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"Eleições sindicais são um meio privilegiado de favorecer o debate"

Eleições, representatividade e democracia sindical em Espanha

Consuelo Martinez García é coordenadora da Secretaria Confederal de Organização da Confederação Intersindical Galega (CIG), sendo responsável pelo funcionamento das diferentes estruturas federativas e territoriais, eleições sindicais, campanhas nacionais e relações com as organizações sociais, assumindo ainda o cargo de direcção da delegação da CIG em Madrid.
A PÁGINA entrevistou-a para este dossier de forma a melhor conhecer os mecanismos que regulam as eleições profissionais e a democracia sindical em Espanha. Apesar de reconhecer que o sistema necessita ainda de alguns ajustamentos, esta responsável não tem dúvidas em afirmar que a sua maior virtude é a de possibilitar ?a representação dos trabalhadores nos órgãos de negociação e de definição das políticas.?

Desde quando se realizam eleições sindicais em Espanha?

Um simulacro de eleições já existia antes da instauração da democracia em Espanha. No entanto, não era um processo livre já que havia um sindicato único. Só após 1977 foi instaurado um sistema eleitoral democrático, participativo e aberto às diferentes organizações sindicais no sector privado, alargada ao sector público em 1985 através da Lei Orgânica de Liberdade Sindical.

Processo de candidatura

Quais são os princípios gerais que orientam o processo de eleições sindicais em Espanha?

As eleições sindicais em Espanha podem ser convocadas em qualquer altura, embora habitualmente se limitem a um calendário pré-estabelecido ? as próximas, por exemplo, serão realizadas entre Setembro deste ano e Dezembro do próximo ano ? e o período de vigência dos mandatos é de quatro anos.
Os sindicatos que tenham alcançado ou ultrapassado a fasquia dos 10 por cento de representação no acto eleitoral anterior têm o poder de convocar eleições. Nos locais de trabalho que possuem entre seis e dez funcionários, podem ser os próprios trabalhadores a tomar essa iniciativa se houver uma maioria a decidi-lo.
O sindicato que toma a iniciativa de convocar eleições fá-lo através do Ministério do Trabalho, na ?Oficina Pública de Registo?, que é enviado à empresa, ou escola, neste caso, e funciona como pré-aviso para realização do acto eleitoral. A partir daí há um prazo de um mês para que a direcção da empresa prepare o processo eleitoral e se constitua uma mesa, formada, entre outros membros, pelo trabalhador mais antigo e pelo mais novo, que têm a seu cargo a recepção dos votos.
Podem apresentar-se ao acto eleitoral uma ou várias candidaturas, cada uma delas constituída pelo equivalente ao número de delegados a eleger. Nas empresas públicas pode existir, no mínimo, uma lista, e no caso das empresas privadas são obrigatórias, pelo menos, duas: uma para o pessoal técnico, outra para o não técnico ou não qualificado.

O processo eleitoral decorre nos mesmos trâmites para o sector público e para o sector privado?

Existem poucas diferenças entre ambos, já que em termos de princípios gerais a orientação legal é a mesma. As diferenças mais significativas prendem-se com o facto de a administração pública eleger menos dois representantes nos locais de trabalho que contem com mais de 101 trabalhadores, bem como de as unidades eleitorais na função pública, designadas ?juntas de pessoal?, não coincidirem com o Estatuto Geral dos Trabalhadores, aplicado apenas ao sector privado, que elegem ?comités de empresa?.

Essa diferença aplica-se ao sector educativo?

Sim, há dois processos distintos, caso se trate do ensino público ou do ensino privado. No ensino público realizam-se eleições provinciais [o equivalente aos distritos em Portugal] no ensino básico, no ensino secundário e no ensino superior e os delegados agrupam-se numa única candidatura por cada sector de ensino. No ensino particular as condições estão dependentes da especificidade de cada estabelecimento de ensino. O período em que está activo um comité de empresa é de quatro anos e cumprido esse período convoca-se nova eleição.

Quem pode convocar eleições sindicais?

Apesar de qualquer sindicato legalmente constituído poder apresentar uma candidatura, apenas estão legitimados para convocar eleições os sindicatos mais representativos a nível estatal ou nas Comunidades Autónomas (CA), isto é, que tenham uma representatividade superior a 10 por cento a nível nacional ou de 15 por cento e um mínimo de 1500 delegados numa CA.
Podem também convocar eleições os sindicatos que tenham obtido 10 por cento numa província [distrito] ou círculo eleitoral; que tenham 10 por cento de representantes na empresa ou unidade eleitoral; que contem com 10 por cento de representantes no conjunto das administrações públicas; ou os trabalhadores de uma unidade eleitoral por acordo maioritário.

Quem pode apresentar candidaturas?

Qualquer sindicato legalmente constituído ou uma coligação de sindicatos, não podendo apresentar mais de uma candidatura, ou por um grupo de trabalhadores se a sua candidatura estiver avalizada por um número de eleitores pertencentes a uma unidade eleitoral que reúna no mínimo o triplo dos lugares a eleger.
No caso do ensino público, é importante referir que os professores que assumem cargos de direcção nas escolas não podem participar na eleição como candidatos.

Quais os órgãos que supervisionam o processo eleitoral?

O processo eleitoral é supervisionado pela Oficina Pública de Registo, desde a altura em que é despoletado o pré-aviso de eleições, e pelos próprios sindicatos. Ao mesmo tempo, há uma comissão de arbitragem, nomeada pela administração da região autónoma e ligada ao Ministério do Trabalho, que em caso de desacordo em alguma fase do processo pode impugnar a votação, procurar um acordo entre as partes e fazê-lo cumprir.

O acto eleitoral

De que forma são determinados os círculos eleitorais?

No caso da administração pública, nos quais se incluem as escolas, a unidade eleitoral é formada pelo conjunto dos centros de trabalho ? definidos como os estabelecimentos dependentes do respectivo departamento ou organismo tutelar que se concentrem na mesma província [equivalente ao nível distrital em Portugal] - e pelos funcionários a estes adstritos, os quais elegem um mesmo órgão de representação.

Como é feita a escolha dos locais de voto?

A lei obriga que a votação seja feita no local de trabalho e no horário de trabalho dos trabalhadores.

Os candidatos às eleições só podem votar na respectiva escola ou podem votar fora da escola?

Os candidatos votam na respectiva escola. No entanto, se o candidato integra uma mesa de voto ou está presente na qualidade de observador numa outra escola que não a que se candidata, pode fazê-lo nesse local.

Como é determinado o número de eleitos em função do número de eleitores?

O número de representantes eleitos é determinado em função do número de trabalhadores. Essa relação numérica encontra-se expressa numa tabela, que, no entanto, atribui diferentes valores caso se trate do sector privado ou do sector público. Assim, por exemplo, num centro de trabalho que tenha entre 101 e 250 trabalhadores um comité de empresa elege nove representantes e uma junta de pessoal, com o mesmo número de funcionários, elege apenas sete.
No caso da administração pública, essa tabela determina, por exemplo, que para um universo entre os 50 a 100 funcionários estes elejam 5 representantes, entre os 101 e os 250 elejam 7, entre 251 e 500 elejam 11, etc. Acima dos 1001 funcionários, elegem-se dois representantes por cada milhar a mais até a um máximo de 75.

Cada nível de ensino elege representantes na mesma proporção ou ela pode ser alterada, por exemplo, no caso do ensino superior, que contará, à partida, com um menor número de eleitores?

Não, cada nível elege um número igual de representantes, independentemente de se tratar do ensino básico, secundário ou universitário, já que a base de cálculo é o número de funcionários votantes.

Qual a entidade responsável pela promulgação dos resultados?

Uma vez concluída a votação e a contagem dos votos, a mesa deve divulgar o resultado no interior da escola, inscrevê-lo nos registos oficiais e entregá-los na Oficina Pública de Registo, que, depois de os validar, os envia posteriormente a cada sindicato participante e à respectiva escola.
Depois, a administração elabora a lista de representação que cada sindicato obteve e em função dela as organizações sindicais têm poder para negociar convénios colectivos, fazer formação e participar em processos de decisão. As organizações que não obtêm uma percentagem mínima de 5 por cento de representação ficam arredadas destes processos.

Direitos de participação

Em que instâncias de poder participam os eleitos e qual é o seu poder de negociação?

Os representantes sindicais de cada escola têm o direito de convocar, reuniões, assembleias e de negociar directamente com a direcção da sua escola. Os sindicatos representativos (com mais de 10 por cento dos votos) têm o direito de negociar com a administração do governo regional e a participar em negociações de interesse para os trabalhadores e para o sector a nível central.

Os sindicatos podem, então, negociar directamente com a administração central?

Dado que, entre nós,  as competências a nível educativo pertencem à esfera da administração autónoma regional, essa situação é pouco frequente. De qualquer forma, sempre que existe um tema de negociação de âmbito nacional os sindicatos deslocam-se a Madrid para dialogar com a administração central.
É o caso, por exemplo, de algumas competências ao nível da formação de professores, que o tribunal constitucional decidiu serem da responsabilidade das regiões autónomas, mas que até agora continua sem efeito de lei.

Campanha eleitoral

Os sindicatos apresentam programas? Em caso afirmativo, o que se privilegia: os aspectos profissionais ou as questões de política educativa?

Sim. O programa eleitoral apresenta habitualmente questões que se preveja que dominem o debate nos quatro anos seguintes e tenham importância para os trabalhadores e escolas, tanto a nível profissional como laboral, reflectindo a postura de cada sindicato face a cada tema.
No que respeita à negociação salarial, por exemplo, que foi uma discussão que dominou o debate na função pública ao longo dos últimos dois anos, cada sindicato divulgou publicamente a sua proposta. Recentemente, saiu uma nova lei regulamentadora do sector educativo, dando oportunidade a cada sindicato de divulgar publicamente as suas propostas e de apresentar um plano de iniciativas.

Na sua opinião, em que medida favorecem as eleições sindicais o debate em torno da educação?

As eleições sindicais favorecem a democracia participativa, elas são um bom meio promover o debate na medida em que dão a possibilidade a todas as organizações sindicais representativas, que actuam no sector educativo, de divulgar e debater as suas propostas junto dos trabalhadores, estimulando, desta forma, a sua participação activa no processo, habitualmente muito concorrido.
Por outro lado, e na medida em que o processo se repete quadrienalmente, faz com que ao longo desse período intercalar se promovam debates específicos sobre as matérias que mais preocupam os trabalhadores e incentiva a sua participação na definição das estratégias. É também uma forma de, num dado momento, poder mobilizá-los na luta pelos seus interesses porque estão informados acerca das matérias discutidas. Neste processo os trabalhadores sentem que podem influenciar a defesa de pontos de vista e de politicas com interesse para todos e podem apoiar ou penalizar os sindicatos em função do trabalho concreto que estes desenvolvem durante os mandatos.

A comunicação social costuma dar algum relevo às eleições sindicais?

Quando o governo avança com uma medida que não é do agrado dos sindicatos, a comunicação social não dá habitualmente muito relevo à nossa opinião e prefere destacar os interesses do governo e das organizações patronais. A comunicação social continua a favorecer o poder dominante ou seja das entidades patronais e dos governos. De qualquer forma alguma coisa vai aparecendo, apesar de isso nos exigir muito trabalho.

Considera que o actual sistema eleitoral tem demonstrado que funciona bem ou existem aspectos que os sindicatos gostariam de ver corrigidos ou melhorados?

Sim, há aspectos que necessitam de ser melhorados. O facto, por exemplo, de o sector público eleger um menor número de representantes do que o sector privado. Não se justifica esta desigualdade que penaliza os trabalhadores do sector público.

Porquê essa diferença?

Não tem uma explicação plausível. É provavelmente uma herança do corporativismo franquista. Os trabalhadores do sector público não eram considerados como verdadeiros trabalhadores. Ficou assim estabelecido na lei. Mas é sem dúvida um dos aspectos que deve ser corrigido, para que existam os mesmos direitos de representação.
Outro dos aspectos a necessitar de ser corrigido prende-se com a regra da proporcionalidade entre a relação do número de eleitores e de eleitos, já que há listas, por exemplo, que quer tenham quinze ou trinta votos elegem apenas um representante.
Apesar de necessitar de melhorias pontuais, o sistema, de uma maneira geral, vai funcionando bem e permite, sobretudo, a representação dos trabalhadores nos órgãos de negociação e na definição das políticas. É um elemento que contribui para qualificar positivamente um Estado Democrático.

Entrevista conduzida por Ricardo Jorge Costa


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 156
Ano 15, Maio 2006

Autoria:

Consuelo Martinez García
Coordenadora da Secretaria Confederal de Organização da Confederação Intersindical Galega (CIG)
Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação
Consuelo Martinez García
Coordenadora da Secretaria Confederal de Organização da Confederação Intersindical Galega (CIG)
Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação

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