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A "Scolarização" do Ministério da Educação

O medo é um sentimento de inquietação que se sente com a ideia de um perigo real ou aparente. Para pôr a equipa com este sentimento profundo, Scolari apurou quem era o líder do grupo e pura e simplesmente correu com ele sem dar explicações a ninguém. Vítor Baia provavelmente foi o acto de gestão de recursos humanos mais eficaz, realizado nos últimos trinta anos em Portugal.

Em meados de 2005 numa conferência proferida na universidade, perante o ar embasbacado duma plateia ávida de conhecimento Luís Filipe Scolari definiu ?stratégia? como a "planificação do trabalho com inteligência visando atingir um objectivo". E para enfatizar a necessidade do objectivo não hesitou em revelar a sua costela castrense, afirmando: ?No Brasil dizem que sou um pouco militar. Que bom, porque com um regime militar as coisas são feitas com disciplina." Para ele, "o futebol é hoje 50 por cento físico, 25 por cento técnico e 25 por cento psicológico". São nestes últimos 25% que Scolari joga a sua competência e investe no seu prestígio. Quanto aos 50 % do físico ele não tem nada a ver com o assunto e quanto aos 25% técnico, o Euro 2004 e agora o Mundial 2006, demonstraram que o seleccionador nacional não é grande espingarda.
Ao chegar a Portugal Scolari tinha consciência que vinha treinar um grupo cuja cultura era a de uma liderança partilhada para a qual, infelizmente, há muito já tinha provado não estar preparado. Provavelmente, Humberto Coelho, António Oliveira, estavam certos quanto à substância, mas não quanto ao horário. Apercebendo-se do que se tinha passado, à boa maneira militar, Scolari mandou tocar a reunir. E como é que o fez? Quanto a nós, através da pedagogia do medo.
O medo é um sentimento de inquietação que se sente com a ideia de um perigo real ou aparente. Para pôr a equipa com este sentimento profundo, Scolari apurou quem era o líder do grupo e pura e simplesmente correu com ele sem dar explicações a ninguém. Vítor Baia provavelmente foi o acto de gestão de recursos humanos mais eficaz, realizado nos últimos 30 anos em Portugal. Porque foi a melhor maneira de mostrar aos jogadores que a partir daquele momento, quem mandava era ele. E eles perceberam que os bons velhos tempos da democracia interna tinham acabado, pelo que a música deixava de ser a do rancho folclórico de Alguidares de Baixo para passar a ser a do compasso cadenciado duma banda militar brasileira. E os jogadores, com brio e proficiência e motivados pelo seu enorme amor à pátria amada (¤), ajustaram-se ao novo estilo de liderança. E já há quem diga que esta é a receita ideal para o País. Felizmente, Scolari não ganhou o campeonato, porque senão, por esta altura, já estaríamos a ouvir os primeiros acordes de uma qualquer banda militar.
Depois de vermos o País agarrado à bandeira num sentimento de união à volta da selecção de futebol, o que, diga-se de passagem, foi o maior sucesso de Scolari, perguntamo-nos se vamos ver o País adaptar-se a esta nova forma de liderança porque, pelos vistos, ela é a que melhor se ajusta à mentalidade dos portugueses. Provavelmente o País até anseia por isso, dos mais humildes funcionários que vivem abaixo da linha de água, até aos maiores tubarões, defensores dos projectos megalómanos, dos pareceres e assessorias jurídicas milionárias e dos contratos por ajuste directo.
Não é o futebol, actualmente, o alfa e o ómega da vida do País? Não foi pungente ver Figo e Costinha reagirem daquela maneira ao paternalismo do ?pai tirano? em que Scolari se transformou? Por isso, estamos em crer que o País deseja ardentemente a ?scolarização? do Governo à Presidência. À imagem e semelhança do futebol, os portugueses desejam a ?scolarização? da mais pequena repartição ao maior ministério. A começar necessariamente pelo Ministério da Educação.


  
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Edição:

N.º 159
Ano 15, Agosto/Setembro 2006

Autoria:

Gustavo Pires
Professor na Univ. Técnica de Lisboa
Gustavo Pires
Professor na Univ. Técnica de Lisboa

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