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Maria Helena Nazaré

Sucedeu recentemente a Júlio Pedrosa - actual Ministro da Educação - na condução dos destinos da Universidade de Aveiro. Doutorada em Física, Maria Helena Nazaré foi Vice-Reitora e Directora da Escola Superior de Saúde da UA antes de ocupar o cargo máximo daquela que é considerada uma das mais prestigiadas universidades do país. Perspectivas de evolução da UA, ligação entre as empresas e o ensino superior e avaliação das instituições universitárias foram alguns dos temas abordados na entrevista que se segue.


Em que contexto surgiu a Universidade de Aveiro e como caracteriza a sua evolução?

A Universidade de Aveiro (UA) surgiu em 1973 e foi criada no âmbito do aparecimento das novas universidades, propostas pelo chamado despacho Veiga Simão, tendo-se afirmado numa primeira fase na área da formação de professores e na área das telecomunicações. Aliás, foi nesta universidade que teve lugar a primeira licenciatura em telecomunicações, destinada, na altura, aos funcionários dos CTT - Correios e Telecomunicações.
Os primeiros departamentos - Electrónica e Comunicações, Física, Química e Geociências - surgiram posteriormente, tendo-se igualmente apostado em duas áreas de formação pioneiras e inovadoras: a Engenharia de Cerâmica e a Engenharia do Ambiente. Ao longo do tempo, o 'campus' foi crescendo e afirmando-se pela sua qualidade, não só no que respeita ao ensino como às infraestruturas. As instalações da UA são uma amostra representativa dos mais conceituados arquitectos portugueses, sendo o plano de pormenor do 'campus' da autoria do arquitecto Nuno Portas, a todos os títulos notável.

Quantos alunos estão inscritos actualmente?

Muito perto de 12 mil.

A tendência é para esse número crescer, naturalmente...

Em 1995 foi lançado um desafio à UA no sentido de esta integrar escolas de carácter politénico. Assim, neste momento, para além dos departamentos de índole universitária, integramos três escolas politécnicas: A Escola Superior de Tecnologias e Gestão de Águeda, o Instituto Superior de Contabilidade e Administração e a Escola Superior de Saúde, esta última mais recente.

Quais são as perspectivas de expansão da universidade? Sei que há planos para a construção de um pólo no norte do distrito...

Sim, está prevista a construção de um pólo, mas temos consciência de que sistema de ensino superior está em estabilização. Aquilo que pretendo é que a UA se continue a afirmar pela qualidade e estou longe de querer que ela se venha a transformar na maior universidade do país. Se me perguntar se quero que ela seja a melhor, aí respondo-lhe afirmativamente. Ou seja, o ideal será conseguir estabilizar o número de alunos à volta dos actuais 12 mil, com um eventual crescimento proveniente da Escola Superior de Saúde. Neste momento estamos a trabalhar no sentido de aumentar o leque de formação de carácter politécnico, mas não incluo nesses planos o politécnico norte. Isso ficará para mais tarde.

Quantos cursos oferece o ensino politécnico na UA?

Actualmente temos cinco cursos a funcionar e aprovamos mais seis, recentemente, que irão arrancar gradualmente, de forma a dar resposta à necessidade de formação de pessoal qualificado nesta área. Na área da formação inicial universitária há uma ou duas lacunas que ainda precisam de ser preenchidas, mas que a breve prazo iremos colmatar.
Uma das prioridades é a área de pós-graduação, para a qual iremos criar cursos de formação especializados - cursos médios que, no sistema de créditos, correspondem a quatro, oito ou doze créditos - com a duração máxima de um ano e meio. São cursos essencialmente dirigidos a licenciados, que procuram competências acrescidas e específicas numa determinada área. Apesar de o principal objectivo não passar pela obtenção de um diploma, é óbvio que estes cursos são creditados para posterior obtenção de um grau de mestre.
Outra das áreas em que pretendemos apostar - e que considero fulcral para o país - é a da requalificação de activos. A UA entende que tem a obrigação de actuar nessa área e procurar estruturar formação para outro de tipo de profissionais, não licenciados, que, quer por necessidade própria ou pelo meio social em que estão inseridos, abandonaram precocemente os estudos. Na zona norte do distrito de Aveiro, por exemplo, os jovens começam a trabalhar muito cedo, mas ao fim de alguns anos estão desactualizados porque não adquiriram a formação necessária para renovar as suas competências. Para levar a cabo essa tarefa, selecionamos um grupo de quatro decentes que trabalham num programa que envolve escolas do ensino secundário, centros de formação profissional e o ensino politécnico, que servirá de lançamento à unidade politécnica no norte do distrito.

A ligação entre o ensino superior e o meio empresarial é fundamental para o desenvolvimento do país, quer em termos económicos quer no que respeita ao crescimento das próprias universidades e politécnicos. De acordo com o que tem referido, essa parece ser uma das principais apostas da UA...

A transferência de tecnologia para as empresas é apenas um dos aspectos que nos ligam ao meio empresarial, através de um programa que coloca os resultados da investigação à disposição dos agentes produtivos. Mas a nossa ligação com as empresas é mais vasto, sendo assegurado através de programas de cooperação traduzidos, nomeadamente, numa rede de formação que permite aos empresários que nele estão envolvidos determinar o tipo de formação a oferecer, mas também ajudar-nos a perceber quais as necessidades de formação do mercado.
A universidade tem procurado assegurar este envolvimento desde há longos anos, mas é um processo lento e por vezes "doloroso", porque nem sempre os investigadores se apercebem de que as soluções que interessam às empresas e à indústria não se compadecem com os mesmos 'timings'. A escala de tempo de um laboratório de investigação ou de um laboratório de desenvolvimneto não é a mesma que decorre da sua aplicação. O ajuste entre estas três escalas - o processo de criação, o processo de desenvolvimento e o processo de aplicação - são necessariamente diferentes, como igualmente diferente é o grupo de actores envolvidos. Quanto a mim, o grande erro da universidade portuguesa, desde há alguns anos a esta parte, é ter procurado que o grupo de actores seja o mesmo, e eu considero que isso não traz bons resultados.
Enfim, é um processo de aprendizagem mútua, para o qual, inclusivamente, existe um vice-reitor que desempenha precisamente o papel de ligação com as empresas, o que demonstra a importância com que a universidade encara essa área.

Os empresários sentem essa parceria como válida? Que 'feed-back' obtém?

Temos tido uma óptima colaboração. Os empresários têm um espírito muito aberto e crítico, e uma percepção de mercado diferente da nossa, o que nos ajuda a perceber as nossas fragilidades e a trabalhar no sentido de colmatá-las.

Considera importante a participação dos agentes económicos na definição do plano de actividades da universidade?

Com certeza, e essa preocupação reflecte-se no facto de termos uma representação do tecido empresarial no Senado da UA. É pena que esta relação não seja mais intensa e profícua, mas admito uma boa parte da responsabilidade nesse desajustamento. Por vezes torna-se mais fácil ajudarmo-nos mutuamente e entendermos os diferentes pontos de vista num ambiente mais informal, ao nível dos departamentos, por exemplo, do que ao nível dos órgãos académicos.

E quanto a parcerias com outras universidades?

Desenvolvemos um bom número de parcerias com diversas universidades do país e do estrangeiro, e nesse contexto integramos um consórcio de onze universidades inovativas europeias.

Que benefícios retira a UA dessas parcerias?

Estas parcerias desenvolvem-se principalmente na área dos métodos de ensino, no intercâmbio de estudantes de pós-graduação, em projectos conjuntos de investigação, na colaboração em novas formas de gestão, ou seja, na implementação de programas conjuntos que são mutuamente úteis. Uma boa parte dessa colaboração é efectuada com outras universidades portuguesas, que, ao contrário do que se possa pensar, existe e é posta em prática .

Segundo o último relatório de Desenvolvimento Humano, publicado em Julho do ano passado pela Unesco, Portugal é ainda um país da semi-periferia no que respeita à investigação e desenvolvimento das novas tecnologias. Que papel poderão ter as universidades portuguesas, e nomeadamente a UA, por ser uma instituição vocacionada para a área científico-tecnológica, no inverter desse processo?

Esses índices são todos verdadeiros, não há dúvida, mas penso que podem ser lidos de uma outra perspectiva. Há 20 anos, Portugal estava numa posição completamente diferente da que se encontra hoje, e aquilo que crescemos nesse intervalo é muito significativo. É claro que continuamos numa semi-periferia, mas importa ver o que crescemos, o esforço que foi efectuado e onde conseguimos chegar. O desenvolvimento é notável, e estou à vontade para dizê-lo porque não tive qualquer envolvimento na definição das políticas de investigação dos diferentes governos.

Mas será que a UA, tal como outras instituições dedicadas à produção de novas tecnologias, não conseguiria progredir de forma mais rápida se houvesse um maior investimento?

É óbvio que a atribuição de maiores meios financeiros poderia facilitar o desenvolvimento de determinados projectos de investigação. Mas também temos de ser pragmáticos: o desenvolvimento de determinadas áreas de investigação leva o seu tempo, tenhamos nós cinco escudos ou cinco contos. Porque consolidar uma universidade não é uma tarefa que se efectua em alguns anos, por muito dinheiro que haja. É um trabalho colectivo, que exige persistência.
Porém, no capítulo do financiamento, admito ter algum receio pelos tempos que se avizinham: o sistema de ensino superior está em estabilização - o número de alunos candidatos ao ensino superior está a diminuir - e a própria europa atravessa um período de pré-recessão - se não já mesmo de recessão -, factores que necessariamente irão ter consequências negativas no crescimento do sector.

Como vê a introdução de capitais mistos e privados na universidade?

Com toda a naturalidade. Para além da parcela de investimento público previsto na Constituição, que se justifica à luz das necessidades de formação do país e da dignidade com que se deve encará-la - a educação é um direito, e enquanto isto for assim - e eu espero não ver o dia em que não deixe de sê-lo - temos de assegurar o financiamento público, não vejo mal nenhum no facto de a universidade gerar receitas próprias. A universidade tem essa capacidade, e eu considero que deve aproveitá-la no sentido de captar investimento privado. Não pode é fazê-lo em detrimento da qualidade dos serviços públicos que presta.

Existem actualmente perto de 1500 cursos superiores em Portugal e cerca de 200 - na maioria pedidos por universidades particulares - aguardam homologação. O que pensa desta proliferação de cursosno ensino superior? Será viável?

Provavelmente não se justificará um número tão elevado de cursos no nosso país. Mas o princípio das universidades privadas não é muito diferente do das universidades públicas: desde que tenham qualidade e mercado não há razão nenhuma para que não existam. Apesar de ser necessário reconhecer que essa qualidade nem sempre é assegurada, isso funciona ao mesmo tempo como um factor de selecção, já que aquelas que conseguem manter padrões de qualidade continuarão a captar estudantes e serão capazes de se manter em funcionamento; as que não tiverem, e ainda para mais num sistema em fase de estabilização, irão ter de fechar as portas.
Mas aquilo que se exige das universidades privadas estende-se às instituições públicas. E a qualidade mede-se: para abrir um curso é necessário cumprir um determinado número de critérios padrão, que nada têm de subjectivo. No conselho científico desta universidade, por exemplo, existem actualmente cerca de 380 doutores, o que representa cerca de 60% do corpo docente. E isso é um índice de qualidade.

Qual é a sua opinião acerca do actual modelo de avaliação das instituições universitárias?

O nosso modelo de avaliação é baseado no modelo holandês, quanto a mim um modelo muito pragmático. Não tenho, por isso, qualquer objecção relativamente ao mesmo. Aliás, quando esse modelo foi posto em prática eu ocupava o cargo de vice-reitora, e tenho noção de como estava organizada a universidade em termos dos seus processos e como está actualmente.
Nesse sentido, foi dado um passo extremamente importante: o processo de auto-avaliação. Através dele, a universidade e a comunidade universitária toma consciência daquilo que está a fazer menos bem ou do que está mesmo a fazer mal. A tomada de consciência dessas lacunas é o início do processo para as colmatar, e eu vi isso acontecer nesta universidade. igualmente indispensável é a implementação das recomendações saídas da Comissão de Avaliação. E quanto a mim estes processos devem ser estendidos a todas as funções da administração pública, porque é uma boa maneira de irmos melhorando o que está menos bem, de uma forma construtiva.

Que consequências poderá ter a declaração de Bolonha para o ensino superior na europa. E Portugal, estará preparado?

A ideia que subjaz à assinatura da declaração de Bolonha, tanto quanto eu percebo, é a de promover a competitividade no interior do sistema educativo europeu, e deste em relação ao modelo norte-americano. E para promover essa competitividade é necessário traduzir em linguagem comum o significado das diferentes aplicações e dos diferentes graus académicos que atravessam transversalmente o sistema europeu. No entanto, isto não quer dizer que todos os países europeus tenham de ter o mesmo modelo, tem é de existir uma regra de interpretação comum.
Em Portugal não considero que esse processo venha a ser assim tão complicado. Se compararmos a nossa situação com o sistema francês, diria que estamos num "paraíso", porque a leitura do sistema deles é muito mais complicada do que a nossa.
No entanto, penso que em Portugal este processo deveria ser olhado numa perspectiva sistémica e começar a ser trabalhado por áreas. Ou seja, começar por fazer o "trabalho de casa" e avançar, paulatinamente, na construção do edifício. Poderão surgir algumas dificuldades, próprias de uma reforma desta envergadura, mas não me parece que venha a ser nenhuma tragédia. Aliás, isso já foi posto à discussão nas universidades e todos nós estamos na disposição de "partir pedra" para chegarmos a um consenso alargado.


  
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Edição:

N.º 110
Ano 11, Março 2002

Autoria:

Maria Helena Nazaré
Reitora da Universidade de Aveiro
Maria Helena Nazaré
Reitora da Universidade de Aveiro

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