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Entre o rural e o urbano... o rurbano, como uma alternativa contra-hegemónica

Numa investigação realizada recentemente[1] com cento e cinquenta crianças de pequenas aldeias do concelho de Ponte de Lima, com idades compreendidas entre os cinco e os onze anos, em que pretendíamos conhecer as suas representações sobre as profissões e o mundo do trabalho, recorremos a vários métodos e técnicas de recolha de dados para contextualizar geográfica, económica e socialmente a população com que trabalhámos, caracterizar socioeconomicamente as famílias de origem das crianças, conhecer os seus quotidianos no que respeita à ocupação dos seus tempos escolares e extra-escolares e, finalmente, os seus mundos simbólicos.
No lançamento da pesquisa utilizámos questionários e fichas de caracterização para mapearmos o campo de investigação e, posteriormente, entrevistámos um grupo mais restrito. Com uma das questões colocadas procurávamos perceber como as crianças percepcionavam as aldeias onde residem no que respeita, por exemplo, aos serviços básicos, postos de trabalho e espaços de lazer, e que idiossincrasias da sede do concelho relevavam, se aquelas com que caracterizavam a sua aldeia ou as que a distinguem de uma cidade.
Entre as respostas que obtivemos assinalamos as do Raul, que disse: "A vila é sempre uma vila, tem menos? é sempre aquela coisa de freguesias, tem algumas pessoas de freguesia, tem lá coisas que aqui também tem. Tem escolas, tem postos médicos [?] Tem igreja. Porque a cidade é sempre mais movimentação, é muito? porque quer-se dormir à noite e não se pode, há muito barulho, e na vila é mais sossegado"; e a da Tânia, que se exprimiu desta forma: "Bem, é mais as duas coisas. Tem os jardins verdes, ? [como a Queijada]. Tem muitas ruas, muitas casas, pegadas umas às outras, e?, nas cidades as ruas são pertinho das casas, e lá [na vila de Ponte de Lima] também".
Da análise do conteúdo das afirmações das crianças destacamos a hibridez que estas associam à vila de Ponte de Lima, enquanto espaço a que atribuem algumas características da sua aldeia de origem e/ou residência e a cidade mais próxima, seja ela Viana do Castelo ou Braga. Esta caracterização enforma o conceito de rurbano defendido por alguns (cf. Pérez, 2001 e Roca, 2001[2]), que poderá apresentar-se, de uma forma necessariamente abreviada, como a resultante da crescente integração entre espaços rurais e espaços urbanos decorrente da paulatina penetração do rural pelo urbano, em consequência da dominância dos modos de produção capitalista e da sua entrada nas comunidades rurais, mas a que também poderemos acrescentar a influência exercida pelo desenvolvimento de comportamentos sociais urbanos associados à nostalgia do verde, da proximidade com a natureza e da vida de ritmo lento experimentada em contextos construídos à escala humana.
A ideia de hibridez que a voz das crianças elucida relativamente à rurbanidade que a vila de Ponte de Lima configura ? logo, um certo é e não é físico, social, cultural e económico, mas que, no entanto, ainda mantém as idiossincrasias que as permitem fazer associações com a sua proveniência rural ? possibilita uma multiplicidade de entradas para uma reflexão alargada sobre questões como a organização do território nacional, nomeadamente sobre a fortíssima tendência para a concentração populacional no litoral e a desertificação do interior. No entanto, tal não é possível aqui.
Embora não advoguemos a existência de soluções mágicas para contrariar tal tendência, consideramos que, num contexto neoliberal que promove a morte lenta dos espaços rurais, a possibilidade da emergência de alternativas contra-hegemónicas promotoras de desenvolvimento local deverá passar não só pelo apoio efectivo aos espaços que ainda resistem, como pelo apoio a espaços populacionais de média dimensão que estrategicamente querem interagir com aqueles, resgatando permanentemente as suas raízes e que, em simultâneo, criam as condições estruturais e infra-estruturais necessárias para um acesso mais democrático aos equipamentos sociais, culturais e económicos que contribuem para melhores níveis de felicidade.

[1] Silva, Rui Pedro (2007). Crianças de meio rural. Mãos na terra e olhos no futuro. Porto: Profedições.
[2] Pérez, Xeraldo Pereiro (2001). Patrimonialización y Transformación de las Identidades Culturales. Comunicação apresentada no 1º Congresso de Estudos Rurais, Vila Real, 16 a 18 de Setembro, 2001. (doc. policopiado); Roca, Maria de Nazaré Oliveira (2001). Actores e Políticas de Desenvolvimento Local: o Caso do Vale do Lima. Comunicação apresentada no 1º Congresso de Estudos Rurais, Vila Real, 16 a 18 de Setembro, 2001. (doc. policopiado)

Joaquim Marques
Rui Pedro Silva


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 178
Ano 17, Maio 2008

Autoria:

Joaquim Marques
ICE - Instituto das Comunidades Educativas
Rui Pedro Silva
CICS - Centro de Investigação em Ciências Sociais da Universidade do Minho
Joaquim Marques
ICE - Instituto das Comunidades Educativas
Rui Pedro Silva
CICS - Centro de Investigação em Ciências Sociais da Universidade do Minho

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