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A educação ambiental e a constituição de uma pedagogia cultural

A emergência de um conjunto de práticas educativas nomeadas genericamente como Educação Ambiental (EA), bem como a identidade de um profissional a ela associada - o educador ambiental - são desdobramentos que podem ser entendidos como parte dos movimentos de estruturação de um campo sócio-cultural. Este ?ambiente? de sentidos sobre as relações sociedade-natureza cria identidades entrelaçadas numa comunidade ambiental, cujo surgimento e desenvolvimento se dá tanto no plano internacional quanto nos cenários nacionais. A EA, nesse sentido, enquanto uma pedagogia cultural, está profundamente marcada pelos limites e possibilidades de uma cultura ambiental que vem se produzindo desde a década de 1970, com crescente legitimação na esfera pública.
Esta cultura ambiental se caracteriza pela grande diversidade de atores e interesses sociais que articula. É, portanto, no contexto das disputas teórico-metodológicas e ideológicas que vão se delinear as nuanças, ênfases e diferenças na interpretação da problemática ambiental. Do mesmo modo, veremos estas disputas atravessando os conceitos, programas, pedagogias e políticas em educação ambiental.
No caso do Brasil, ainda que possamos identificar um conjunto de experiências culturais relacionadas ao cuidado com a natureza ao longo da história do país, um conjunto de políticas ambientais governamentais e movimentos da sociedade civil nomeadamente ?ecológicos? começam a surgir de forma mais sistemática por volta dos anos 1970. Em termos de ação do Estado, destaca-se a criação da Secretaria Nacional de Meio Ambiente ? SEMA, em 1972, em resposta ao debate internacional gerado pela Conferência Internacional de Meio Ambiente, também conhecida como Conferência de Estocolmo, promovida pela ONU (1972). É nos anos 1980, no entanto, que se configura mais nitidamente um espaço próprio da educação ambiental. Este processo é concomitante com a expansão de uma institucionalidade ambiental no plano internacional, o que se observa pelo surgimento de um grande número de entidades/ONGs ambientalistas, e pelo início da internalização desta preocupação nas instituições governamentais e intergovernamentais.
A despeito da diversidade das práticas em EA tem se construído um certo consenso em torno de orientações interdisciplinares e metodologias participativas como características das pretensões pedagógicas da EA, o que se verifica nas orientações das conferências internacionais sobre educação ambiental promovidas dentro do chamado ciclo social da ONU: 1977 ? Tibilisi (ex- URSS) e 1997 - Tessalonica (Grécia).
Se no anos 70 do século recém findo vemos o surgimento da EA e de seus primeiros marcos conceituais, nos anos 90 observa-se o crescimento da sua dimensão institucional. Abre esta década um clima de valorização da cultura ambiental, incrementada com a realização da Conferencia da ONU sobre Meio ambiente e desenvolvimento, em 1992 (ECO-92), no Rio de Janeiro. No Fórum Global, evento da sociedade civil, paralelo à Conferência dos Governos na ECO-92, foi elaborado e firmado o Tratado Internacional de EA. Neste mesmo contexto, a inclusão da EA tornou-se item necessário em documentos internacionais, como a Agenda 21, nos grandes projetos de desenvolvimento firmados entre governos e Bancos Multilaterais.
Tudo isso alavancou a formulação de políticas públicas nacionais. No caso brasileiro, a preocupação ambiental foi incluída como tema transversal nos Parâmetros Curriculares Nacionais, em 1997, e em 2002 foi regulamentada a Lei que cria a Política Nacional de EA. Mais recentemente, o surgimento dos cursos interdisciplinares de Pós-Graduação voltados para a temática ambiental tem impulsionado a pesquisa em EA. Isto se verifica com a criação, em 2002, da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Ambiente e Sociedade ? ANPPAS (www.anppas.org.br).
Estas ações têm contribuído para reforçar uma cultura ambiental, bem como suas pretensões éticas, criando condições de legitimação e disputando reconhecimento para além de seu universo específico. Este parece ser o caso da experiência social contemporânea ao ressignificar o cuidado para com a natureza como valor ético-político norteador de uma projeto de sociedade ambientalmente orientado. Ideário este que alimenta a utopia de uma relação simétrica entre os interesses das sociedades e os processos da natureza. Na perspectiva de uma ética ambiental, o respeito aos processos vitais, com seus limites de regeneração e capacidade de suporte, são eleitos como balizadores das decisões sociais e reorientadores dos estilos de vida coletivos e individuais. Aqui, juntamente com uma educação, delineiam-se novas racionalidades guiadas por um sujeito ambiental ideal, constituindo os laços identitários de uma cultura ambiental.
Este grande marco ético-cultural ao mesmo tempo que opera como um solo comum, tornando possível falar de um campo ambiental, não dirime a natureza conflituosa das disputas internas ao campo. Assim, pode-se falar em  "educações ambientais", já que estão em jogo os sentidos particulares do ambiental, numa esfera de relações em que há lutas de poder. Alguns dos conflitos centrais das principais disputas ambientais contemporâneas são aqueles que emergem em torno da justiça ambiental, de relações comerciais equilibradas e das concepções de sustentabilidade. Estes embates configuram o território político onde as práticas de EA vão engajar-se na disputa por valores éticos, estilos de vida e racionalidades que atravessam a vida social. Deste modo, as práticas em EA, desde suas respectivas matrizes políticas e pedagógicas, produzem culturas e subculturas ambientais, influindo sobre a maneira como a sociedade dispõe dos bens ambientais e imagina suas perspectivas de futuro.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 134
Ano 13, Maio 2004

Autoria:

Isabel Cristina Moura Carvalho
Psicóloga, doutorada em educação Univ. Luterana do Brasil
Isabel Cristina Moura Carvalho
Psicóloga, doutorada em educação Univ. Luterana do Brasil

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