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Nós e os treinadores de bancada

Ainda os professores

Na revista XIS de 8 de Outubro, Daniel Sampaio afirma que ?surpreende [por parte dos professores] a recusa recente em dar ?aulas de substituição? a alunos diferentes dos seus, alegando não conhecerem os estudantes à sua frente!? Nunca ouvi tal recusa, nem tal é possível numa escola, face às obrigações em substituir um colega que falte; o que existe é um questionar dessa obrigação, quando o professor tem o seu horário lectivo marcado, e se pretende que realize uma aula de substituição gratuitamente.
Na sua crónica de 7 de Outubro, Miguel Sousa Tavares (MST) repesca um outro artigo seu, de 2001, onde afirmava que ?no ensino mandava o Sindicato dos Professores? e ?deu [o Governo Guterres] a gestão do ensino aos professores, aos alunos e à JS?; tem piada tais afirmações, pois nunca reparei que houvesse mais que o Estatuto da Carreira Docente, aprovado na A.R. em 1989-90, e problemas semelhantes aos de hoje.
Adiante, escreve MST: ?No outro dia, ouvi um representante sindical dos professores anunciar a sua última razão de contestação: querem que as ?aulas de substituição? sejam pagas como trabalho extraordinário. (?) Conhecem alguma empresa privada, no mundo inteiro, onde um trabalhador ouse colocar isto como ?direito adquirido???.
Esqueceu-se MST que o horário lectivo dum docente está estabelecido deste o início do ano escolar, e qualquer outra aula pontual, como uma de substituição (assim tida pelo D-L 1/98, de 2 Janeiro, art. 10º, nº 2, alínea m), é uma hora extraordinária (mesmo D-L, art. 83º, nº 2) ? mesmo que o actual Ministério da Educação (ME) não o queira admitir, preferindo que as reformas embarateçam o ensino. Diga MST qual a empresa privada que coloque o trabalho gratuito como ?obrigação adquirida?.
Além de cumprir as 22 horas  lectivas semanais do seu horário, por imposição do ME tem o docente de estar na escola mais outras 5 horas, ficando 8 horas para o seu trabalho individual (preparação de aulas, testes, etc.), e outras 2 horas reservadas para reuniões. E o que fazer quando as reuniões semanais ultrapassam as 2 horas? Parece óbvio que são também horas extraordinárias, face à rigidez do actual horário docente. Até final de Agosto deste ano, as reuniões que houvesse ? de conselho pedagógico,  departamento, grupo disciplinar, conselho de turma, com os encarregados de educação -, marcadas, por óbvia conveniência, após o final das aulas da tarde, realizavam-se no horário não-lectivo dos professores, suficientemente elástico para as admitir. Agora, pode um professor trabalhar na escola 5 horas de manhã, outras 4 horas à tarde, e ter uma reunião às 18 horas. Diga MST qual a empresa que considera uma função diária de 5+4+2 horas = 11 horas como ?obrigação garantida?.
Óbvio que as 2h/semana para reuniões significa uma subvalorização das mesmas, pretendendo o ME impor um horário rígido ? cai muito bem perante a população, sempre disposta a culpar os professores pela má educação ?, mas que mantenha a flexibilidade do anterior horário, com os professores sempre dispostos a reuniões pós-aulas. Não legislou o ME sobre o horário pós-laboral dos docentes; isto é, terminando as aulas nas escolas por volta das 18 horas, não está o docente livre de encargos pedagógicos? Após as 18 horas, não é já o horário pós-laboral, sujeito a horas extraordinárias e passível de ser aceite (ou não) pelo funcionário? Terá o docente espírito e paciência para uma reunião de turma depois de leccionar e trabalhar na escola 9 horas?
Na coluna de Eduardo Prado Coelho (EPC), no Público de 22 de  Setembro, afirma-se que Maria de Lurdes Rodrigues ?É certamente um dos melhores ministros da Educação que jamais tivemos?. Ora atente-se num pequeno aspecto da legislação produzida no tempo usual de férias da maioria dos funcionários da educação: ?7- A ausência do docente à totalidade ou a parte do tempo útil de uma aula de noventa minutos de duração é, em qualquer dos casos, obrigatoriamente registada como falta a dois tempos lectivos? (Despacho 17387/2005, D.R. de 12 Agosto, pág. 11523). Ou seja, apesar do aluno poder ter duas faltas (uma por cada 45 minutos de aula) e do professor ter de marcar duas aulas sumariadas, se este faltar a um tempo lectivo de 45 minutos, terá de justificar como falta a dois tempos lectivos (a descontar no período de férias). Trocando em miúdos: as aulas começam às 8,30 da manhã; passaram os 10 minutos de tolerância, o professor chega atrasado um minuto, e os alunos já não estão à porta da sala; terá o docente de justificar o atraso com dois tempos lectivos, podendo só voltar a leccionar às 10,15 (no caso, corrente, de haver um intervalo de 15 minutos após o primeiro bloco de 90 minutos). Porventura tal alínea incentiva os professores, ou foi redigida pensando nos alunos, sujeitos a serem substituídos, por outro professor e outra disciplina, durante 90 minutos? Diga MST qual a empresa em que um funcionário, chegando atrasado 11 minutos, só pode trabalhar passada uma hora e meia.
Outra hipótese: no bloco da tarde (p. ex., das 16 às 17,30), o docente sente-se mal no início do 2º bloco de 45 minutos (iniciado às 16,45), e tem de sair da sala; o sumário, escrito no livro de ponto, relativo ao primeiro bloco de 45 minutos, terá de ser anulado e, apesar de ter leccionado, o docente tem de justificar a falta ao bloco de 90 minutos. Diga MST qual a empresa em que um funcionário, saindo 45 minutos antes do seu horário, tem falta de 90 minutos.
Já EPC afirma que ?Se os sindicatos persistirem  em estar sempre na oposição, vão perder cada vez mais a credibilidade junto dos cidadãos e em particular dos professores?. Com despachos absurdos como o atrás citado, não são os sindicatos que perdem a credibilidade; como diz MST, deve o primeiro-ministro ?romper a direito? contra os ?interesses instalados?; as instituições não estão preocupadas com a credibilidade.
Voltando a Daniel Sampaio: ?Os alunos estão desinteressados do funcionamento da escola, em parte porque não foram motivados para participar, em parte porque é valorizada uma atitude de culto pelo lazer e desvalorização do esforço?. Acrescento: estão em demasia colonizados pelos futebóis, telenovelas, big nulidades, modinhas ? tudo propagandeado por gente adulta, com diplomas, mas vendida ao consumo rápido ?, e facilidades diversas que entraram, via ME, no sistema educativo, obrigando-o a descer de qualidade.
Todos os que citei passaram, como eu, pelos liceus do antigamente; esse tempo passou, e a maioria das escolas básicas são pobres, tal como é a sociedade portuguesa no geral, no domínio cívico, cultural, crítico e interventivo.
Pena é não ser possível um estágio de um mês numa escola pública (mesmo fora do programa ?Escola Segura?) a Daniel Sampaio, MST, EPC e outros treinadores de bancada!


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 150
Ano 14, Novembro 2005

Autoria:

Franklim Pereira
Professor, Braga
Franklim Pereira
Professor, Braga

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