"O mecenato tem a obrigação cívica de acreditar e apostar
na melhoria das condições de vida de um país".
Licenciou-se na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, em 1971, e dela
se tornou professora assistente estagiária. A curiosidade pela astrofísica levou-a
nessa altura a procurar formação na universidade de Sussex, em Inglaterra, onde
concluiu o mestrado e doutoramento naquela área. Uma experiência que considera
ter sido "extremamente positiva" não só no plano científico, mas sobretudo no
plano social por ser um país com tradições "curiosas" que admite apreciar, nomeadamente
a participação cívica da sociedade. Regressada à Universidade do Porto desenvolveu
a sua actividade docente como professora catedrática e investigadora no Centro
de Astrofísica da Universidade do Porto até 1998, altura em que é convidada
para integrar o conselho consultivo na área de ciência da Sociedade Porto 2001
- Capital Europeia da Cultura. Em Novembro de 1999 substitui Augusto Santos
Silva na direcção da Sociedade Porto 2001, da qual é actualmente presidente.
Uma das principais apostas do Porto 2001 - Capital Europeia da Cultura é a formação
de públicos. Essa aposta está a ser ganha?
Sim, penso que essa aposta está a ser completamente ganha.
Houve algumas nuvens negras que pairaram no horizonte antes da abertura da Capital
da Cultura, pressagiando a falta de público e acusando a programação de ser
elitista, mas os números e a prática provam o contrário: os diferentes eventos
estão quase sempre cheios e a nossa dificuldade, inclusivamente, é termos espaços
suficientemente amplos para poder receber todo o público que neles quer participar.
Segunda nota curiosa é o facto de esse público ser predominantemente jovem,
contrariando a ideia feita de que teríamos sempre a mesma elite a assistir aos
espectáculos. Torna-se agradável verificar que o público varia muito, é jovem
e assiste aos espectáculos como um acto "normal" - já não se vê aquele trajar
especial para ir à ópera ou ao concerto - o que é extremamente interessante,
porque mostra que a participação em actos culturais passou a ser encarada como
um acto quotidiano.
Como está a decorrer o envolvimento com as escolas? Houve algum projecto
especial para elas?
Há diversos projectos a decorrer com as escolas, incluídos
na Secção do Envolvimento da População. Não me lembro com exactidão de todos,
mas posso destacar o projecto de redescoberta dos percursos do Porto e um interessante
projecto de ligação à ciência que decorrem ao longo deste ano. Depois, houve
também as propostas que chegaram das próprias escolas e que foram integradas
na programação, desde o projecto de descoberta dos bastidores até aos passeios
guiados pelos museus da cidade, dirigidos às famílias, sem esquecer as parcerias
que foram criadas entre diversos estabelecimentos de ensino, através da internet,
promovidas pela sociedade Porto 2001.
Os criadores mais jovens tiveram oportunidade de participar activamente na
realização da Capital da Cultura?
Creio que sim, já que estabelecemos protocolos com diversas
escolas de formação, quer no que respeita às artes do palco, quer ao multimedia
e ao audiovisual, permitindo aos alunos, em regra finalistas, terem um contacto
próximo com artistas conceituados nas respectivas áreas, através de 'workshops'
e estágios. Aproveitando essa experiência, muitos participaram nos próprios
espectáculos, tendo alguns deles funcionaram inclusivamente como Provas de Aptidão
Profissional. É uma dimensão muito interessante porque confere uma componente
pragmática à componente cultural que integra um evento desta natureza.
Ao mesmo tempo não esquecemos a formação em áreas muito específicas ligadas
à cultura, para a qual estabelecemos um protocolo com o Instituto do Emprego
e Formação Profissional e com a Associação Empresarial de Portugal, que dificilmente
terial lugar se não se realizasse a Capital da Cultura. Foi como que um "pretexto"
para se entrar nessas áreas.
Havia alguns receios de que a programação da Capital da Cultura pudesse cair
num tom de carácter "elitista", ou seja, que não chegaria a todos. Considera
ou não essa crítica válida?
Esse prognóstico de quase "desastre" pairou realmente no ar...
A própria comunicação social interrogava-se se haveria público no Porto para
um evento desta grandeza e se não iríamos apenas fornecer "alimento" para os
hábitos culturais de uma elite, facto que a prática desmente. Basta, de um ponto
de vista não afectivo, atentar nos números e verificar que ao fim dos primeiros
seis meses tínhamos mais de 740 mil espectadores em espectáculos de todos os
tipos. Tenho dúvidas de que essa elite seja constituída por este número tão
grande de pessoas... Se assim for, então somos uma país cheio de sorte.
Apesar desse envolvimento que refere, a população continua a associar a capital
da Cultura às obras que decorrem na cidade. Não pensa que essa perspectiva ensombra
os objectivos iniciais deste evento?
Eu penso que a população identifica a capital da Cultura pelas
duas vertentes. Ainda há pouco tempo decorreu a ponte dos sonhos, um evento
marcante pela grandiosidade dos meios envolvidos, que serviu de alguma maneira
para assinalar os primeiros seis meses do Porto 2001. Se houvesse alguma dúvida
sobre o envolvimento da população do Porto com a Capital da Cultura eu acho
que este evento serviu para responder a isso. Para nós não havia dúvidas, mas
se alguma houvesse penso que terá ficado dissipada.
Há algum estudo que esteja a caracterizar o(s) público(s) que participa nos
eventos do Porto 2001?
Estamos a fazer dois tipos de estudos. Um deles, que já se
iniciou no ano passado, analisa a percepção que o Porto 2001 tem junto do público.
Para tal, usamos quatro amostras de diferentes públicos, previamente caracterizados,
que são acompanhados periodicamente e que se pronunciam sobre a evolução do
evento. É um estudo que está a ser realizado para nossa própria orientação e
que decorreu em força durante o ano 2000 tendo em vista a preparação do evento.
Ao longo deste ano temos vindo a desenvolver um estudo sobre públicos, conduzido
pelo Observatório das Actividades Culturais - um organismo da tutela do Ministério
da Cultura -, que está a ser realizado através da distribuição de inquéritos
nos locais dos espectáculos de forma a saber-se qual a reacção do público, a
sua frequência, as suas preferências, e que será dado a conhecer no final deste
ano. É um relatório sobre os públicos do Porto 2001, tomando a Capital da Cultura
como um "case study" .
E essa base de dados servirá, de alguma modo, para preparar futuros eventos
do mesmo âmbito?
Para nós funciona sobretudo na perspectiva do relatório dos
resultados. Para o ministério é interessante como ferramenta de política cultural,
que certamente irá ser utilizada.
É possível organizar um evento desta grandeza sem recorrer ao mecenato cultural?
Possível até seria, mas na minha opinião não seria desejável.
Conseguimos com o Porto 2001 um apoio mecenático que, de alguma forma, é ímpar.
Estamos a falar de um apoio mecenático que atingiu os 2,8 milhões de contos.
Que percentagem representa relativamente ao orçamento global?
São cerca de seis por cento, mas do orçamento da programação
cultural é praticamente metade.
O que está a tentar dizer é que sem este apoio não teria sido possível realizar
uma programação tão extensa e, em alguns casos, de tão grande qualidade?
Teríamos muito possivelmente de reduzir o número de espectáculos,
porque este financiamento vai directamente para a programação cultural. Mas
mais importante do que a contribuição financeira dos mecenas é o simbolismo
do envolvimento da sociedade civil. Porque uma coisa é ter financiamento do
Estado para fazer um certo programa, o que é interessante, apesar de não deixar
de ser o "patrão" Estado a encomendar esse evento, outra é a contribuição da
sociedade civil, neste caso representada pelas suas empresas e outras entidades,
que voluntariamente sentem que este é um evento suficientemente importante para
querer aparecer como parceiro. E isso obviamente não tem valor, é inestimável.
É uma mensagem de confiança e de apoio que realmente o tornam num evento nacional.
Não considera que a cultura se estará a tornar subsidiária da contribuição
financeira dos mecenas culturais?
Considero que a cultura, tal como a educação e a saúde, têm
um valor tão inestimável que não se podem avaliar directamente. Da mesma maneira
que ninguém questiona que o Estado deva dar condições para aumentar os níveis
de qualidade de vida, ninguém terá dúvidas de que mecenato tem a obrigação cívica
de acreditar e apostar na melhoria das condições de vida de um país. É deste
ponto de vista de participação cívica que eu vejo a necessidade - a quase obrigatoriedade
- do envolvimento mecenático.
Sabendo o papel difícil que tem de assumir enquanto gestora da Sociedade
Porto 2001, voltaria a aceitar o cargo?
Estas experiências são sempre únicas e não se repetem. Aquilo
que posso dizer é que tem sido uma experiência dura, mas extremamente interessante,
que me tem permitido aprender muito. A minha vida profissional centra-se na
investigação, e esta foi uma possibilidade de por um lado me envolver com a
cidade à qual pertenço - pessoalmente tem um valor inestimável - por outro ter
sido um alfobre enorme de aprendizagem, de conhecimento e de contacto com pessoas
que, de outro modo, talvez nunca tivesse oportunidade de concretizar. Diria
que, globalmente, tem sido uma experiência extremamente positiva.
Entrevista conduzida por Ricardo Jorge Costa
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