Onde nos levará a progressiva privatização do ensino? Creio ser lícito concluir que se acentuarão as diferenças entre ricos e pobres, acabando o ensino público por se constituir num repositório de alunos problemáticos, candidatos ao insucesso escolar.
Ainda não estamos nesse ponto mas para lá caminhamos. Com efeito, em variadas áreas, desde a educação até à saúde, o domínio público ainda é um atestado de credibilidade e promoção individual. Professor que é professor, tem que justificar o curriculo com a sua passagem pelo serviço do Estado. Isto pode encontrar explicação em factores históricos onde fenómenos sociais e económicos pouco evoluídos numa lógica de economia de mercado, impediam a abertura do sistema.
No entanto, a americanização da sociedade, no que esta tem de mais negativo, vai necessariamente desembocar na dicotomização do público/privado numa perspectiva tendencialmente pejorativa para o primeiro. A qualidade vai ser sinónimo de propinas elevadas em colégios de luxo extremamente selectivos; ou seja, um ensino à medida de uma sociedade ultra-liberal, dominada pelo capital e vocacionada para o individualismo amorfo do liberalismo, tudo sujeitando às suas matrizes essenciais, a saber:lucro e desprezo pelo fracasso.
Que ensino público de qualidade se pode exigir nos tempos que correm, quando a solução dos problemas parece passar pela afirmação das regras do capital em detrimento dos factores sociais? Não será remar contra a maré, ou mesmo um mero exercício de retórica, continuar a lutar pelo ensino público, uma educação para todos, integradora, socializante e simultâneamente humana? Não se terá dissipado o colectivo quando se partiu do pressuposto que podia coexistir com os processos individualistas e discriminatórios da lógica privada e particular? Não estaremos cobardemente, a tentar conciliar o irreconciliável, fazendo de conta ignorar o carácter essencialmente malévolo dos pressupostos liberais e mesmo da hipocrisia social-democrata?