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Cinema e experiência estética

Ver um filme, ir ao cinema, deve entender-se como o prazer de desfrutar uma obra de arte ou um entretenimento de fundo cultural, nunca como uma fonte de preocupações escolares, simplesmente como recurso didático, como introdução de inovação tecnológica na escola (...) insistimos na perspectiva de que "didatizar" ou "escolarizar" o cinema é empobrecê-lo e negar sua própria natureza e importância

Um filme e o cinema entendidos como uma obra de arte constituem uma excepcional fonte de conhecimentos, de expressão e de leituras sobre vários temas e uma possível base para desencadear um frutuoso debate sobre uma imensidão de assuntos, sobretudo no campo educacional. Contrariamente, um filme como uma obra de arte, pode ser apenas a visão de um mundo que nos é transmitida pelo artista que a concebe, que a realiza, mas de qualquer maneira ele é mensagem, ou melhor, um transmissor de mensagens, com o impacto poderoso da imagem. Pretende, por isso, ser uma linguagem que procura transmitir-nos alguma coisa.
O cinema pode ser, ainda, um elemento vital para a construção de um homem livre nas suas convicções, crítico nas suas análises, humanista e sensível na sua forma de compreender e olhar o mundo e a vida, aberto à multiplicidade de propostas, respeitando as diferenças e a igualdade que devem balizar a sociabilidade humana, pode ser inovador na descoberta de novos caminhos. Neste sentido a experiência estética se encontra e aproxima de elementos éticos, ou melhor, da formação e do exercício da ética.
Ver um filme, ir ao cinema, deve entender-se como o prazer de desfrutar uma obra de arte ou um entretenimento de fundo cultural, nunca como uma fonte de preocupações escolares, simplesmente como recurso didático, como introdução de inovação tecnológica na escola. Com isto não estamos dizendo que o cinema não ensina ou que não possa ser utilizado como recurso didático-pedagógico. Ao contrário. É inegável que ele pode também ajudar-nos a compreender certos problemas do dia-a-dia, refletindo aspectos marcantes de determinada época e que nos ajuda a distinguir e valorizar o belo e o bem, não como normas fixas e imutáveis, mas como ideais a atingir, algo que os artistas, assim como os educadores, devem sempre perseguir. Qual seja, o fato de o cinema e filmes deverem ser apresentados como obras que valem por si sós, devendo ser conhecidos e apreciados por si mesmos, não quer dizer que não possam ser aproveitados como recursos na escola como estratégias de ensino e aprendizagem, senão por outras razões porque ele pode contribuir para as mais variadas áreas do conhecimento e questões separadamente, ou em uma saudável e desejável convergência interdisciplinar.
O aproveitamento interdisciplinar de qualquer filme é, não só legítimo, como desejável, demonstrando que a arte não existe isolada, mas indissociavelmente ligada a tudo. Contudo, insistimos na perspectiva de que "didatizar" ou "escolarizar" o cinema é empobrecê-lo e negar sua própria natureza e importância. É nessa linha que se posicionam Teixeira & Lopes (2003, p. 11) quando reconhecem A constatação da importância do cinema por si só, qual seja, a necessidade de "formarmos" a sensibilidade e as capacidades das crianças e jovens para melhor usufruírem e sentirem esta arte e outras, não desconhece nem desconsidera seu caráter pedagógico e até mesmo didático.
O cinema constitui um verdadeiro auxiliar de ensino num contexto interdisciplinar, sublinhando devidamente as componentes valorativas de um autêntico humanismo, com as suas vertentes éticas e estéticas, de forma a controlar os fabulosos meios que as novas tecnologias põem ao serviço do Homem contemporâneo, e incentivando a criatividade de alunos e professores na pesquisa de novos caminhos.
No caso específico do cinema e no seu diálogo com a educação, poderíamos dizer que uma obra cinematográfica assim construída, trará benefícios incomensuráveis não só para a educação, mas para o próprio cinema e estará, seguramente, não só sinalizando caminhos, mas construindo-os numa perspectiva não colonial. Este cinema que precisamos e que desejamos descolonizado nos processos educativos, precisa de uma nova configuração na qual alie beleza formal com conteúdos que nos obriguem a refletir. Precisamos e desejamos, em suma, de um cinema que rompa com modelos estereotipados, que possa desvincular-se da produção em série, tipo ?linha de montagem?, enfim de um cinema, não tenhamos medo de dizê-lo, que bata de frente com os processos educativos que estão na contra-mão da emancipação humana.

Referências bibliográficas

  • TEIXEIRA, Inês Assunção de Castro & LOPES, José de Sousa Miguel. Apresentação. In: (orgs.). A escola vai ao cinema (2a ed.). Belo Horizonte: Autêntica, 2003 (9-24).

  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 153
Ano 15, Fevereiro 2006

Autoria:

José de Sousa Miguel Lopes
Univ. do Leste de Minas Gerais, Brasil
José de Sousa Miguel Lopes
Univ. do Leste de Minas Gerais, Brasil

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