Francisco Porto Ribeiro é sócio da Associação Abraço e colabora como voluntário na Direcção e na Comissão Executiva desta instituição, onde assume a responsabilidade pelos serviços administrativos e financeiros. É também o principal responsável pelas iniciativas da Abraço na região norte do país. Nesta curta entrevista à Página, explica-nos porque razão considera que ainda se mantém a ?ignorância social? sobre este assunto e porque acusa a classe política de querer continuar a ?negar a realidade?.
Francisco Porto Ribeiro, da Associação Abraço, traça retrato crítico
Segundo dados do Centro Europeu para a Vigilância Epidemiológica da Sida, a taxa de incidência de sida na União Europeia (UE) decresceu 45% entre 1992 e 1998. Apenas em Portugal se assistiu a um acréscimo desta taxa, que, aliás, quase duplicou. Nessa altura ela era de 81,8 por cada milhão de habitantes. Qual tem sido a evolução desde essa altura?
Ao analisar os dados a que faz referência, é necessário contextualizá-los no tempo e no espaço, ou seja, atender ao factor cultural na época e ao que ele é hoje. Nesse sentido, não me parece despropositado considerar o impacto do aumento da informação, bem como o papel da comunicação social na revelação de situações sociais que antes estariam escondidas ou na aferição de dados que anteriormente, por desinteresse político, não eram considerados. O aumento verificado durante esse período só poderá espantar quem não conhece a fundo esta questão ou quem discute o assunto com base num critério nada fidedigno. A verdade é que inúmeras associações e especialistas da área sempre tentaram trazer a público a necessidade de se aferirem números reais, de casos concretos, apurados por quem está no terreno. Um dos casos concretos a que me refiro, e que contribui para o aumento da taxa de incidência do HIV, é a falta de assistência médica aos emigrantes ilegais, o que contraria a própria legislação comunitária, que defende o direito de acesso a cuidados médicos, quer se trate de cidadãos nacionais ou não. Depois, existe também a ideia de que o vírus praticamente se limita aos grupos de risco, hoje um mito, mas que em determinada altura se revelou oportuno para estudar a evolução dos casos. Hoje, falar em grupos de risco demonstra, acima de tudo, ignorância sobre este assunto, já que o que existe são comportamentos de risco, independentemente das tendências sexuais, da raça, do credo, da língua, actividade profissional ou qualquer outro factor. Quanto à pergunta concreta que me faz, e apesar de não haver consenso sobre os dados estatísticos, penso que actualmente nos aproximamos bastante dos números reais, cujo crescimento estagnou ou, no mínimo, se atenuou, denotando um controlo relativo da situação. O que não diminuiu foi a ignorância social.
Porque razão faz essa afirmação? Portugal viveu nos últimos vinte anos uma realidade adormecida e os portugueses são hoje confrontados com factos e dados que os espantam. E, em alguns casos, pretende-se continuar a negar a realidade, nomeadamente por parte de quem tem obrigações sociais e não as cumpre ? e refiro-me particularmente à classe política. Sem que esta assuma os erros do passado, jamais poderá compreender as acções do presente e corrigir o futuro. Só após assumirmos que ainda temos um problema dentro do nosso país e que a solução passa pela clareza da linguagem, pela comunicação e pela sensibilização para o problema, nomeadamente através do reforço das campanhas de prevenção nas escolas e em outros meios sociais e profissionais, é que conseguiremos combater os "maus" hábitos sociais.
Na opinião da Abraço, que principais problemas continuam a subsistir em Portugal nesta área?
Em primeiro lugar, não acho que exagero quando digo que se pode direccionar essa questão para o plano cultural e para o índice e o grau de conhecimento da população sobre o tema. As pessoas direccionam um olhar diferente, que varia entre o desprezo e a pena. Temos todos que aprender a estar em sociedade com este flagelo. A sua carga negativa comporta comportamentos estereotipados completamente desajustados da realidade. Mas ainda se paga por isso. A sociedade é cruel por aquilo que não sabe, por aquilo que desconhece e não procura saber. Quando a Abraço desenvolve projectos de rua e de sensibilização, as pessoas apreciam antes de tudo o aspecto moral do tema e não a abrangência social. Depois, a nível prático, não há apoio na área da prevenção, não se criam incentivos, nem há interesse para tal. Só a título de exemplo, a Abraço tem um projecto de rua que insistentemente apresenta aos organismos decisores e que recorrentemente é chumbado por não haver interesse nele. O mesmo se passa com as nossas acções de prevenção.
Entrevista conduzida por Ricardo Jorge Costa
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