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Para uma avaliação dos padrões de desempenho

O despacho dos “padrões de desempenho docente” reflecte os pressupostos do nosso sistema educativo e das orientações que o inspiram, os quais são, por isso, plasmados no delineamento da identidade dos professores olhados como seus agentes e garantes principais.

O Ministério da Educação fez publicar recentemente os “padrões de desempenho docente”. Em síntese, e conforme consta do respectivo preâmbulo, os mesmos definem “as dimensões fundamentais para orientar as práticas docentes”, contribuindo para estimular a auto-reflexão em articulação com a avaliação do desempenho e para promover um debate construtivo sobre a sua profissionalidade. Mais se especifica que os padrões tipificam “as características fundamentais da profissão docente e as tarefas que dela decorrem, caracterizando a natureza, os saberes e os requisitos da profissão”.
A partir daqui são apresentadas quatro dimensões – a profissional, social e ética; a do desenvolvimento do ensino e da aprendizagem; a da participação na escola e relação com a comunidade educativa; e a do desenvolvimento e formação profissional ao longo da vida – que, por sua vez, se desdobram, ao nível da sua operacionalização, em domínios e indicadores, dos quais decorrem níveis e respectivos descritores, com que se procede à descrição pormenorizada do desempenho. Tudo isto com vista a facilitar e fundamentar a avaliação do desempenho docente.
Este documento, estrategicamente decisivo, reflecte os pressupostos do nosso sistema educativo e das orientações que o inspiram, os quais são, por isso, plasmados no delineamento da identidade dos professores olhados como seus agentes e garantes principais. Distinguidos por isso positiva ou negativamente na sua avaliação dentro destas condicionantes. Vale, assim, a pena ponderar algumas delas.
Em termos deontológicos e de responsabilidade são ressaltados, e bem, os compromissos incontornáveis com o sucesso dos alunos, a sua promoção cívica, a escola e o seu projecto e, finalmente, com a comunidade. Em síntese, com a sua profissionalidade.
Acontece, porém, que, apesar do uso de expressões como “o desenvolvimento integral de cada aluno”, se esquece de facto a sua integralidade. É sintomático que nunca o “aluno” seja também designado como “criança” ou “jovem” ou ainda como “pessoa”. Trata-se de um reducionismo terminológico corrente, mas que não deixa de reflectir uma perspectiva burocrática com que se desliza para uma tecnocracia educacional que, na sua unidimensionalidade, corre o risco de desumanizar a própria relação educativa. É um pouco o mesmo que fazer-se do ser humano um mero cidadão, radicando na cidadania a totalidade da condição humana, o que, sem prejuízo de a cidadania ter um valor social inquestionável, contudo, faz soçobrar a complexidade daquele sob as dimensões social e política. De alguma maneira, o aluno, se nos detivermos nesta categorização, é o cidadão na escola.
Ora, nenhuma criança, nenhum jovem, pode usufruir de um desenvolvimento integral se for tratado apenas como um aluno. O aluno é, antes de mais, uma criança, um jovem, uma pessoa, que desenvolve conhecimentos, raciocínios, mas também sentimentos, afectos, sonhos, desilusões, medos, alegrias e uma intimidade. O professor terá de se preocupar com isto.
Por outro lado, ainda dentro desta dimensão, não deixa de ser preocupante que, a par de se dizer que o professor deve ser capaz de proceder a uma “reflexão crítica sobre as suas práticas profissionais”, logo de seguida se postule que o mesmo professor, em relação às políticas educativas, cultive já apenas uma “atitude informada e participativa”, isto é, colaborante, sendo a reflexão crítica, aqui, pura e simplesmente omitida.
Na dimensão do desenvolvimento do ensino e da aprendizagem, que se considera operacionalizar “o eixo central da profissão docente”, privilegiam-se os aspectos de planificação, organização e realização das actividades lectivas, conjuntamente com a avaliação. Sendo de valorizar a atenção dada à diversidade, desenvolvimento cognitivo e criatividade dos alunos, esquece-se, porém, uma competência fundamental como a da problematização – única via para se evitar a inércia de uma concepção estática e cristalizadora da diversidade, a pobreza de um desenvolvimento cognitivo assente sobretudo em aplicações de conhecimentos previamente adquiridos e uma criatividade ortodoxa subordinada a estritos modelos de validação e reconhecimento.
Valorizar a problematização significa dar a prioridade à construção de problemas a partir da recolha de dados, da identificação de constrangimentos e critérios e da formulação de hipóteses e, portanto, admitindo construtivamente a divergência e os impasses. O sucesso nem sempre é possível ou evidente. Para que o aluno o aprenda, o professor tem de o saber!
Outra pergunta que fica no ar: por que razão o “trabalho” não aparece uma única vez como uma das frentes que incumbe ao professor desenvolver harmonicamente na criança e no jovem? Fala-se de ensino e de aprendizagem, mas sempre numa óptica vincadamente disciplinar…
É chegado o tempo de, ultrapassados os tabus das pedagogias hedonistas, se fomentar uma relação pedagogicamente orientada – precoce, progressiva e harmónica – com o trabalho enquanto meio de interacção com a sociedade e com o mundo em geral, evitando-se o choque, por vezes brutal, que o aluno enfrenta ao deixar a atmosfera escolar e embater com o que ficou como o outro lado da vida.
É referida, ainda, a importância da “comunicação com rigor e sentido do interlocutor” especificada nos descritores do nível “excelente” como “comunica com rigor e elevada eficácia”. E a escuta? A comunicação não a pressupõe necessariamente, mas é educativamente decisiva se aceitarmos, no mínimo, que o professor não é sempre o sujeito principal da relação educativa. Mais ainda, a escuta articula-se com o sentido da dádiva que tem de inspirar eticamente a relação educativa…
Por último, não se consegue perceber por que razão a “dinamização de projectos de investigação, desenvolvimento e inovação educativa e sua correspondente avaliação” não faz parte também da dimensão do “desenvolvimento e formação profissional ao longo da vida”, em conexão, nomeadamente com o “trabalho colaborativo” e a “actualização do conhecimento profissional”. O perigo é o de a investigação ficar conservadoramente atomizada relativamente à dinâmica da escola e da construção dos itinerários profissionais.

Adalberto Dias de Carvalho


  
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Edição:

Edição N.º 192, série II
Primavera 2011

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