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Os «pais de Bragança» e os jovens ciganos

Hoje as violências são mais visíveis. Mas, em alguns casos, continuam a ser socialmente aceites. O caso das minorias étnicas ? e em particular dos ciganos, povo nómada, desestruturado pela destruição da sua base económica tradicional, o pequeno comércio ambulante ? atinge o epicentro da discriminação?

Portugal não é um país de brando costumes. Nunca o foi. Mesmo durante o mito salazarista de um bucólico país rural existiam, em silêncio, crimes bárbaros e múltiplas violências, em particular num tempo em que as questões da terra e da propriedade levantavam acesas e agressivas paixões, ou em que as famílias, na linhagem patriarcal, assumiam, sem pejo, o papel de guardiãs da moral e da ordem masculinas. A própria Igreja era cúmplice destas violências e o Estado, epicentro da repressão, prendia, torturava, matava. As escolas, plenamente «elevadas» à categoria de aparelhos ideológicos de Estado, exerciam punições físicas e simbólicas. A guerra colonial significou, então, o apogeu do horror e alguns militares, como Kaúlza de Arriaga, mancharam as mãos de sangue em orgias de massacre.
Hoje as violências são mais visíveis. Mas, em alguns casos, continuam a ser socialmente aceites. O caso das minorias étnicas ? e em particular dos ciganos, povo nómada, desestruturado pela destruição da sua base económica tradicional, o pequeno comércio ambulante ? atinge o epicentro da discriminação, devido quer às condições sociais que produzem a segregação (desemprego, precariedade, toxicodependência, miséria, iliteracia e baixas qualificações?), atingindo, embora de modo desigual, segregadores e segregados, quer aos emergentes discursos populistas (os clones desavindos ? Paulo Portas e Manuel Monteiro ? constituem uma expressiva ilustração dessas narrativas saudosas da pureza étnica de um povo imperial).
Em Bragança, os pais e os responsáveis de uma escola ergueram um coro (um muro!) de protestos contra a eventual inserção de uma turma de ciganos, impelidos à escolarização como contrapartida do usufruto do rendimento social de inserção.
A questão é complexa. Desde logo, porque a entrada dos jovens ciganos é forçada. Em segundo lugar, porque é feita à pressa, por via administrativa, sem envolvência da comunidade escolar e, acima de tudo, sem um projecto educativo e curricular que proporcione aos jovens ciganos algo mais do que uma obrigação que têm penosamente que cumprir. Mas não posso, em nome de uma hierarquia ética que defendo, deixar de condenar as inflamadas tomadas de posição dos encarregados de educação. Contextualizá-las e compreendê-las é fundamental, mas não perdoá-las ou deixá-las passar em claro. Nem me é possível, tão-pouco, passar ao lado da acção desastrada do meu sindicato ? o SPN ? ao colocar-se, de forma tão reducionista como corporativa, ao lado dos «pais» de Bragança e dos responsáveis da escola.
Combater a agenda mediática e a sua lógica imediatista é uma tarefa cívica da maior urgência. Mas também o é, mesmo com desculpas ou atenuantes, opor firme resistência a todas as veleidades xenófobas ou aparentadas.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 130
Ano 13, Janeiro 2004

Autoria:

João Teixeira Lopes
Deputado do Bloco de Esquerda; Sociólogo. Univ. do Porto.
João Teixeira Lopes
Deputado do Bloco de Esquerda; Sociólogo. Univ. do Porto.

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