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Neste Abril obrigado aos que trabalhando silenciosamente vão tecendo outros caminhos

Editorial. Abril. 1996

No editorial dos mês passado manifestei a minha inquietação por se estar a fazer e a pensar pouco na área da educação. Não retiro as questões relacionados com o que eu chamo desadequação do sistema educativo à sociedade. Também não retiro as minhas convicções quanto ao facto de equacionarmos pouco a nossa realidade e de preferirmos ir copiando, com atraso, o que se vai fazendo noutros países. Nos últimos 21 dias, para além das minhas aulas e doutros trabalhos, participei em três congressos e dois seminários. Se quiserem ter o trabalho de folhear, este jornal, não dando conta de tudo, dá conta de outras iniciativas na área da educação. Estes factos mostram que a sociedade está viva vai mexendo e contraria de algum modo o meu pessimismo de há um mês. Como director do jornal sinto que este mês foi quase um mês falhado no que respeita à cobertura de acontecimentos. Não faltou matéria nem acontecimentos o que nos faltou foi capacidade para responder profissionalmente aos vários acontecimentos que podiam ser notícia. A julgar por todas estas solicitações e pela diversidade das iniciativas e tendo em conta o que já temos na agenda para Abril e Maio, alguma coisa está a mexer na educação. Este conjunto de iniciativas, umas promovidas por organizações sindicais, outras por associações de professores, outras ainda vindas do meio universitário e muitas partindo das escolas e de grupos de professores são motivo de grande esperança. Saiba o poder instituído reconhecer esta vontade de abrir novos caminhos à educação e ao ensino. A miserável semana de descanso da Páscoa que a escola nos dava, transformou-se em dois ou três dias de paragem real. Esta é uma questão que não posso deixar passar este mês. O calendário escolar para o próximo ano tem necessariamente de trazer já outra configuração. Já é tempo de pensarmos o nosso calendário escolar em função de exigências de natureza pedagógica. Não podemos permitir que o calendário escolar seja equacionado apenas em função de datas religiosas e menos ainda em função de uma rentabilização aparente do trabalho de professores e alunos. Aos sindicatos de professores pedimos que tomem a iniciativa de lançar o debate e as propostas sobre o novo modelo de calendário escolar. Não se trata de trabalhar mais ou menos dias por ano. Trata-se de encontrar ritmos de aprendizagem e de avaliação sem deixar de considerar a necessidade do trabalho colectivo de organização e gestão das aprendizagens. Trata-se ainda de não perder de vista as nossas tradições culturais e os interesses das famílias. Este jornal é também o jornal de Abril. Em anos anteriores neste mês de Abril, quase sempre por falta de acontecimentos, canalizei para este editorial a minha emoção. Neste ano, porque há acontecimentos, parece-me que a maior homenagem ao 25 de Abril está em tentarmos todos pensar colectivamente os problemas, equacionarmos as respostas e partirmos tanto quanto possível para a construção de soluções. Fica assim o meu registo. Já quase não me lembrava de que era possível pensar Abril discutindo e construindo. O Cavaquismo tinha-nos secado. Pensar problemas e construir soluções. Não é o mesmo que tecer elogios e prestar reverências. É tão só reconhecer que nós cidadãos e professores aumentámos um tudo ou nada a nossa capacidade de intervenção. Dizem alguns que está tudo na mesma. A política é a mesma. A escola está como estava. As verbas que faltavam continuam a faltar. O pré-escolar continua à espera e o superior a degenerar. Como não tenho partido, nem simpatias preferenciais por este ou aquele partido, talvez a realidade me chegue enroupada de outra maneira. Não. Não está tudo igual. Mesmo o que está igual é feito de outra maneira. E digo isto sem juízos de valor. Pela minha parte procuro não estar igual. Espero que a generalidade dos professores sintam que não precisam hoje de estar iguais ao que estavam três ou quatro meses atrás. Espero que aproveitem a oportunidade e ousem transgredir, propor, exigir, avançar e transformar. Mantenho a minha admiração por Sartre. Ele foi, e continua a ser, um dos meus alimentadores do pensamento. Com ele é possível continuar a manter uma relação boa. Umas vezes estamos de acordo, aqui e ali em desacordo, muitas vezes num semi-acordo. Tem uma vantagem. Como escreveu, é sempre possível voltar à conversa. A nossa vantagem em relação aos pensadores e aos escritores é muito grande. O pensamento deles fica ali registado nos livros que nos deixaram, ao passo que nós vamos andando, experimentando, mudando e quando voltamos a dialogar com eles podemos ir munidos de novos argumentos. Eles, coitados, estão ali sem defesa. Iguais ao que foram num dia, num dado momento do seu pensamento. Foi num dado momento que Sartre disse - não me dou ao trabalho de ir confirmar a exactidão da palavra - que a realidade é única, só a aparência é dual. Afirmação tremenda esta de Sartre. Comece cada um de nós a filtrar a sua existência afectiva, profissional, relacional ou racional por esta medida e verá o terramoto que provoca. Aparentemente está tudo na mesma. Na realidade não está. Escolham a aparência e então é possível justificar o que quiserem politicamente. A política, neste sentido, é um jogo. Os jogos não mudam coisa nenhuma, só dão gozo aos jogadores. Escolha-se então a procura da realidade. Provavelmente ficamos numa contínua procura. A realidade é difícil de descortinar. Mas se a descobrirmos nem que seja só um pouco, talvez ela nos peça para agirmos sobre ela. É nessas condições que as coisas mudam. Voltemos ao inicio deste editorial. No mês passado eu disse que salvo uma coisa ou outra tudo me parecia demasiado igual. Parado. Não pensado. Neste mês queixo-me da dificuldade em cobrir todos os acontecimentos visíveis que se passaram no mundo da educação. Por trás da aparência - as coisas visíveis - existe uma outra realidade, o mundo silencioso e invisível dos que trabalhando e mudando as coisas não dão nas vistas. Das coisas mais visíveis falam, apesar de tudo, as páginas deste jornal. Porque estamos em Abril eu gostaria de deixar uma ou outra palavra ao mundo silencioso e invisível que vai tecendo os novos caminhos do mundo. É que esses são sempre os grandes construtores do presente e do futuro. Neste mês de Abril queria deixar alguns agradecimentos pessoais. Em primeiro lugar aos anónimos - homens e mulheres - que ao longo do tempo pelas suas acções silenciosas rasgaram o caminho da liberdade de pensar e de viver em igualdade e em conjunto. Em segundo lugar a todas as mulheres e a todos os homens que continuam a pensar, e que pensando exprimem o seu pensamento e agem em consequência dele, sem calculismo, sem regra e sem norma. Em terceiro lugar a todos os que já foram, ou que não tendo ido se retiraram das zonas de luz, mas que do primeiro ao último pensamento que foram capazes de ter mantiveram - por vezes com muito custo - a chama que alimenta a liberdade, a igualdade e a fraternidade entre homens e mulheres de todos os tempos e lugares. Por último aos meus alunos. Vocês já sabem. Não é a política, não são os discursos retóricos, mas o vosso carinho e vontade de viver que nos fazem continuar a ser professores.

José Paulo Serralheiro


  
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Autoria:

José Paulo Serralheiro
Professor e Jornalista. Director do Jornal a Página da Educação.
José Paulo Serralheiro
Professor e Jornalista. Director do Jornal a Página da Educação.

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