas competências que pretende que o aluno adquira, pelo exemplo do exercício anterior, descobre as enormes potencialidades de cruzar saberes pragmáticos com saberes cognitivos. Assim, já não parece tão a despropósito levar para a sala de aula a preparação real de merendas como projeto escolar, com o fornecimento de géneros alimentícios e apoio na preparação pelos manipuladores de alimentos, para cruzar competências que estariam na esfera parental com saberes que o curriculum pretende que estejam adquiridos e ainda promover a saúde, em conjunto com os objetivos das equipas de Saúde Escolar, ou mais especificamente com a consultoria especializada dos nutricionistas nas URAPs dos agrupamentos de centros de saúde (segundo a reforma dos cuidados de saúde primários).
Em suma, defendo que as escolas estariam a proteger a saúde das crianças e jovens e a contribuir para um menor peso do custo com a saúde se ensinassem as crianças e jovens, com alimentos reais, a escolherem merendas saudáveis, a experimentarem comprá-las e prepará-las em sala. Claro que também defendo que seria um projeto integrado, com pesquisa, estrutura e apresentação à comunidade dos resultados, bem como a divulgação pelos meios ao seu alcance, para que daqui a 50 anos esta matéria já não seja da competência dos professores, mas volte a centrar-se na esfera parental, como conhecimento consciente e competência adquirida.

Débora Cláudio


  
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Edição:

Edição N.º 200, série II
Primavera 2013

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