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Movimento negro e educação

A decisão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de obrigar as escolas a ensinar história e cultura afro-brasileiras atendeu a uma reivindicação do movimento negro, mas está sendo duramente criticada por especialistas em currículo e legislação de ensino. Em defesa da lei, a conselheira do CNE (Conselho Nacional de Educação) Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva, primeira negra a ocupar um cargo no conselho, e colaboradora de a PÁGINA, argumenta que é necessária para melhorar o conhecimento de professores e alunos a respeito da história dos negros no Brasil.

1- Você tem insistido na importância de os sistemas de ensino, os estabelecimentos de ensino buscarem dialogar com grupos do Movimento Negro para implantar devidamente o ensino de cultura e história afro-brasileira e africana, regulamentado, no Brasil, por recente Parecer do Conselho Nacional de Educação. Por quê?

De um lado esta insistência  para  que educadores, administradores dos sistemas de ensino, políticos aproximem-se  do movimento social negro advém da preocupação de que, como pondera Tapernoux (1997, p. 107) ?em nome de um universalismo tão generoso quanto ignorante das realidades se apaguem as diferenças significativas em vez de analisá-las?[i], compreendê-las, valoriza-las, estudá-las, divulgá-las.
De outro, as reivindicações dos negros brasileiros por educação de qualidade que os contemple enquanto cidadãos e enquanto descendentes de povos detentores de história e cultura milenar, datam pelo menos do século XIX. Se buscarem em suas gavetas ou puxarem por sua memória, os dirigentes de sistemas de ensino públicos e privados, diretores de estabelecimentos de ensino de diferentes níveis hão de encontrar propostas de grupos do Movimento Negro que certamente os procuraram em busca de aliados. E lá hão de encontrar roteiros de atividades visando a fortalecer a identidade das crianças e dos jovens negros,  a despertar o conhecimento e o respeito dos estudantes e professores brancos para com a pessoas negras e suas culturas, a ensinar, a todos os brasileiros, história da África e dos negros brasileiros.

2- Se o Movimento Negro Brasileiro, por meio de seus diferentes grupos, tem atuado no sentido de introduzir história e cultura negras nos currículos escolares, pode-se dizer que de alguma forma influenciam o sistema de  educação?

A Professora Doutora Nilma Lino Gomes, da Universidade Federal de Minas Gerais, em artigo de 1995, mostra  contribuições do Movimento Negro para o pensamento educacional brasileiro, destacando [ii] que  este movimento "trouxe não somente reivindicações, mas também problematizações teóricas e ênfases específicas", tendo assim requalificado os direitos sociais, ampliado " a concepção de direito à saúde, lazer, educação." A primeira contribuição, segundo ela, diz respeito " à denúncia de que a escola  reproduz e repete o racismo presente na sociedade; a segunda refere-se ao processo de resistência negra; a terceira, à centralidade da cultura de ancestralidade africana na construção da identidade dos negros em particular e do povo brasileiro  em geral; a quarta, tem a ver com o questionamento " do discurso e da prática homogeneizadora, que despreza as singularidades e as pluralidades existentes entre os diferentes sujeitos presentes no cotidiano escolar"; a quinta, encaminha para  repensar da estrutura escolar, a fim de que seu caráter excludente seja abolido.
Representantes do Movimento Negro, pois, são parceiros indispensáveis para que se diagnostiquem necessidades e encaminhem políticas visando  oferecer, aos negros, condições de acesso a todos níveis de ensino, de realização de estudos com sucesso, colhendo e processando dados e informações provenientes de investigações realizadas ao longo da história das ciências, aprendendo produzir conhecimentos, aplicar resultados de pesquisas, sem ter de se aculturar  ao pensamento e perspectivas de vida brancos.
Também a assessoria do Movimento Negro se faz indispensável nas decisões relativas às disciplinas que tratarão de história, sociologia, filosofia, religião, artes, matemática, tecnologias de raiz africana, bem como nas concernentes a metodologias adequadas. Esta ponderação longe está de sugerir que o Movimento Negro substituiria os especialistas nas diferentes áreas de estudos; o que pretende salientar é a importância de estes conteúdos serem estudados a partir da visão de mundo dos negros. Caso contrário, correr-se-á o risco de tratá-las e interpretá-las em perspectiva estranha à cultura em que foram produzidas. Cabe lembrar que embora pouco numerosos, há pesquisadores negros em todas áreas de conhecimento, muitos deles militantes do movimento em pauta.

[i] TAPERNOUX, Patrick. Les Enseignants face aux Racismes. Paris, Anthropos, 1997.
[ii] GOMES, Nilma Lino. A Contribuição dos Negros para o Pensamento Educacional Brasileiro. In:Silva, Petronilha B. G. e & BARBOSA, Lúcia M. de A O Pensamento Negro em Educação
No Brasil; expressões do Movimento Negro. São Carlos, EDUFSCar, 1997.

  
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Edição:

N.º 136
Ano 13, Julho 2004

Autoria:

Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva
Univ. Federal de São Carlos, Brasil
Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva
Univ. Federal de São Carlos, Brasil

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